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Leonard Cohen, o cantor sem idade

Leonard Cohen volta com um novo disco onde percorre os caminhos do passado e se confronta com o fim da existência. Mesmo que, muitas vezes, a sua música nos pareça imortal.

Eloy Alonso/Reuters
28 de Outubro de 2016 às 15:00
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Não é um disco sombrio: é apenas um saltitar sobre as suas obsessões do passado e que têm que ver também com as suas mutações: de poeta para novelista e para músico. É neste triângulo, onde tudo se pode ganhar ou perder, que tentou perceber o amor e o sentido da vida.


Com o seu fato negro e chapéu Borsalino, Leonard Cohen parece um cantor sem idade e um poeta sem fronteiras. Mesmo quando fala da despedida e do fim de um tempo, como no seu novo álbum, "You Want it Darker", sente-se que ele vai continuar a querer cantar durante muito mais tempo. São tempos de dúvida.

Cohen deu uma longa entrevista à revista "New Yorker" onde, a certa altura, diz: "Estou preparado para morrer." Uma declaração que, vinda de alguém com 82 anos, soa a um fim à vista. Mas, passado uns dias, ele rectificou o que disse. Numa conferência de imprensa, explicou: "Eu disse que estava pronto para morrer. Acho que estava a exagerar. Pretendo viver para sempre." Algo que parece contraditório com o que canta no tema que dá título ao disco: "Hineni, Hineni/Estou pronto, Senhor." A religião e a memória hebraica estão sempre presentes nas letras de Cohen, tal como o amor.

Não podemos deixar de recordar que Cohen iniciou a sua carreira através do mundo da poesia, em Montreal, onde frequentava os círculos boémios e culturais da cidade. Em 1956, saiu o seu primeiro livro de poesia, "Let Us Compare Mythologies", a que se seguiriam outros dois até meados da década de 1960. Nessa altura, a sua atenção desviou-se para o mundo da novela. Foi então que descobriu o paraíso das ilhas gregas.

Durante sete anos, viveu em Hydra, fonte de inspiração para duas novelas: "The Favorite Game" e "Beautiful Losers". Um novo ciclo solar iniciava-se: Leonard Cohen virou-se para a música. Em 1967, sai o seu primeiro álbum, "Songs of Leonard Cohen", onde está um dos temas mais recordados, "Suzanne". Seria uma época de extrema actividade. Em 10 anos, Cohen lançaria seis álbuns, incluindo um "Greatest Hits". A sua música tornou-se popular, sobretudo através de álbuns incontornáveis como "Songs of Love and Hate", "Death of a Ladies' Man" e "I'm Your Man".

A sua música e a poesia cruzam-se e puxam uma pela outra, como irmãs gémeas. É, no fundo, uma trilogia que vai definindo a obra de Cohen: a poesia, a ficção e a música. Sintetizando tudo, sai, em 1993, o livro: "Stranger Music: Selected Poems and Songs", que agrupa mais de duas centenas de poemas, seis dezenas de letras de canções e alguns excertos de novelas. O criador completo está aqui. No fundo, como muitas vezes se foi dizendo, Cohen é uma espécie de criador do renascimento: tudo busca e tudo faz.

Tudo isto é nítido no novo disco, "You Want it Darker", um título que é um verdadeiro desafio. Como se perguntasse: querem que o meu mundo, sempre nebuloso, se torne ainda mais escuro? Nele, a sua poesia e voz continuam indiferentes à passagem do tempo. De uma profundidade espantosa, recupera memórias de sempre e transpira as obsessões que nunca deixaram de estar presentes durante décadas.

Duas das canções evocam as suas raízes, especialmente na que dá título ao álbum: o coro da sinagoga de Montreal (que também surge em "It seemed the Better Way"), onde o bisavô e o avô de Cohen tiveram lugares de relevo, trazendo um tentador exercício sobre a humanidade e criando uma espécie de paz espiritual especial. Cohen irrompe no meio de um ambiente sonoro de uma elegância surpreendente, como se ouve na excelsa canção "Treaty" ou em "If I Didn't Have Your Love". No fundo, o disco é um longo diálogo de Leonard Cohen com o seu passado e também com o seu futuro, aquele a que ninguém escapa.

Quando se recupera a sua história, é impossível não ficarmos surpreendidos por Leonard Cohen ter passado da escrita de poesia para a música, aquilo que lhe abriu as portas de um reconhecimento global. Terá sido uma das musas, "uma aristocrata da cena de Greenwich Village", a cantora Judy Collins, que o terá encaminhado. O que, mais uma vez, faz com que se ligue a forte corrente eléctrica que sempre o associou às mulheres e ao amor, desde o tempo da sua estadia no verdadeiro paraíso "hippie" que era a ilha grega de Hydra. Foi ali que esteve com a sua então deusa, Marianne Ihlen, a bela norueguesa, que faleceu já este ano e que viveu com ele o tempo suficiente para ele romancear (e sintetizar) tudo na letra de uma canção. "So Long Marianne" tornou-se um hino.

Mais tarde, noutro mundo onde procurou iluminar-se, conheceu Suzanne Elrod, mãe dos seus dois filhos. Estavam numa aula de cientologia em 1969. Nesse mesmo ano, Cohen conheceria Joshu Sasaki Roshi, o seu futuro mestre Zen. O que não deixa de mostrar a face lunar do músico. Outra Suzanne, Verdal, seria a influência para outra das suas canções: a Suzanne de carne e osso transformou-se numa Suzanne metafísica e num verdadeiro anjo. No fundo, Leonard Cohen transformou a sua vida numa lenda e, percorrendo décadas com as suas poesias, letras de canções e melodias, fez-nos percorrer um longo percurso em que o mundo mudou muito. Mas em que a sua essência interior e as suas interrogações mais profundas se mantiveram indestrutíveis. Mesmo nos momentos menos iluminados.

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