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Lítio: de onde vem esta força?
Com uma posição no “top 10” dos principais produtores mundiais e cerca de uma dezena de áreas de elevado potencial de exploração, Portugal está nos radares de várias empresas internacionais por causa do lítio, o mineral que deverá estar no centro da revolução energética em curso.
No mapa global do lítio - a base para as baterias eléctricas e que faz soar as campainhas dos investidores -, o país "pisca" já como um dos 10 maiores produtores globais. A popularidade crescente deste mineral acompanha a revolução em curso na área da energia, que faz antever a necessidade de matérias-primas para a construção de baterias de iões-lítio para usos que vão do sector automóvel aos dispositivos electrónicos portáteis, passando pelos sistemas de armazenamento de electricidade.
"O consumo de lítio para baterias aumentou significativamente nos últimos anos porque as baterias recarregáveis de lítio são usadas de forma alargada no mercado crescente de dispositivos electrónicos portáteis e em ferramentas eléctricas, veículos eléctricos e dispositivos de armazenamento de energia," refere o United States Geological Survey (USGS).
Tanta atenção fez disparar o valor da matéria-prima nos mercados. Segundo o Benchmark Mineral Intelligence da Bloomberg, o preço por tonelada métrica quase triplicou em quatro anos, passando de cerca de 5.000 dólares no final de 2013 para quase 14 mil nos últimos meses de 2017.
EUA e China lideram apetite pelos carros eléctricos
O apetite crescente dos fabricantes automóveis está a agitar as expectativas de maior procura futura por este mineral. Além da visibilidade da gigante Tesla - cada bateria da marca comporta sete quilos de lítio -, alguns dos maiores construtores "tradicionais" do mundo anunciaram em 2017 a sua aposta na electrificação. Sobretudo depois do escândalo da manipulação das emissões diesel e numa altura em que países como a Noruega, França e o Reino Unido estabeleceram prazos para descontinuar o fabrico de veículos de combustão.
Dados da Bloomberg New Energy Finance colocam as vendas de carros eléctricos em 24,4 milhões por ano até 2030, com os EUA e a China entre os principais mercados. Uma procura que deverá impulsionar novos projectos de exploração de lítio, mas que será satisfeita pela extracção de menos de 1% das reservas estimadas desta matéria-prima no globo.
A nível internacional, segundo o USGS, 39% do lítio que é hoje obtido está a ser conduzido para o fabrico de baterias, com 30% a ser absorvido pela indústria da cerâmica e do vidro e os restantes 31% a serem direccionados para integração no fabrico de óleos lubrificantes, polímeros, sistemas de purificação do ar e uma paleta variada de outras utilizações.
A expectativa de maior procura fez os investidores voltarem os olhos para potenciais países fornecedores capazes de a satisfazer. E Portugal, no actual "top" de produtores, entrou na lista. De acordo com as estatísticas do USGS, em 2014 Portugal era a sexta maior fonte de lítio do mundo, com cerca de 17,5 mil toneladas métricas extraídas (com um teor de 1,5% de lítio), e para 2016 as reservas estavam estimadas em 60 mil toneladas métricas. Uma situação que coloca o país na lista de potenciais sedes para a próxima gigafábrica da Tesla, que Elon Musk quer instalar na Europa.
Portugal: da cerâmica às baterias
O mineral extraído por cá tem tido até hoje aplicações em particular na indústria cerâmica, onde é usado para reduzir o ponto de fusão na produção de pastas - baixando o consumo energético. Mas um relatório do Grupo de Trabalho "Lítio", encomendado pelo Governo e concluído em Março do ano passado, afirma que as ocorrências de lítio detectadas em Portugal têm potencialidade também para uso na indústria de compostos de lítio para obter concentrados de minerais de lítio de alto teor, como os que são usados na construção de baterias para os automóveis eléctricos. De acordo com relatórios técnicos de cinco empresas, com direitos atribuídos de prospecção e pesquisa e de exploração, é possível estimar um total de quase 30 milhões de toneladas em recursos mineralizados de lítio no país.
