No evento TOP30, promovido pela Medialivre, Paulo Portas, ex-vice-primeiro-ministro, comentandor e consultor, trouxe uma reflexão profunda sobre os desafios e as transformações que o mundo enfrenta, abordando temas como a relevância da comunicação de qualidade, as tensões globais e as implicações da tecnologia na sociedade moderna. Num discurso pragmático e atento às mudanças, Paulo Portas destacou como os conteúdos, a liberdade de imprensa e a responsabilidade dos anunciantes desempenham um papel crucial no fortalecimento das democracias e na promoção de uma sociedade informada. Sem esses critérios cumpridos, não há verdadeira liberdade de expressão. E sem liberdade de expressão não há democracias que resistam.
O valor da multicanalidade nos meios de comunicação
O antigo vice primeiro-ministro e ex-ministro da Defesa iniciou a sua intervenção com um elogio ao desempenho do grupo Medialivre, enaltecendo a importância da multicanalidade como um fator essencial para a sustentabilidade dos meios de comunicação. "A sustentabilidade nos meios de comunicação depende de uma pluralidade de canais, ou, como se diz agora, de uma multicanalidade de investimentos", afirmou, reforçando que a diversificação e a eficiência nos modelos de comunicação têm sido fundamentais para o sucesso empresarial.
Na sua análise, destacou a noção de que o conteúdo é rei, particularmente num momento em que o aumento das opções de consumo de informação tem criado uma oferta muito desigual em termos de qualidade. "Os conteúdos são reis quando o tipo de escolhas aumenta qualitativamente, mas também quantitativamente. O essencial é saber escolher bem os conteúdos que se quer promover", explicou.
A sustentabilidade nos meios de comunicação depende de uma pluralidade de canais.
Paulo Portas, ex-vice primeiro-ministro
O ex-vice-primeiro-ministro sublinhou que a capacidade de selecionar e promover os melhores conteúdos oferece aos anunciantes uma oportunidade única de atingir mais públicos, de forma segmentada e eficiente.
Para Paulo Portas, o sucesso do grupo Medialivre demonstra uma capacidade exemplar de antecipação das mudanças no setor. "Num mundo crescentemente hostil a certo tipo de meios de comunicação, que já foram reinos, é essencial saber antecipar e compreender a direção do mundo. Não se trava o vento com as mãos", afirmou, enaltecendo a capacidade da Medialivre em se adaptar a um mercado em constante evolução.
Publicidade e transformações no mercado
Paulo Portas também partilhou uma análise sobre o panorama da publicidade, que em 2024 alcançou cerca de 600 milhões de euros em receitas no mercado nacional, com um crescimento expressivo nos meios digitais. Segundo Paulo Portas, este crescimento representa tanto um risco quanto uma oportunidade. "É preciso distinguir entre os meios digitais profissionais e os meios digitais informais, pois a diferença entre ambos é significativa", alertou.
O perigo da informação informal e a importância do jornalismo
O ex-governante, que na década de 90 do século passado dirigiu o jornal O Independente, destacou a importância de garantir que o jornalismo profissional continue a desempenhar o seu papel essencial na sociedade, especialmente num ambiente em que a informação informal e muitas vezes desinformada ganha espaço. "Não há comparação entre a veracidade, qualidade e consistência do jornalismo profissional e o que se encontra em meios informais. Isso é vital para manter a credibilidade e a confiança das pessoas nas instituições", explicou.
Paulo Portas alertou para os perigos que a desinformação pode trazer para a tomada de decisões. "Estamos num mundo em que a distinção entre o verdadeiro e o falso está em risco. Daqui a dez anos, poderemos receber imagens e discursos que nunca existiram, mas que parecerão reais", afirmou, reforçando a importância de preservar os valores da informação com assinatura e responsabilidade.
A comunicação no centro das democracias e o papel dos anunciantes
No que diz respeito à relação entre comunicação e democracia, Paulo Portas foi enfático ao defender que os anunciantes têm um papel crucial. "Os anunciantes têm vantagem em manter uma economia de mercado saudável, baseada no jornalismo profissional. Sem ele, não há accountability, não há transparência", destacou. Portas mencionou ainda que o jornalismo informal muitas vezes carece de controlo interno ou externo, pondo em risco a precisão e a qualidade das informações.
A distinção entre o verdadeiro e o falso está em risco, tornando essencial apostar na informação profissional e credível
Paulo Portas, ex-vice primeiro-ministro
O fenómeno da "tribalização" das sociedades e o fim da moderação
Paulo Portas partilhou preocupações sobre o impacto das redes sociais na formação da opinião pública, citando casos em que a desinformalidade contribuiu para a radicalização de comportamentos. "Há um fenómeno de tribalização das sociedades, em que a moderação e o compromisso essencial nas democracias estão a desaparecer", afirmou. Segundo ele, este é um dos grandes desafios do Ocidente, onde a liberdade de escolha e a informação de qualidade são pilares fundamentais para a manutenção do sistema.
O impacto das plataformas digitais na violência e narrativas falsas
Outro ponto levantado foi o impacto das plataformas digitais na organização de atos de violência e na multiplicação de narrativas falsas. Portas mencionou um caso recente nos Estados Unidos, onde um atentado corporativo foi amplamente partilhado e glorificado nas redes sociais. "Este tipo de acontecimentos não pode ser normalizado. Se as democracias não impuserem limites, correm o risco de perder o eixo da convivência civilizada", alertou. Paulo Portas defendeu que a regulação das plataformas deve ser uma prioridade para governos e instituições internacionais.
Tecnologia e Inteligência Artificial: o potencial e os riscos
Ao abordar o impacto da tecnologia, Portas mostrou-se cauteloso em relação à inteligência artificial (IA), destacando que, embora tenha gerado avanços notáveis em áreas como a saúde, também levanta questões complexas no campo dos direitos autorais e da propriedade intelectual. "A IA é uma ferramenta poderosa, mas precisa de ser regulada para evitar abusos e manipulações", afirmou.
O ex-vice-primeiro-ministro destacou ainda o impacto potencial da IA na formação de opinião e na criação de conteúdos falsos que podem enganar o público. Portas mostrou-se impressionado com os avanços da IA em diagnósticos médicos e no desenvolvimento de novas terapias, mas reiterou que a capacidade desta tecnologia de replicar discursos e imagens falsas representa um grande desafio para as democracias. "A veracidade dos factos e a capacidade de distinguir o que é real do que é manipulado são essenciais para preservar a confiabilidade das instituições", concluiu.
Estamos num mundo em que a distinção entre o verdadeiro e o falso está em risco. Daqui a dez anos, poderemos receber imagens e discursos que nunca existiram, mas que parecerão reais.
Paulo Portas, ex vice-primeiro-ministro
A responsabilidade dos governos, media, anunciantes e cidadãos
Paulo Portas encerrou a sua intervenção com um apelo à responsabilidade coletiva de todos os atores da sociedade: governos, meios de comunicação, anunciantes e cidadãos. "Sem imprensa livre, não há democracias saudáveis. Esta é uma responsabilidade que todos devemos partilhar", afirmou. Paulo Portas destacou que, apesar dos desafios, o mercado publicitário e o jornalismo profissional em Portugal estão a crescer acima da média da Zona Euro, demonstrando a resiliência da economia e a confiança nas instituições nacionais. Num tom realista, mas esperançoso, Portas sublinhou que o sucesso está em antecipar tendências, apostar em conteúdos de qualidade e preservar os valores fundamentais da liberdade e da verdade. "A transformação do mundo é inevitável".