O regresso ao mercado de trabalho de pessoas em situações de sem-abrigo (PSSA), através do reforço das suas competências numa oficina criativa de criação de peças de eco design, foi a iniciativa vencedora da 11.ª edição do Prémio AGIR, da REN. No "CAIS Recicla", dinamizado pela CAIS, as PSSA podem desenvolver as suas competências pessoais e sociais através da participação na criação de produtos como cadernos, bolsas, porta-lápis, porta-cartões ou lápis, todos feitos a partir de materiais reaproveitados, fomentando a economia circular. A este projeto, que anualmente apoia 30 pessoas, foi atribuído o valor de 30 mil euros, tornando assim possível adicionar outra artesã à equipa, "aumentando a capacidade de resposta e otimizando a dinâmica com as pessoas apoiadas", explica Alexandre Teixeira, coordenador da CAIS Porto.
Na cerimónia de entrega de prémios – este ano precisamente dedicados ao "Apoio e inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo" – que decorreu em Serralves, no Porto, Gonçalo Morais Soares, Chief Financial Officer da REN, lamenta não poderem reconhecer todas as candidaturas, "que são muitas", revela. "Temos sempre a sensação de que o que fazemos é pouco. É verdade que damos um apoio monetário a estas organizações, que é importante, mas temos igualmente consciência de que acaba por ser pouco para o trabalho e dedicação das pessoas". No entanto, o executivo espera que este prémio possa ser válido de outras duas formas, para além da monetária. Por um lado, "dando visibilidade aos assuntos" e, por outro, "tão ou mais importante do que o dinheiro, reconhecendo realmente o valor das pessoas que todos os dias se entregam a estes projetos."
Mais dois premiados no Prémio AGIR
O projeto "É um catering", da Associação CRESCER, de Lisboa, conquistou o segundo lugar na edição deste ano. Inspirado no modelo do projeto "É um restaurante", vencedor do Prémio AGIR em 2020, a iniciativa promove a integração no mercado de trabalho de pessoas em situação de sem-abrigo, jovens ex-reclusos, refugiados e migrantes. O serviço de catering oferece um menu "apelativo" criado por um chef, enquanto apoia cerca de 30 participantes a desenvolver competências e a serem integrados profissionalmente com o apoio da Associação CRESCER, em colaboração com restaurantes e empresas parceiras. O projeto, ao qual foram atribuídos 15 mil euros, também prevê a criação de um modelo de formação certificado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, desenhado para responder às necessidades específicas dos beneficiários, abrangendo desde aptidões pessoais e sociais até formação prática em contexto de trabalho. Florencia Salvia, coordenadora de projetos da Associação CRESCER, destacou que este prémio "contribuirá para fazer face a uma parte dos custos do projeto, nomeadamente com recursos humanos e equipamento, essenciais para o bom funcionamento do mesmo".
O terceiro lugar foi atribuído ao projeto "closet4all", da delegação de Braga da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP). Esta iniciativa, reconhecida com cinco mil euros, visa instalar armários e cacifos que permitam às pessoas em situação de sem-abrigo guardar os seus pertences e documentação em segurança, num espaço acessível 24 horas por dia. Os equipamentos serão instalados nas instalações da delegação da CVP, permitindo ainda que os beneficiários utilizem outros serviços disponíveis, como acesso à saúde e higiene pessoal. De acordo com Catarina Santos, diretora técnica do Centro de Alojamento Temporário da CVP Braga, "o prémio AGIR irá permitir criar um espaço seguro e digno para 10 pessoas em situação de sem teto, equipado com 10 armários individuais onde podem guardar em segurança os seus bens pessoais. Para além do apoio financeiro, será proporcionado um apoio técnico no que diz respeito à monitorização dos resultados e do impacto causado no grupo-alvo. Acreditamos que os resultados obtidos na melhoria das condições de vida das pessoas poderão contribuir ativamente para o desenvolvimento efetivo dos seus projetos de autonomização".
A multidimensionalidade da pobreza
Estes prémios ganham particular relevância se tivermos em conta que "hoje existe uma consensualização crescente da multidimensionalidade do fenómeno da pobreza, quer ao nível das causas socioeconómicas, mas também políticas e conjunturais, relacionadas com as crises que temos vivido muito recentemente", explicou na sessão de abertura Sandra Araújo, coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.