No rectângulo nacional, são nove as regiões identificadas com ocorrência de mineralizações de lítio, concentradas no centro e Norte do país: Serra de Arga, Barroso-Alvão, Seixoso-Vieiros, Almendra, Barca de Alva-Escalhão, Massueime, Guarda, Argemela e Segura. E, nestas, a DGEG definiu 11 "campos" correspondentes às zonas de potencial interesse das empresas (Arga, Sepeda-Barroso-Alvão, Covas do Barroso-Barroso-Alvão, Murça, Almendra, Penedono, Amarante Seixoso-Vieiros, Massueime, Gonçalo-Guarda-Mangualde, Segura e Portalegre).
Escrutinadas as anomalias geológicas com ocorrências de lítio, o passo seguinte - a prospecção, a exploração e a eventual transformação em matéria-prima utilizável pela indústria - implica avultados investimentos, muito superiores, por exemplo, aos necessários para extrair o mineral de salares, a céu aberto, como acontece no Chile ou na Argentina e onde as multinacionais também já estão em força.
O Governo português já defendeu por isso a integração das concessões em projectos que vão para lá da extracção do lítio, de forma a criar "valor acrescentado na cadeia industrial que se segue à sua extracção". Na mesma linha vão as conclusões do grupo de trabalho governamental, que defendeu a criação de um programa de fomento mineiro para avaliar os recursos minerais de lítio existentes no país e a implementação de duas unidades experimentais - minero-metalúrgica e de demonstração, em consórcio com empresas exploradoras - para aferir da viabilidade económica da cadeia de valor.
Há dois anos, segundo o grupo de trabalho governamental, entraram na Direcção-geral de Energia e Geologia 30 pedidos de direitos de prospecção e pesquisa de lítio no país, que têm subjacentes cerca de 3,8 milhões de euros de propostas de investimento nos primeiros dois a três anos, numa área total de 2.500 quilómetros quadrados.
Apesar do "know-how" existente, do potencial mineral identificado e de o enquadramento legal convidar à entrada de novos investidores, Portugal tem ainda assim uma estrada longa pela frente para que o lítio que venha a ser extraído resulte em produto acabado para entregar às fábricas de baterias. Com ou sem a boleia de investidores estrangeiros, tem de acelerar na construção de incentivos financeiros específicos e dar massa crítica dos projectos, como defende o grupo de trabalho. Sob pena de ficar a meio caminho como um carro com a bateria esgotada: parado na berma da estrada e a ver os outros a passar.
Estrangeiros reforçaram interesse no país nos últimos anos
O potencial uso na produção de baterias eléctricas está a levar empresas estrangeiras, sobretudo com origem na Austrália, a fazer o seu caminho na prospecção de lítio em solo luso.
Se já existem empresas que há décadas têm os pés firmes sobre o terreno no que diz respeito ao lítio, a Felmica é uma delas: gere em Gonçalo, Guarda, a maior mina no país com aplicações na indústria cerâmica e do vidro e é responsável pela parte de leão na produção nacional. Mas o potencial uso na produção de baterias eléctricas está a levar outras companhias, sobretudo com origem na Austrália, a fazer o seu caminho na prospecção deste mineral em solo luso.
É o caso da Lepidico, que em Março do ano passado assinou um contrato com o grupo Mota (dono da mesma Felmica) para actividades de perfuração em Alvarrões, Guarda. O objectivo é aferir recursos nesta mina de lepidolite que possam vir a ser processados pela tecnologia L-Max, destinada a obter fontes alternativas de lítio e que deverá ser usada numa fábrica em projecto em Sudbury, Canadá.
Esta mina produz 20 mil toneladas de minerais de lítio por ano, mas o seu potencial para a produção em larga escala de químicos de lítio para o mercado de baterias ainda não tinha sido testado. Em Dezembro, os testes devolveram um recurso inferido de 1,5 milhões de toneladas com um teor de 1,2% de lítio, com dois dos blocos de perfuração a poderem garantir matéria-prima suficiente para alimentar a fábrica com tecnologia L-Max.
