Notícia
Feito em barro virgem
Diz a tradição que um vinho de talha faz-se num grande recipiente de barro envernizado. Mas, em Cortes de Cima, a tradição é só um atalho para se chegar a outra coisa qualquer. De maneira que o novo Cortes de Cima Amphora 2014 é um tinto sedutor feito em dois diferentes recipientes de barro – ambos sem qualquer revestimento.
13 de Maio de 2017 às 13:00
Se não estivermos perante um facto noticioso relevante, não saímos de um almoço ou de um jantar de apresentação de novos vinhos, azeites, queijos, conservas como quem já está a teclar a história toda no computador. Nalguns casos é preciso perceber se a inovação é meramente uma estratégia de marketing, noutros convém voltar a provar os produtos em sossego. Sem rebuliço e sem a conversa dos produtores, que, inevitavelmente, inventaram os melhores produtos do mundo. O tempo assenta as ideias.
Desta vez quebro a regra e escrevo duas horas depois de ter almoçado no restaurante Bagos Chiado (excelentes, os pratos de Henrique Mouro), onde decorreu a apresentação de mais uma criação da família Carrie e Hans Jorgensen (Cortes de Cima) e do seu irrequieto enólogo, Hamilton Reis, um portuense rendido ao Alentejo. Que criação é essa? Um tinto Cortes de Cima de 2014 feito em ânforas de barro. Vinho de talha? Nem por isso.
De facto, fui ao evento de lançamento convencido de que iria provar mais um vinho de talha, muito em voga nestes tempos que misturam marketing com a moda dos vinhos naturais, mas acabei mais ou menos siderado com uma aula de história, de química e de cultura de inovação. Os detalhes do processo criativo do Cortes de Cima Amphora 2014 são tantos que seriam necessárias várias páginas explicativas. Como tal não existe, abreviemos a história, mas com um intróito.
A família Jorgensen ficou para sempre associada à criação de um vinho icónico no Portugal vitícola contemporâneo. Contra as regras, plantaram Syrah na Vidigueira e produziram um vinho varietal que, como se esperava, foi chumbado como vinho regional na Comissão Vitivinícola Regional Alentejana. Resultado, só podia ser comercializado como vinho de mesa. Sucedeu que, lá fora, o vinho estrategicamente chamado Incógnito começou a receber prémios que nunca mais acabavam. Hoje é um vinho de referência nacional e um marco na popularização da casta Syrah em Portugal.
Há uns anos, meteu-se na cabeça de Hans Jorgensen que Milfontes, a dois passos do mar, seria terra para se fazer grandes vinhos brancos, o que foi recebido com risinhos por parte de gente do sector. Hoje, os seus brancos da costa vicentina dão que falar e outros produtores instalam vinhas na região.
Isto serve para defender a tese de que Hans e a família gostam de arriscar no desconhecido. Por exemplo, quando, em 2012, Hamilton desafiou o dinamarquês para a produção de um vinho de talha, este deu-lhe carta-branca.
Mas, quando provou os primeiros resultados, torceu o nariz e a boca ao vinho. Aquilo não caía no seu conceito de vinho. Aliás, já em 1988 havia tentado fazer um vinho de talha. Nunca gostou da coisa, mas a talha em si ficaria para sempre como o símbolo de Cortes de Cima.
Hamilton é que não desistiu. E depois de muito experimentar em duas vindimas conseguiu, em 2014, convencer o patrão a colocar a marca Cortes de Cima num vinho feito, não em talha no sentido clássico, mas em ânforas de barro. É diferente. Um tinto cativante pelos aromas, pelos sabores e pelo processo produtivo.
Em tese, um vinho de talha é feito com grandes recipientes de barro envernizados ou protegidos com outros revestimentos impermeabilizantes, que impedem o contacto das massas com o barro. Ora, é aqui que começa a alteração de procedimentos. Na ideia de Hamilton Reis, se é para se fazer vinho em talhas de barro, não faz qualquer sentido impermeabilizar o interior das mesmas.
Sucedeu que os primeiros vinhos fermentados em talha não vidrada não convenciam porque, se encantavam no período pós-fermentantivo (bons aromas e sabores), não davam boas indicações de vida no tempo.
