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Victor do Prado: “A pobreza é um assunto internacional”

O ex-diretor do WTO considera que a pobreza deveria merecer a mesma atenção que o combate às alterações climáticas, que está a mobilizar o mundo em várias frentes. Defende também que as empresas podem ter um peso importante na reversão de uma pobreza que está em crescimento devido às “policrises”.

17 de Novembro de 2022 às 16:00
Victor do Prado: “A pobreza é um assunto internacional”
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Na altura em que os olhos estão postos na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), em Sharm-el-Sheikh, no Egito, onde peritos e líderes mundiais discutem como combater as alterações climáticas, a pobreza não está a merecer o mesmo tipo de reunião e atenção. A crítica foi feita por Victor do Prado, ex-diretor da Organização Mundial do Comércio (OMC), na conferência dedicada ao desenvolvimento social do Ciclo de Conferências ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu a 8 de novembro, no Hotel Hilton Porto Gaia, em Vila Nova de Gaia. "O aumento da temperatura do planeta é uma catástrofe anunciada e chama a atenção dos líderes mundiais, o que me parece totalmente justificado, mas a mesma atenção internacional não ocorre no tema da pobreza e da desigualdade", referiu o keynote speaker do painel de debate "A Ameaça da Pobreza e a Desigualdade". Assim, acrescentou, é como se existisse "uma consciência geral" da necessidade de se combater as alterações climáticas, mas o mesmo não acontece com a pobreza. "É como se a pobreza fosse um problema interno de cada país e que cada um devesse resolvê-la por si próprio. Ora, o tema da pobreza não é um assunto interno ou um assunto europeu, a pobreza é um assunto que deveria ser tratado com a mesma importância que o tema ambiental, a nível internacional, porque a mudança climática e a pobreza são duas faces da mesma moeda", acrescentou.

O keynote speaker assinalou que a pobreza é um flagelo que se observa também nas ruas do chamado primeiro mundo. "A pobreza hoje em dia não se encontra só nas favelas do Rio de Janeiro, de Nova Deli ou do Cairo, há pobreza em países ricos e todos nós testemunhamos essa imagem dos que vivem nas ruas. E isto é só a ponta do icebergue", referiu.

Victor do Prado salientou que a pobreza esteve em declínio, mas a pandemia, os efeitos das alterações climáticas e os conflitos recentes reverteram essa tendência e hoje regista-se um aumento novamente dos níveis de pobreza a nível global. As crises recentes, segundo dados do Banco Mundial, atiraram para a pobreza mais 75 a 95 milhões de pessoas. Em Portugal, sublinhou o ex-diretor do WTO, o número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão aumentou 12,5% em 2020, comparativamente com 2019, "ou seja, houve um recuo claro na tendência de redução da pobreza".

A pobreza é um "fator desestabilizador" das sociedades e das empresas, sublinhando o keynote speaker que "o pobre é um consumidor potencial se deixar de ser pobre". Além disso, incide sobre grupos mais desfavorecidos. "O aumento da pobreza do mundo, a redução do poder de compra, o desemprego ou os empregos mal remunerados ou precários afetam de maneira particularmente aguda as mulheres e jovens trabalhadoras informais", acrescentou.

Nos países mais pobres, a população gasta cerca de dois terços das suas receitas em alimentação, enquanto nos países mais ricos a média está nos 25%. Por isso, "um dos maiores desafios de hoje é a inflação", na medida em que incide sobre bens essenciais. Mas não só. Apelidando este como um "momento de policrises", com a crise pandémica, a guerra na Ucrânia, a crise energética, problemas no abastecimento de alimentos, a ameaça de restrição económica, Victor do Prado considera que "este é seguramente um momento dos desafios mais complexos do mundo nas últimas décadas".

E como se combate tudo isto? Envolvendo todos: "O tema da pobreza é extremamente complexo. Não é só um desafio para os poderes públicos, é um desafio para toda a sociedade e as empresas evidentemente têm um papel preponderante na procura de soluções." No caso das empresas, trata-se de implementarem uma "visão moderna de relações entre empregadores e empregados, com salários condignos, sem discriminação entre homens e mulheres, segundo o princípio básico da retribuição igual para quem desempenha tarefas iguais". Por outro lado, defende que se devem também envolver mais com as comunidades em que estão inseridas.

Victor do Prado salientou, por fim, o papel fundamental da educação como elevador social e a aposta nas tecnologias para superar a pobreza e a desigualdade.

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