Meses antes, em Maio de 2017, a Savannah, sediada em Londres, anunciou a compra à australiana Slipstream da maioria da posição (75%) nos direitos de exploração de quartzo, feldspato e lítio na Mina do Barroso, concelho de Boticas, Trás-os-Montes. A prospecção no local, realizada entretanto, devolveu resultados "excepcionais", tendo a empresa detectado no final do ano o que dizia serem algumas das melhores intersecções deste mineral conhecidas até ao momento na Europa.
Mas é a poucos quilómetros deste local que se encontra a actividade de prospecção de lítio mais mediática e controversa dos últimos anos, que acabou nas barras dos tribunais. Em Montalegre, a concessão de Sepeda está a ser disputada entre os australianos da Novo Lítio e a portuguesa Lusorecursos, detentora original da licença de prospecção.
Em Junho de 2016, as empresas assinaram um acordo para a potencial transmissão de licenças em três regiões do país, numa das quais (Sepeda) as perfurações da Novo Lítio, num investimento de mais de quatro milhões de euros, acabaram por identificar "o maior recurso de lítio num depósito de lítio-césio-tântalo em pegmatito na Europa". O material foi mais tarde considerado adequado para a produção de componentes de baterias de iões-lítio, já depois de a Novo Lítio ter admitido construir uma fábrica de processamento de derivados de lítio em Portugal - num investimento que rondaria os 370 milhões de euros.
Mas, em meados do ano passado, a Novo Lítio anunciou que a Lusorecursos - que assinou o contrato de prospecção com o Estado em 2012 - não estava a cumprir com o acordado, recusando-se a notificar o Estado para a transmissão das licenças para a sua posse. No meio de uma batalha judicial que ainda continua, a Lusorecursos e a Novo Lítio avançaram para pedidos independentes de licenças de exploração (já que a licença de prospecção caducou a 7 de Dezembro), cabendo agora à Direcção-geral de Energia e Geologia decidir a quem a atribui.
Os precursores
A partir pedra há mais de 200 anos
O naturalista brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) e o químico sueco Johan August Arfwedson (1792-1841) foram dois nomes fundamentais para a descoberta do lítio.
É ao brasileiro com raízes portuguesas José Bonifácio de Andrada e Silva que é atribuído um dos passos fundamentais para a descoberta do lítio. Em 1800, descreve a espécie mineral petalite, obtida em Utö, na Suécia, o que permite ao químico sueco Johan August Arfwedson identificar, 17 anos depois, o lítio naquela formação mineral.
O elemento só foi isolado enquanto metal em 1855 e apenas em 1923 se iniciou a primeira produção comercial do lítio pela Metallgesellschaft AG.
O nome do lítio deriva de "lithos", a palavra grega usada para definir pedra, dado que se trata de um metal alcalino descoberto em minerais, ao passo que outros metais tinham sido identificados em matérias vegetais. É o elemento metálico com menor densidade de que há registo e ocorre em formações minerais como a espodumena, petalite, lepidolite e ambligonite.
O óxido de lítio é usado na cerâmica e o carbonato de lítio em medicamentos para tratamento da doença bipolar. O carbonato de lítio é usado no fabrico dos cátodos para as baterias de iões-lítio, mas o hidróxido de lítio - que dele deriva e é por isso mais caro de obter - tem estado a ganhar popularidade. O metal é ainda usado no fabrico de aviões, em ligas de alumínio-lítio.
John Cade, um médico australiano, viria a identificar o papel do mineral no controlo da doença bipolar - com o uso do carbonato de lítio -, tendo começado as suas experiências depois da II Guerra Mundial, publicando as conclusões em 1949.
Segundo a The Royal Society of Chemistry, Austrália, Chile e China são os principais produtores e também onde se encontram as maiores reservas. Além de poder ser encontrado no subsolo, como no caso de Portugal, o mineral encontra-se ainda presente em salmoura, em salares a céu aberto, como no de Atacama, no Chile.