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Viagens pelas histórias do Estado Novo

Através de factos e frases, Marcelo Teixeira transporta-nos pelo mundo do Estado Novo entre 1933 e 1974. Uma forma simples de perceber melhor o regime e também Portugal.

23 de Novembro de 2012 às 16:00
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A história diz-nos sempre muito sobre o presente dos países. E seguir os factos e as frases que marcaram uma época, como a que vai de 1933 a 1974, e que correspondem ao apogeu e queda do Estado Novo, é uma boa forma de percebermos melhor as crises de hoje. Marcelo Teixeira, neste estimulante "História(s) do Estado Novo" transporta-nos para esses anos. Nele seguimos os acontecimentos políticos e eles estão convenientemente cruzados com frases de quem, na altura, acabou por colocar a sua impressão digital num Portugal que só teve dois chefes de Governo: Oliveira Salazar e Marcelo Caetano. Há frases que parecem lapidares, como a de Rolão Preto, o chefe dos nacional-sindicalistas portugueses, adepto do fascismo de Mussolini, mas que acabou na sombra: "A diferença essencial que há entre Salazar e os outros ditadores é esta: os outros conquistaram eles o poder, Salazar aceitou que outros lhe conquistassem o lugar, mas não deu para isso o seu esforço".

Sem ser exaustivo, o autor faz-nos seguir essas décadas de forma simples, mas o resultado é que nos focamos no essencial. Por isso este é um excelente resumo do Estado Novo que lança pistas para quem quiser explorar melhor alguns acontecimentos e protagonistas. Quando passamos por 1934 não deixa de ser curiosa uma frase de Salazar arrancada de um discurso proferido na inauguração de uma Casa do Povo: "Eu não sou dos que dizem que o povo pode governar-se a si próprio; isso só afirmam os que querem viver à custa do povo. O que o povo quer e deve ser é bem governado. Aqui têm o que é a Ditadura".


Marcelo Teixeira, "História(s) do Estado Novo"; Parsifal, 350 páginas, 2012

Uma frase que mostra como Salazar sintetiza a sua estratégia que hoje, curiosamente, encontramos em alguns discursos a nível de todo o mundo. Tudo transparente numa carta de Pedro Teotónio Pereira a Salazar em 1935: "Desapareça da cena política quem tem de desaparecer, queime-se quem tenha de ser queimado, custe o que custar, doa a quem doer, o nome de V. Exa tem de ficar por cima, porque só em V. Exa está toda a nossa esperança e toda a garantia do futuro". Eloquente.

Os funcionários públicos entravam na linha e tinham de assinar por debaixo: "Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas". Claro que o regime iria ter muitas contrariedades, das revoltas à candidatura de Humberto Delgado, do assalto ao Santa Maria à guerra colonial. Mas foi sobrevivendo. Em 1949, Miguel Torga exemplificava o clima rarefeito: "Ser escritor em Portugal é como estar dentro dum túmulo a garatujar na tampa". Em 1958, falando de Salazar, Delgado dizia o que ficou na história: "Obviamente, demito-o!"


O início da guerra colonial em 1961 marca uma nova era para o regime, agora com os olhos internacionais mais virados para Portugal. O Coro e Orquestra da FNAT cantava "Angola é nossa!", e o ministro do Exército, brigadeiro Mário Silva dizia: "O Exército não transige! Vamos combater selvagens". Américo Tomás, o novo presidente, começava a sua inenarrável colecção de frases sem sentido. Ao estilo: "É uma terra bem interessante, porque, estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude", sobre Manteigas, ou, "A hora vai demasiadamente adiantada, precisamente porque nós estamos muito atrasados, e é por isso que limitarei as minhas palavras às indispensáveis". Quando Salazar desapareceu de cena, Marcelo Caetano explicava: "O País habituou-se, durante largo período, a ser conduzido por um homem de génio; de hoje para diante tem de adaptar-se ao governo de homens como os outros". Portugal não se adaptou e o regime caiu. Mas conhecê-lo melhor, neste empolgante livro de Marcelo Teixeira, ajuda-nos a percebermos melhor o presente.

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