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Tónan Quito: Todos queremos que gostem de nós ao fim do dia

Este fim-de-semana, o actor e encenador Tónan Quito mostra “Fé, Caridade e Esperança”, de Horváth, com o Grupo Gesto, no Espaço Municipal da Flamenga, em Chelas. Fala sobre uma rapariga que percorre uma cidade e não encontra quem a salve.

Bruno Simão
16 de Junho de 2017 às 14:00
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Ao final do dia, Tónan Quito gosta de estar com pessoas. Gosta de estar a discutir ideias e de tentar pô-las em palco. Foi um hábito que iniciou cedo, quando começou a fazer teatro com o grupo 4.º Período - O do Prazer, na secundária, ainda não sabia que seria actor profissional. Ao final do dia, ainda tem prazer em ir para o palco e, se não tem, procura-o. Quis trabalhar com grupos de teatro amadores como quem reentra uma fase de "porquês". Este fim-de-semana, mostra "Fé, Caridade e Esperança", de Horváth, com o Grupo Gesto, no Espaço Municipal da Flamenga, em Chelas, e depois, no primeiro fim-de-semana de Julho, com o Grupo Pano Cru, no espaço A Promotora, em Alcântara. É uma peça dos anos 30, em que uma rapariga percorre uma cidade e não encontra quem a salve. É um retrato simultaneamente histórico e actual, como só o teatro pode ser: mostrando o quanto falhamos em mudar na nossa humanidade.


1. Continuo a achar fascinante o facto de alguém decidir ser actor e fazer teatro, independentemente de ser profissional ou não. É sempre um exercício de te expores: de dizeres quem é que tu és, aqui, neste espaço, agora, esta noite.

Há um lado vaidoso de nos apresentarmos, mas também há um lado generoso de querer partilhar ideias em que acreditamos profundamente. Acho este acto de ir para um palco partilhar ideias ou pensamentos muito corajoso e até transformador: como um cientista que descobre uma cura para qualquer coisa. Há esse lado de generosidade de querer fazer qualquer coisa. Quer no teatro quer em geral, o facto de se querer fazer qualquer coisa é algo que me sensibiliza muito.

2. Já tinha a ideia de querer trabalhar com grupos amadores. Não sei se é um bocadinho egoísta ou não, se é um bocadinho umbilical ou egocêntrico, mas quis perceber outra vez um pouco da inocência do que é que nos faz todos os dias esperar pela noite para ir ensaiar uma peça de teatro - e apresentar a um público sem querer nada em troca.

Interessava-me também misturar actores profissionais e não profissionais, para haver uma partilha entre nós, que já fazemos isto profissionalmente, diariamente, com a nossa técnica e o nosso conhecimento, e as outras pessoas que têm outro conhecimento, que é o conhecimento da vida e do seu quotidiano, e que trazem toda uma vontade e um fascínio por fazer teatro.


O acto de ir para um palco partilhar ideias ou pensamentos é muito corajoso e até transformador.


Trabalhei com os actores amadores tal como trabalho com profissionais. Pedia-lhes as mesmas coisas que peço aos profissionais. E ele faziam as mesmas perguntas que os profissionais. É espantoso como é que estas pessoas chegam ali cheias de energia, depois de um dia de trabalho, e estão quatro horas a ensaiar. Há malta de laboratórios, há malta de design, há advogados, há malta que faz empresas, muito dinâmicos, outros com um trabalho normalíssimo. Mas, independentemente das profissões, de repente, quando estamos ali todos a fazer um espectáculo, o que fazemos no emprego - que tantas vezes parece definir uma pessoa - interessa muito pouco. Às vezes, ainda tentava ver se aquela pessoa que é cientista ou trabalha na [Fundação] Champalimaud, traria algo daí, mas depois estava a ouvi-la e o que ela contava era a história de como conheceu o actual companheiro numa bomba de gasolina quando ia assinar os papéis do divórcio.