Como resolveu o problema? Estagiando o vinho noutras ânforas, mas com formato fechado (tipo garrafão de vidro, mas em barro). Ao colocar o tinto num vasilhame de barro fechado, desenvolvem-se determinadas reacções físico-químicas que tornam o vinho muito mais estável e agradável no nariz e na boca. À semelhança das pipas, o segundo recipiente permite a micro oxigenação do vinho. E é nisto que reside a inovação de Cortes de Cima: a produção de um vinho em dois recipientes de barro (talha e ânfora) e sem serem revestidos ou vidrados.
Ou muito me engano ou esta engenharia de Hamilton Reis vai fazer escola no Alentejo, mantendo-se assim o culto da inovação em Cortes de Cima.
Desta vez quebro a regra e escrevo duas horas depois de ter almoçado no restaurante Bagos Chiado (excelentes, os pratos de Henrique Mouro), onde decorreu a apresentação de mais uma criação da família Carrie e Hans Jorgensen (Cortes de Cima) e do seu irrequieto enólogo, Hamilton Reis, um portuense rendido ao Alentejo. Que criação é essa? Um tinto Cortes de Cima de 2014 feito em ânforas de barro. Vinho de talha? Nem por isso.
A família Jorgensen ficou para sempre associada à criação de um vinho icónico no Portugal vitícola contemporâneo. Contra as regras, plantaram Syrah na Vidigueira e produziram um vinho varietal que, como se esperava, foi chumbado como vinho regional na Comissão Vitivinícola Regional Alentejana. Resultado, só podia ser comercializado como vinho de mesa. Sucedeu que, lá fora, o vinho estrategicamente chamado Incógnito começou a receber prémios que nunca mais acabavam. Hoje é um vinho de referência nacional e um marco na popularização da casta Syrah em Portugal.
Há uns anos, meteu-se na cabeça de Hans Jorgensen que Milfontes, a dois passos do mar, seria terra para se fazer grandes vinhos brancos, o que foi recebido com risinhos por parte de gente do sector. Hoje, os seus brancos da costa vicentina dão que falar e outros produtores instalam vinhas na região.
Isto serve para defender a tese de que Hans e a família gostam de arriscar no desconhecido. Por exemplo, quando, em 2012, Hamilton desafiou o dinamarquês para a produção de um vinho de talha, este deu-lhe carta-branca.
Mas, quando provou os primeiros resultados, torceu o nariz e a boca ao vinho. Aquilo não caía no seu conceito de vinho. Aliás, já em 1988 havia tentado fazer um vinho de talha. Nunca gostou da coisa, mas a talha em si ficaria para sempre como o símbolo de Cortes de Cima.
Hamilton é que não desistiu. E depois de muito experimentar em duas vindimas conseguiu, em 2014, convencer o patrão a colocar a marca Cortes de Cima num vinho feito, não em talha no sentido clássico, mas em ânforas de barro. É diferente. Um tinto cativante pelos aromas, pelos sabores e pelo processo produtivo.
Em tese, um vinho de talha é feito com grandes recipientes de barro envernizados ou protegidos com outros revestimentos impermeabilizantes, que impedem o contacto das massas com o barro. Ora, é aqui que começa a alteração de procedimentos. Na ideia de Hamilton Reis, se é para se fazer vinho em talhas de barro, não faz qualquer sentido impermeabilizar o interior das mesmas.
Sucedeu que os primeiros vinhos fermentados em talha não vidrada não convenciam porque, se encantavam no período pós-fermentantivo (bons aromas e sabores), não davam boas indicações de vida no tempo.
Como resolveu o problema? Estagiando o vinho noutras ânforas, mas com formato fechado (tipo garrafão de vidro, mas em barro). Ao colocar o tinto num vasilhame de barro fechado, desenvolvem-se determinadas reacções físico-químicas que tornam o vinho muito mais estável e agradável no nariz e na boca. À semelhança das pipas, o segundo recipiente permite a micro oxigenação do vinho. E é nisto que reside a inovação de Cortes de Cima: a produção de um vinho em dois recipientes de barro (talha e ânfora) e sem serem revestidos ou vidrados.
Ou muito me engano ou esta engenharia de Hamilton Reis vai fazer escola no Alentejo, mantendo-se assim o culto da inovação em Cortes de Cima.