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Folha de assentos

Em tempo de cimeiras e comemorações, afloram censuras e clamores. Chocam público e privado enquanto se reclamam declarações e registos de interesses.

04 de Novembro de 2016 às 13:00
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cplp. Uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa é uma boa ideia. Juntar nações que partilham história e língua terá vantagens para todos. A ideia comporta as dificuldades dos traumas coloniais, de forças e fraquezas sensíveis, mas também pode revelar um potencial de desenvolvimento comum. Vinte anos volvidos, a CPLP pouco ou nada conseguiu. Não é uma inutilidade completa, porque assegura algum diálogo político, mas não trouxe vantagens visíveis. O que agora propõe o primeiro-ministro português faz sentido. Livre circulação que permita autorização de residência, reconhecimento de direitos sociais e de diplomas académicos são boas ideias. Tão boas como difíceis de concretizar, tal a insignificância do lastro de cooperação construído. O pior de tudo é a falta de credibilidade. Uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa que abriu as portas ao ditador da Guiné Equatorial, onde não se fala nem se ensina português, diz bem do desvario a que chegou. Não espanta que, entre os 10 países observadores associados da CPLP, surjam nações como a Turquia, a Maurícia, a Hungria ou a Geórgia. Tem tudo a ver.

rio. Ameaçou correr para um de dois lugares: presidência da República e presidência do PSD. Ficou pela ameaça, não se assumiu, tomou a palavra aqui e ali, mas não foi consequente. Sempre à espera do "timing" certo, Rui Rio perdeu oportunidades. Ou talvez tenha percebido que não havia oportunidades. Marcelo Rebelo de Sousa era mais forte, o país procurava outros perfis, e o PSD não estava suficientemente maduro para deixar cair um líder que, afinal, tinha ganho as eleições. Ganhou as eleições, mas perdeu o governo, ficou na oposição. E assim continuando, tendo a 'geringonça' resistido mais do que quase todos previam, a um ano de eleições autárquicas Rio dá novos sinais de ambição. Muitos pensarão que os velhos sinais frustrados hipotecaram o seu futuro. Nada mais exagerado. Se o PSD começar a perceber que Passos Coelho é um seguro de vida para António Costa, talvez Rui Rio seja o contraponto possível. É cedo, mas talvez a corrente do tempo favoreça as características do antigo autarca do Porto.

lutero. O que será a alma alemã? Que símbolos lhe podemos associar? Há efemérides que convidam a questionamentos e reencontros. É o caso dos 500 anos da publicação das 95 teses de Martinho Lutero contra as indulgências papais a troco de dinheiro para as obras de Roma. O seu protesto impulsionou outras correntes religiosas. O frade agostinho Lutero teve uma enorme influência no protestantismo. Foi um intelectual reformador que contrariou a decadência religiosa do seu tempo. Deixou muitos seguidores e uma marca forte para a identidade alemã. Sedenta de símbolos de que se possa orgulhar, a Alemanha está a organizar um ano rico em comemorações. Não isentas de risco. Afinal, Lutero era um antissemita, defendeu a expulsão dos judeus e a queima das sinagogas. Um pesadelo antigo.

sensatez. O comité de ética da União Europeia ilibou José Manuel Durão Barroso de qualquer ilegalidade na sua contratação como presidente não executivo da Goldman Sachs. Mas não ficou por aqui. Acusou-o: "Não demonstrou a sensatez que se poderia esperar de alguém que ocupou o cargo de presidente durante tantos anos." A questão não é de legalidade, mas de sensatez. Durão Barroso é um insensato, segundo o comité. Não será ponderado, equilibrado, cauteloso, prudente, previdente, criterioso… A sensatez não é uma qualidade fácil de definir e não estará bem distribuída. Olhando para o estado do mundo, não parece abundar. Boa parte dos detentores de poder não se distinguem por pensarem mais nas instituições ou nas suas comunidades do que em si próprios. De facto, há muito que o mundo não está para sensatos. Há oportunidades imperdíveis, como é público e notório. De comités "ad hoc", como é o caso, não reza a história.

declaração. O folhetim Caixa Geral de Depósitos prossegue. Há uns anos levantou-se o fantasma de uma privatização parcial ou total do banco público. Era mais do que um fantasma e a ideia não foi esquecida. De vez em quando aflorava por actos ou, sobretudo, por omissões. Nesta última fase, com a Caixa meia vazia, o BCE e a Direcção-Geral da Concorrência pressionaram o Governo no sentido de uma privatização parcial. A recapitalização não seria exclusivamente pública. Mas acabou por ser. Não se privatizou a Caixa, mas 'privatizou-se' a gestão da Caixa. Regras privadas para um banco público, apadrinhadas pelo BCE. Um governo socialista preocupado com a concorrência, disponível para pagar salários de mercado, contrasta com os anteriores protagonistas de um governo liberal. Ao contrário de Costa, Passos Coelho e Assunção Cristas defendem agora um modelo gestão pública com salários mais baixos. O mundo parece virado do avesso. Talvez o símbolo do contraste seja a declaração de rendimentos dos gestores ou a sua ausência. Puras regras privadas. A declaração poderia ser uma confissão de amor público. Mas é apenas um privilégio privado a servir de arremesso político. Resistirá a Caixa?

praxe. O ano lectivo está em curso e ainda temos eco de abusos vários tolerados em muitas escolas a pretexto de tradições inexistentes e de integrações falsas. Apenas a Universidade de Coimbra pode reclamar uma tradição, como bem explica Elísio Estanque num ensaio recente e nem por isso se deve orgulhar de práticas atentatórias da dignidade. Longe vão os tempos da polícia universitária e da Prisão Académica, mas muitos se prestaram e continuam a prestar a sofrer sem qualquer sentido. Com mais ou menos voluntarismo, o condicionamento é efectivo e pretende reproduzir ordens arcaicas. Muitas vicissitudes políticas e culturais se atravessaram nos rituais estudantis. Muita humilhação inculcou hierarquia e submissão. Conjugar praxe com escola é o paradoxo absoluto, que nem os usos e costumes desculpam. Em pleno século XXI, as praxes não são toleráveis. Merecem combate. Porque são estúpidas, irracionais, prepotentes e humilhantes. 


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