Depois da estreia, há aquele retorno imediato que é tão importante para nós profissionais quanto para os amadores. Aí, é quando se torna mais interessante observar: somos todos iguais; todos queremos que gostem de nós ao fim do dia.

3. Esta peça conta a história da Elisabeth, que acaba por se suicidar. É uma miúda que anda pela cidade à procura de sustento e de tentar sobreviver numa altura de grande desemprego e de crise.

O [dramaturgo austríaco] Horváth escreveu na década de 30 - e as suas peças adivinhavam que ia acontecer algo de mal, adivinhavam a ascensão do nazismo -, mas a escrita é muito contemporânea: as cenas são muito curtas, os diálogos são muito breves, é muito cinematográfico. Ele descreve muito bem os ambientes. Escreve imensos silêncios. E há nos textos dele uma partitura, uma musicalidade que me agrada muito. Depois, acho que é muito acutilante e é sempre muito irónico. Revejo-me um pouco nesse distanciamento perante a realidade, sempre com um sorriso ligeiramente trocista em relação à nossa maneira de viver.

O Horváth fala sempre de pessoas muito banais. Já disse numa outra entrevista e é verdade: as personagens podiam ser pessoas sobre as quais lemos no Correio da Manhã: mulher atira-se ao rio por desespero. Ele conta assim estas histórias de pessoas banais e podia ser a história de qualquer um de nós.

Quando vemos a Elisabeth desesperadamente à procura de emprego, há um reconhecimento, porque muitos de nós, em alguma altura da nossa vida, já estivemos mesmo desesperados para pagar as contas. Depois, quando se começa a pensar quando é que isto foi escrito...


Se pegarmos numa tragédia grega com dois mil anos, pensamos: então, o que é que evoluímos? Não mudámos, mas é bom saber que continuamos imperfeitos.


Quando fiz o [espectáculo] "Entrelinhas" com o [encenador e director do Teatro Nacional D. Maria II] Tiago Rodrigues, ele tinha lá uma frase que eu agora uso sempre, que dizia: não é o sentido dos textos antigos hoje em dia, é o sentido dos nossos dias quando o vemos através de um texto antigo.

Se pegarmos numa tragédia grega com dois mil anos, pensamos: então, o que é que evoluímos? Não mudámos, mas é bom saber que continuamos imperfeitos. Por isso é que temos de continuar a escrever e a fazer peças: para continuar a pensar um bocadinho sobre nós.

4. Gosto muito de actores. Gostava de ser como alguns actores quando crescesse. Tenho tido a sorte de alguns destes actores quererem trabalhar comigo. Tenho sempre esta ideia de que continuo a aprender. E parece muito estúpido, mas continuo a divertir-me mesmo muito a fazer isto. Apesar das dores de cabeça. Apesar de ser complicado gerir equipas, pessoas, dinheiros, de nunca ter dinheiro para pagar mais às pessoas, porque estamos sempre nos mínimos olímpicos. Apesar - e espero que isto passe com a idade - de estar sempre preocupado em agradar: se as pessoas estão todas bem, se se sentem realizadas, estimuladas, se estão a divertir-se tanto como eu.

A minha vontade de encenar tem muito que ver com uma vontade de juntar pessoas. Deve ser porque os meus pais faziam muitos jantares e juntavam sempre muita gente lá em casa. E talvez por causa do grupo de teatro de que fiz parte na escola [secundária], em que éramos muitos e estávamos sempre juntos.

Não assino as peças como encenador. Normalmente ponho "direcção artística", mas ainda ando à procura do conceito mais ajustado. Não faço mais do que juntar pessoas para termos ideias, partilharmos essas ideias e montarmos essas ideias. Todo o processo é colaborativo e todos têm uma palavra a dizer. Depois, os espectáculos são o que são. As pessoas gostam ou não gostam. Claro que prefiro que gostem, mas quero mesmo é ver o resultado daquelas cabeças todas juntas. 

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