"Para mim, a idade está associada à confiança", afirma Maria Seruya, artista motivacional e autora do projeto Velhas Bonitonas. Na sua família feita de muitas gerações, sempre se discutiu o envelhecimento de uma forma saudável, e Maria aponta como figuras de referência as duas avós e nomes como Helena Sacadura Cabral, Simone de Oliveira e Iris Apfel. Numa sociedade que privilegia a juventude e faz com que os mais velhos - em particular as mulheres - se sintam invisíveis, as Velhas Bonitonas, "anónimas e imaginárias", que a artista começou a desenhar em 2016, são uma forma colorida e irreverente de falar sobre o envelhecimento.
Há oito anos, Maria Seruya trabalhava como designer em part-time, o que lhe dava tempo para outros projetos. Assim nasceram as primeiras "Velhas". "Eu desenhava em cafés. Tinha uma série de desenhos pequeninos, feitos a lápis de cor e tinta da china". Tal como hoje, as "velhas" não retratavam ninguém em particular, nem estavam associadas a um projeto específico.
"Ter ido a uma conferência feminista das Chicas Poderosas mudou tudo", recorda Maria, que tinha levado consigo alguns desenhos para partilhar. Quando terminou - e tendo já lançado a frase que define estas mulheres: "Ousamos ser quem somos sem complexos nem culpas" -, apercebeu-se que tinha um projeto em mãos. Seguiram-se os workshops, projetos em parceria - um deles com a ativista Luísa Pinheiro, da Associação Cabelos Brancos - palestras, e a coorganização da cimeira "Women Aging Summit". "Depois, fiz uma exposição em que vendi 30 quadros e quis perceber como é que tudo evoluía", conta Maria Seruya, que deixa o aviso: "No mundo das Velhas Bonitonas, cada uma decide a idade com que quer ser Velha Bonitona".
Uma forma de expressão
As "Velhas" tornaram-se uma forma de passar para o papel as emoções que sente, explica a artista, que passou a criar coleções para contar histórias concretas. Assim surgiu a série "As rurais", exposta no concelho de Penela em 2023, ou a série dedicada a mulheres ucranianas.
Quando este ano foi convidada para fazer uma exposição no Luxemburgo, primeiro num hotel e agora no Tribunal de Contas Europeu, procurou encontrar um tema através dos 15 retratos criados. "Criei a exposição ‘Velhas Bonitonas - the power of aging collection’ em que cada história está ligada a um preconceito que elas conseguem superar", explica Maria Seruya, para quem a internacionalização é mais uma oportunidade de passar a mensagem de empoderamento feminino no processo de envelhecimento.
Outra vertente do projeto são os "Retratos de Alma", nos quais, a partir de uma entrevista, as mulheres retratadas contam a sua história e o modo como se perspetivam no futuro. "Noto que as pessoas não estão preparadas para falar da sua velhice e saem daqui a matutar: que giro pensar na ‘velha’ que quero ser". Para Maria, o interessante é perceber o impacto que a imagem criada terá no modo como a pessoa se vai percecionar no futuro.
Numa sociedade que privilegia a juventude, as Velhas Bonitonas, "anónimas e imaginárias", que Maria Seruya começou a desenhar em 2016, são uma forma colorida e irreverente de falar sobre o envelhecimento.
Parte deste processo de cocriação é transmitido no podcast A Velha Bonitona que Há em Mim, a faceta mais recente do projeto. "Foi um desafio muito interessante, porque trouxe de novo a narrativa do empoderamento, mas mais numa lógica de histórias de vida". As entrevistadas, em que já constam nomes como Teresa Ricou, Fátima Lopes ou Helena Sacadura Cabral, são escolhidas por Maria, e têm idades, percursos e contextos diferenciados.
"Role models"
"Este é um projeto de longevidade. Comecei a construir a mensagem com as pessoas com as quais me cruzo, testemunhos que ouvi, empresas com que trabalhei, conferências sobre feminismo…", explica Maria, que foi apostando em formação nesta área e tem uma pós-graduação em psicogerontologia. Mas não é especialista em envelhecimento, sublinha. "Sou uma artista motivacional". A "carreira", como o próprio projeto das Velhas Bonitonas, surgiu um pouco por acaso. Maria Seruya sempre gostou sobretudo de ajudar pessoas. "Fui sempre aquela amiga que motiva, que dá força", conta.
Acredita ser essencial debater o modo como envelhecemos e lembra o vazio que muitas mulheres sentem numa idade mais avançada. "Estamos ativas, temos uma força enorme, uma personalidade incrível, temos mais sabedoria e estamos mais confiantes, mas somos vistas pelos outros como invisíveis, feias, inúteis. E é exatamente isso que quero mudar", defende. "Eu não tenho medo da palavra ‘Velha’, que carrega uma força incrível. E Velha Bonitona foi um nome bem conseguido, porque nunca associamos as duas palavras".
As avós são duas das suas maiores referências. "A minha avó materna, mulher de fé, muito poderosa, criativa [foi retratista e pintou toda a família, sobretudo crianças], era uma mulher extraordinária que falava com pessoas de qualquer idade. A minha outra avó bebia o seu whisky, com as suas unhas vermelhas, dizia tudo na cara", conta Maria Seruya.
Na sua lista de mulheres inspiradores estão outros nomes como Conceição Zagalo, juntam-se, a nível internacional, figuras como Kate Winslet, Emma Thompson, Sharon Stone e a designer norte-americana Iris Apfel. "É a minha musa, foi com ela que trouxe este imaginário de mulheres muito pintadas", diz Maria Seruya, que há alguns anos descobriu a morada de Apfel, enviou-lhe uma carta e uma das suas Velhas Bonitonas. "Nunca recebi resposta, mas sei que foi entregue".
Um dos seus projetos passa por fazer uma exposição em Nova Iorque. "Em Nova Iorque, tudo é possível e falta-me beber disso para trazer para as Velhas Bonitonas este imaginário do ‘estou-me nas tintas e posso ser o que quiser’", diz. A nível pessoal, "gostava de ser essa velha bonitona, de não me arrepender de nada, de viver a vida ao máximo, de namorar, viver, ir para o mundo. De ganhar essa sabedoria e passá-la da mesma forma que a recebi".