Notícia
A grande viagem do samurai católico
A intrépida viagem de um grupo de japoneses, incluindo um samurai, por terras dominadas por Espanha, serve a Shusaku Endo para iluminar os contornos do cristianismo.
Shusaku Endo
O Samurai
D. Quixote, 382 páginas, 2018
Shusaku Endo é reconhecido como uma das grandes referências literárias do Japão moderno. Mestre na forma como expressa as emoções dos seus personagens, criou um sólido legado, que se espelha em livros como este "O Samurai". A obra torna-se ainda mais relevante se pensarmos que Endo era japonês, mas também católico.
Começa por nos descrever a existência muito frugal de um samurai que é o "regente" de uma série de aldeias - que em tempos fizeram parte das terras da sua família. Foram-lhes retiradas, mas o samurai não se rebela contra a sua simples existência. Até que é nomeado para ir, com outros japoneses, para uma viagem através do Pacífico até ao México (na novela, surge como Nova Espanha) para negociar um acordo comercial com os espanhóis.
Mas, na sombra, o governo japonês tem outros interesses. Ele é acompanhado por um padre espanhol, de nome Velasco, que funciona como tradutor e que tem o secreto desejo de converter o Japão ao cristianismo. O samurai nunca desejou fazer aquela viagem, mas o sentido de dever sobrepõe-se a tudo. Já o padre, que deseja vir a ser o bispo do Japão, está focado nas suas próprias motivações, sendo tudo o resto irrelevante para ele.
A viagem leva-os de Acapulco através do deserto até à Cidade do México, onde descobrem que não podem cumprir a sua missão. Para isso têm de ir até Veracruz e apanhar um barco para Espanha. Como as autoridades espanholas não se interessam pelo que ali os leva, a missão tem de se deslocar até Roma, ao Vaticano, para pedir uma audiência ao Papa. Mas, em Espanha, os membros da missão, incluindo o samurai, acabam por se converter ao cristianismo. Não que estejam muito convictos disso, mas julgam que assim poderão ser levados a sério.
Mas todas as tentativas de estabelecer contactos e acordos revelam-se vãs. E acabam por voltar para trás. Atravessando outra vez a Espanha e depois o México. E voltam a cruzar o Pacífico, antes de chegarem ao Japão, onde descobrem que os novos dirigentes do país perseguem agora activamente os cristãos e não desejam ter contactos comerciais com outras nações.
O samurai Hasekura Rokuemon, que tinha viajado por dever e não por desejo, descobre um país que não tem interesse naquilo que o levou a percorrer quilómetros sem fim. Acaba mesmo ostracizado. No fundo, Endo fala-nos de uma experiência que também é muito dele: a de ser católico numa nação que, maioritariamente, o não é.
Endo foi o primeiro japonês, depois da Segunda Guerra Mundial, a viajar pela Europa. Ninguém percebeu também a sua motivação. Endo transmite-nos a ideia de que o cristianismo é uma religião de perdedores e de vítimas. Faz isso de uma forma delicada e muito elegante. "O Samurai" acaba também por ser uma grande narrativa de viagens terrenas e espirituais, um encontro com o desconhecido e com as limitações e tentações dos seres humanos. Daí a sua grande beleza.
O Samurai
D. Quixote, 382 páginas, 2018
Shusaku Endo é reconhecido como uma das grandes referências literárias do Japão moderno. Mestre na forma como expressa as emoções dos seus personagens, criou um sólido legado, que se espelha em livros como este "O Samurai". A obra torna-se ainda mais relevante se pensarmos que Endo era japonês, mas também católico.
Mas, na sombra, o governo japonês tem outros interesses. Ele é acompanhado por um padre espanhol, de nome Velasco, que funciona como tradutor e que tem o secreto desejo de converter o Japão ao cristianismo. O samurai nunca desejou fazer aquela viagem, mas o sentido de dever sobrepõe-se a tudo. Já o padre, que deseja vir a ser o bispo do Japão, está focado nas suas próprias motivações, sendo tudo o resto irrelevante para ele.
A viagem leva-os de Acapulco através do deserto até à Cidade do México, onde descobrem que não podem cumprir a sua missão. Para isso têm de ir até Veracruz e apanhar um barco para Espanha. Como as autoridades espanholas não se interessam pelo que ali os leva, a missão tem de se deslocar até Roma, ao Vaticano, para pedir uma audiência ao Papa. Mas, em Espanha, os membros da missão, incluindo o samurai, acabam por se converter ao cristianismo. Não que estejam muito convictos disso, mas julgam que assim poderão ser levados a sério.
Mas todas as tentativas de estabelecer contactos e acordos revelam-se vãs. E acabam por voltar para trás. Atravessando outra vez a Espanha e depois o México. E voltam a cruzar o Pacífico, antes de chegarem ao Japão, onde descobrem que os novos dirigentes do país perseguem agora activamente os cristãos e não desejam ter contactos comerciais com outras nações.
O samurai Hasekura Rokuemon, que tinha viajado por dever e não por desejo, descobre um país que não tem interesse naquilo que o levou a percorrer quilómetros sem fim. Acaba mesmo ostracizado. No fundo, Endo fala-nos de uma experiência que também é muito dele: a de ser católico numa nação que, maioritariamente, o não é.
Endo foi o primeiro japonês, depois da Segunda Guerra Mundial, a viajar pela Europa. Ninguém percebeu também a sua motivação. Endo transmite-nos a ideia de que o cristianismo é uma religião de perdedores e de vítimas. Faz isso de uma forma delicada e muito elegante. "O Samurai" acaba também por ser uma grande narrativa de viagens terrenas e espirituais, um encontro com o desconhecido e com as limitações e tentações dos seres humanos. Daí a sua grande beleza.