A responsável enfatizou o facto de a pobreza ter particularmente impacto ao nível micro, dos indivíduos e das famílias, mas também ao nível meso, ou seja, das instituições e territórios, sejam eles urbanos, rurais ou de regiões. "Não basta olharmos para a dimensão dos baixos rendimentos e das baixas qualificações, temos de somar à análise o difícil acesso à habitação, à saúde física e mental, muitas vezes fragilizada, à permanência em territórios e comunidades estigmatizadas, aos baixos níveis de participação, à baixa autoestima e também à ausência de um projeto de vida e de esperança no futuro".
A especialista, que na sua intervenção fez uma análise da pobreza e das pessoas em situação de sem-abrigo em Portugal, relembrou que, num país com uma elevada taxa de pobreza e também fraca mobilidade social, as pessoas em situação de pobreza têm poucas oportunidades de sair dessa condição. "E isso implica um enorme desperdício de talentos e limita o nosso potencial de inovação na sociedade. Esta situação apela a intervenções que devem ser direcionadas para pessoas de idade cada vez mais precoces, para contribuir para quebrar os ciclos de pobreza e a sua reprodução". Alinhado com o objetivo dos Prémios AGIR, Sandra Araújo salientou a importância de "dar voz às pessoas em situação de pobreza ou exclusão social", algo fundamental "para conhecermos melhor o fenómeno da pobreza e, acima de tudo, fundamental para alterarmos a situação".
Pobreza diminuiu
Apesar de tudo, os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, apresentados em 2024 mas relativos a 2023, são genericamente positivos e revelam até algum progresso. A taxa de pobreza diminuiu de 17% para 16,6% em 2023, o que significa que em Portugal existem 1,8 milhões de residentes que se encontram em situação de pobreza monetária, ou seja, dispunham de um rendimento mensal inferior a 632 euros, valor limiar de pobreza. A desigualdade medida pelo coeficiente de Gini – medida que permite perceber a desigualdade de rendimento – igualmente diminuiu, de 33,7% para 31,9%. A intensidade da pobreza, que avalia quão pobres são os pobres, manteve-se praticamente inalterada, na ordem dos 25,7%. "Já a taxa de privação material e social fixou-se nos 11%, com a taxa de privação material e social severa a situar-se nos 4,3%", especificou Sandra Araújo.
Estes valores constituem, diz a especialista, "os mais baixos da série iniciada em 2016". Por outro lado, a taxa de intensidade laboral diminuiu e a taxa de pobreza e exclusão social também diminuiu de 20,1% para 19,7%. "Houve, de facto, um desagregamento da pobreza e ele fez-se sentir, sobretudo, em alguns grupos populacionais", nomeadamente nas crianças e jovens, nos quais a taxa de pobreza reduziu de 20,7% para 17,8%, sendo "o valor mais baixo dos últimos 20 anos".
Estes fatores e causas foram debatidos em dois painéis que integraram a cerimónia de entrega dos Prémios AGIR. "Exemplos de apoio a pessoas em situação de sem-abrigo" contou com a participação de Sandra Araújo, coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, Susete Santos, diretora de Alojamento Social da Fundação Assistência Médica Internacional, Cristina Merendeiro, coordenadora da Associação CRESCER e Ana Salão e Nuno Jardim, da CASA - Centro de Apoio ao Sem Abrigo. O segundo painel, sob o mote "O que está a fazer Portugal para reduzir as pessoas em situação de sem-abrigo", contou com os testemunhos de António Leandro, presidente da Cáritas Diocesana de Aveiro, Henrique Manuel Marques Joaquim, coordenador nacional da Estratégia Nacional para Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo e Fernando Paulo, vereador do pelouro da Educação e pelouro da Coesão Social da Câmara Municipal do Porto.
A próxima edição do Prémio AGIR será dedicada ao Apoio a Cuidadores Informais.
Este prémio é dirigido a associações, empresas e organizações com fins não lucrativos, sendo a seleção da responsabilidade da REN em parceria com a Stone Soup Consulting, entidade que depois acompanha e monitoriza a utilização dos fundos doados a cada projeto apoiado, assim como efetua a avaliação do impacto social real do apoio da REN a cada projeto.