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Folha de assentos

Na república das bananas em que boa parte do mundo se transformou sobressaem figurões, doutrinas gordas de vácuo e afirmações sem convicção. Só mesmo o busto de Ronaldo - nome de aeroporto - para nos fazer sorrir…

31 de Março de 2017 às 13:00
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brexit. Quarta-feira, começou o countdown. Parece inexorável. Resultou de um combate em que a propaganda, recheada de factos alternativos (leia-se, falsos), superou a racionalidade. À direita e à esquerda, os políticos britânicos usaram a Europa como bode expiatório para desaires e fraquezas. Deu sempre jeito culpar a eurocracia de Bruxelas por fracassos e frustrações. O Reino Unido nunca abdicou da sua autonomia e da sua independência. Há uma identidade forte, indissolúvel, que já foi sujeita a provas demasiado duras para ser ignorada. A integração na União Europeia nunca foi inteira. Está fora de Schengen e do euro. O referendo do ano passado era uma arma de arremesso interna. Não era pressuposto que o sim vencesse. Por isso, foi pequeno o contentamento após o escrutínio. Há muito que os súbditos de sua majestade beneficiavam do melhor de dois mundos. Um pé dentro e outro fora foi o grande negócio. Talvez não seja muito diferente com os dois pés fora. A histórica habilidade negocial britânica virá decerto ao de cima. O Brexit é o prenúncio de uma fragmentação europeia. Será que não vai desunir também o Reino?

declaração. Assinada pelos 27, a Declaração de Roma foi o compromisso com que se assinalaram os 60 anos do Tratado de Roma. Declaração genérica, pouco afirmativa, ainda assim consciente do que foi construído e, sobretudo, das fragilidades que minam a União Europeia. A Declaração não vai muito longe na ambição, mas enuncia um caderno de encargos realista, o que demonstra lucidez. Há um certo retorno às raízes fundadoras da paz, hoje bem expresso nas preocupações com a segurança interna e externa. Não esquece que está por concluir a União Económica e Monetária, isto é, que o que existe prejudica a convergência. E que o crescimento, o emprego e as desigualdades são batalhas prioritárias. Mesmo que redondo o discurso, as metas são pertinentes. A agenda de Roma, como também se lhe chamou, tem boas intenções. A dúvida é a que tem atravessado a última década: o interesse comunitário é assim tão evidente para os governos nacionais? A que se soma uma outra: a convicção nos valores fundadores da liberdade e da solidariedade é um adquirido consolidado? Escolhas fundamentais em tempos pouco tolerantes.

doutrina. Talvez um dia a história de um país ou de um presidente se faça com base em tweets. Talvez. Donald Trump não pára de dar contributos. Contributos ideológicos de 140 caracteres. Uma doutrina, quem sabe. A verdade é que há já alguns voluntários que querem dar conteúdo e forma ao emaranhado de decisões da nova administração de Trump. Mais do que isso, querem encontrar coerência nas palavras presidenciais. Procura-se a doutrina Trump: descobrir ordem no caos, inteligência na ignorância, verdade nos "factos alternativos". Algumas figuras obscuras estão a trabalhar no empreendimento. Uma delas é Michael Anton, que foi assessor de comunicação de Rudolph Giuliani e de George W. Bush e agora ingressou na Casa Branca. Algumas palavras repetidas, como prosperidade, segurança, força, riqueza, imigração, escutas, comércio ou guerra, serão o início de coisa nenhuma. Ou tão só de caos, nepotismo e ressentimento. Se não for pior.

kushner. Além de genro de Trump, Jared Kushner é a sombra do Presidente na administração americana. Antes, tinha sido decisivo na direcção de campanha do sogro. Foi ele que trouxe o ideólogo Steve Bannon para o combate eleitoral. Não tem experiência política, mas tem experiência de negócios. Tal como Trump, ganhou desenvoltura no imobiliário. Exibe na 5.ª Avenida de Nova Iorque a torre 666, símbolo de uma família judia que fez fortuna no pós-Guerra a construir a periferia residencial de Nova Jérsia. Os avós são oriundos da Bielorrússia. Fugiram aos nazis e depois aos soviéticos. Ficaram três anos em Itália à espera de visto para os EUA. Demorou. Havia quotas para imigrantes e os judeus não eram bem-vindos. A História devolve-nos curiosas ironias… Os pais de Kushner prosperaram. Distinguiram-se na filantropia entre os judeus. Abriram uma escola judia ortodoxa e foram fundadores do Museu do Holocausto de Washington. Financiaram democratas, incluindo Hillary Clinton. Jared tem 36 anos. Aos 25, comprou o The New York Observer. Detesta os partidos, os grandes meios de comunicação e as empresas de sondagens. Sabe tirar partido do marketing directo e das redes sociais. E dos negócios. Afinal, o mais importante na Casa Branca.

bananas. Michael Lind é um politólogo americano, nascido no Texas e que, nos anos 90, militou nos neoconservadores. Desiludido, no final dessa década ajudou a fundar um think tank chamado New America, tido por liberal. Numa entrevista ao francês L'Obs, reflecte sobre os populismos actuais, deste e do outro lado do Atlântico, e traça um paralelo curioso: as democracias ocidentais estão a aproximar-se dos sistemas políticos da América Latina. Poder oligárquico de famílias com ligações globais confronta-se com rebeliões populistas de povos desconectados da economia mundial e etnicamente divididos. Lind fala de uma "república das bananas mundial" em que os partidos de esquerda tendem a desaparecer. Há partidos que representam os oligarcas e partidos populistas. "Geralmente, os oligarcas têm o poder; por vezes, os líderes populistas ganham, mas acabam corrompidos." Um pesadelo a que não é indiferente o fracasso da linguagem política. O britânico Mark Thompson, administrador do New York Times, constata uma ruptura na relação entre políticos, comunicação social e público. Violaram-se compromissos e responsabilidades. Perdeu-se racionalidade. Ficaram as emoções.

busto. O dia parecia ter sido tomado pelo Brexit. Mas não. Cristiano Ronaldo, o nome mais global que alguma vez houve em Portugal, também partilhou o palco. No futebol, é o melhor em muitas coisas. Agora, também é um aeroporto. Uma honra rara para um homem raro. Talvez justificada pela notoriedade avassaladora. Tinha quase tudo: um museu, hotéis, lojas, holofotes, carros, casas, uma estátua… Não tinha um aeroporto no palmarés. Passou a ter. E um busto ao lado da placa que o nomeia, que se tornou simultaneamente o símbolo e a caricatura de Ronaldo nome de aeroporto. O escultor quis ser linear. Quis ser fiel a Ronaldo. Tão linear que o que o afasta da expressão de Ronaldo se torna caricato. Caricato no sentido de burlesco. De tal modo, que o busto se tornou maior do que o aeroporto. Ronaldo, afinal.

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