"Primeiro estranha-se, depois entranha-se", "Falta-te um bocadinho assim…", e "Há uma linha que separa" são algumas das expressões que entraram no nosso dia a dia e, às vezes, nem sabemos como. Este é um dos impactos da publicidade: fica na memória, influencia o nosso comportamento e as decisões de compra, permite que as empresas vendam os seus produtos e serviços e contribui para o crescimento da economia.
Tiago Simões trabalha na área do marketing há mais de 20 anos, é diretor de marketing da SONAE MC e presidente da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN). Na sua opinião, "o cliente hoje consome meios e informação de uma forma completamente diferente da que fazia há 20 ou 30 anos". Segundo o presidente da APAN, antes, a lógica das campanhas passava "pela televisão no centro de tudo", mas "ela própria foi evoluindo" e "tendo uma oferta cada vez mais alargada". Se há 20 ou 30 anos existia "uma lógica de one to many", ou seja, "os anunciantes colocavam uma campanha única para toda a gente nos meios de comunicação massiva", atualmente "têm de comunicar não no mesmo sítio a mesma coisa, mas em sítios diferentes, muitas vezes, a mesma coisa, mas, idealmente, coisas diferentes para pessoas diferentes". Para Tiago Simões, esta nova realidade "traz novos desafios para os anunciantes, com a dificuldade de ter de se produzir comunicação e campanhas de forma mais dinâmica, mas também com a vantagem de se poder personalizar a mensagem, conseguir falar para targets e nichos mais pequenos".
Sites desconhecidos gastam milhões em publicidade
Apesar de a televisão ainda ser "o meio por excelência das campanhas mais tradicionais", o presidente da APAN assegura que "o digital traz muitas potencialidades", sobretudo através "desta nova capacidade de anunciar de forma mais relevante". Pelo facto de existirem "muito mais opções" para os anunciantes fazerem campanhas, o investimento em publicidade acaba por estar "mais disperso": "Hoje temos um instrumento na TV em Portugal, que é o Place, que nos permite segmentar e servir anúncios de uma forma personalizada até geograficamente", explica e prossegue: "Por exemplo, para uma pequena cadeia de pastelarias no interior do país, não faria sentido investir em TV, mas, com ferramentas como esta, pode investir em publicidade. O digital vende publicidade de forma diferente. As grandes plataformas, como a Meta ou o Google, disponibilizam serviços de venda de publicidade diretamente aos anunciantes, muitas vezes a anunciantes que não são grandes do ponto de vista da expressão pública, mas são gigantes na utilização que fazem da compra de meios digitais. Existem muitos sites que não conhecemos, que gastam milhões por ano em publicidade diretamente com o Google ou com a Meta/Facebook e que trazem uma dimensão de investimento muito grande ao digital e muitas vezes difícil de medir naquilo que são as metodologias tradicionais."
Algumas das transformações que mais influenciaram o setor vieram com a pandemia. "Vivemos todos uma emergência mundial, percebemos a importância da saúde, de estar próximo das pessoas que estão mais sozinhas… Há muitas dimensões comportamentais e internas que passaram a ser temas relevantes para as marcas, mas também na forma como nos começámos a relacionar com a tecnologia", assegura o presidente da APAN.
Atenção à IA
Olhando para o futuro, é inevitável falar da influência da inteligência artificial (IA), que, para Tiago Simões, traz "ferramentas espetaculares" e "muito assustadoras também". "A inteligência artificial mais depressa vai substituir as funções que são mais de pensamento – do que propriamente as mais mecânicas – e criativas também. Apesar de haver uma componente à qual, para já, a IA não chega, já abrange 80 ou 90% das coisas que se fazem", informa e continua: "O fogo quando foi descoberto trouxe um potencial espetacular para as pessoas se aquecerem e cozinharem, mas também queima e destrói florestas. O que temos hoje com a IA é um potencial gigante para nos ajudar, mas também para nos tornar obsoletos."
Uma das preocupações atuais do presidente da APAN passa pelo facto de os portugueses consumirem cada vez mais media internacionais: "A forma como hoje [os portugueses] consomem meios, o acesso à informação que vai muito além da que os media portugueses dão e até a dependência que passou a existir de plataformas de streaming internacionais vão retirar muito poder e negócio aos media portugueses. Isso não é nada positivo por razões económicas, políticas e democráticas e, para os anunciantes portugueses, é uma ameaça gigante. Nós temos capacidade, enquanto anunciantes, de fazer parcerias, de ter uma relação com os grupos de media, que não vamos ter com as grandes plataformas porque estas vão olhar para as marcas mundiais e para os mercados onde a escala existe".