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Europa: a união faz a força?

A Europa está a tactear no caos. Que papel terá o euro numa Europa com diferentes velocidades? Desafiado pelo Brexit e pelas tentações populistas, o núcleo duro da Europa move-se quando se prepara para comemorar, com pouca festa e contida alegria, os 60 anos do Tratado de Roma.

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O grande escritor Stefan Zweig escreveu sobre a Europa uma simples frase que se assemelha a uma profecia: "Ou se une ou se destrói." Nunca como agora, quando a Europa se prepara para comemorar com pouca festa e contida alegria, os 60 anos do Tratado de Roma (que instituiu a Comunidade Económica Europeia entre a Alemanha, a França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), a dúvida esteve tão instalada.

Com a partida da Grã-Bretanha, os líderes das maiores potências restantes (Alemanha, Itália, França e Espanha) reuniram-se em Versalhes para mostrar uma posição de força, que passa pela continuidade da União Europeia, mesmo que com diferenças. Mas o encontro foi uma forma de estes países (os mais poderosos, política, económica e militarmente na Europa unida) mostrarem uma resposta comum às reflexões do Livro Branco do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. A união mostrada serviu também para escolher uma das opções colocadas na mesa por Juncker: o cenário 3, que propõe uma Europa a várias velocidades. Ou seja, várias Europas. E, no meio delas, resta a questão: que papel terá o euro, a moeda que funciona como o pilar mais forte da união, nesta Europa com diferentes círculos? Porque, sem euro, será inevitável a morte do sonho da Europa unida. Desafiado pelo Brexit (que deverá avançar formalmente este mês) e pelas tentações populistas deste e do outro lado do Atlântico, o núcleo duro da Europa move-se. Devagar, como sempre.

Há muito que a Europa não sabe para onde caminha. E, às vezes, parece já não saber o que é. Se a União Europeia, esse sonho de paz continental, está presa de fantasmas, interesses e burocracias várias, a crise das dívidas soberanas, a vaga de imigrantes e as tempestades do Brexit e de Donald Trump apressaram a sensação da sua fragilidade. Erguem-se muros e a retórica nacionalista voltou a ser ecoada nas ruas. A Europa do Iluminismo deixou de ser também uma fonte de influência cultural e moral que povos de todo o mundo seguiam.

Para onde caminha a Europa? Claramente para o fim de um ciclo. As respostas do Livro Branco de Juncker são interessantes, mas mais do mesmo. A Europa burocrática e definida pelas maiores nações (especialmente a Alemanha) afastou-se dos cidadãos e da noção de solidariedade. O "boomerang" está agora a acertar as suas cabeças. "Quo Vadis, Europa?", pode questionar-se, numa época em que as forças que produziram este modelo, assente também num modelo de Estado Social e de equilíbrio de forças entre os poderes que ciclicamente se combateram (França e Alemanha), estão exangues - no caso, a democracia-cristã e a social-democracia. A austeridade militante dilacerou o resto do contrato social e alargou as feridas e os ressentimentos dentro da Europa.

Quando o documento de Juncker refere que as discussões sobre o futuro da União tinham caído numa guerrilha simplista entre mais ou menos Europa, nada poderia ser mais exacto. Mas é a falta de respostas e os interesses divergentes entre um Norte rico e um Sul pobre que intoxicaram a discussão. Numa altura em que várias eleições vão determinar muito do futuro da União Europeia (na Holanda, em França e na Alemanha), a fragilidade dos líderes é alarmante. A visão política cedeu nos últimos anos a uma ideologia economicista, onde os interesses particulares da Alemanha (a inflação e a sua posição dominante no comércio, mesmo que a sua política de acumulação cause graves problemas nas finanças dos países mais fracos) se sobrepõem a todos os outros. Juntando a isso o caos que a imigração trouxe, o menu sofrível da UE ficou ainda mais visível.

Belicismo cíclico

A divisão da Europa e a desconfiança mútua não são de agora: a CEE veio, no pós-II Guerra Mundial, apenas pacificar o belicismo cíclico, entre sonhos de impérios e hegemonias políticas. Houve muitas tentativas de unificar a Europa depois de Carlos V, nomeadamente o seu centro. A travar o crescimento estava sempre o império russo ou o otomano. Mas tentativas não faltaram, de Napoleão a Hitler. Pelo caminho ficaram tentativas como as do cardeal Richelieu que, ao tentar unificar a França debaixo do poder da Coroa, pretendia estabelecer o seu país como a força unificadora da Europa. Ou após a Guerra dos 30 Anos (1618-1648), quando os conflitos entre católicos e protestantes arrastaram para o conflito diversas nações, que acabariam por dar azo à chamada Paz de Westfália. Este acordo seria o pano de fundo para a criação de Estados-nação. Afinal, a palavra Europa só viria a começar a ser utilizada como referência política no século XVII.

O modelo actual (de cariz tecnocrata) nasceu com os desastres de duas guerras mundiais. A ideia pós-1945 era conter a força alemã. E indo ao encontro de um conceito de união baseado num acordo económico e industrial entre França e a Alemanha. A Grã-Bretanha esteve sempre um pouco à parte destas cogitações. A "construção da Europa" seria um conceito tecnocrático com protecção política. Não havia europeus: surgia uma superestrutura política e económica que funcionava por eles. A ideia é que, um dia, baseada na democracia, talvez fosse possível estabelecer um modelo semelhante ao da federação americana.

Se o modelo tecnocrático da Europa vem do sonho de homens como Jean Monnet ou Robert Schumann, este modelo que nasceu na resistência foi traduzido num documento, escrito na ilha italiana de Ventotene, por três homens: Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e Eugenio Colorni, para os quais a solução era dissolver os Estados-nação. Porque "só uma União federativa impedirá a Alemanha de juntar-se a uma comunidade europeia sem se transformar num perigo para os outros povos".

A Europa está a tactear no caos. Tem uma crise económica, mas também uma crise política e moral. E cultural, com cidadãos a deixar os poderes instituídos. Está a fechar-se uma época e a porta está a bater com toda a força. O Estado Social, criado em finais do século XIX pelo conservador Otto von Bismarck, assentava numa premissa muito simples e clara: o desenvolvimento económico era a melhor forma de alcançar o bem-estar social. O político alemão sabia que, assim, era possível estabelecer um contrato social entre o capital e o trabalho, num período em que as revoluções ainda iam no adro. Hoje, todo esse equilíbrio está em risco porque a democracia, o Estado-nação e a globalização económica deixaram de correr em vias paralelas. O regresso a Roma é, talvez, uma das derradeiras hipóteses de a Europa descobrir para onde quer ir. E com quantas velocidades quer correr para sobreviver.


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