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Investimento atual não chega para a transição energética

Cinco biliões por ano é o valor que terá de se investir para atingir as metas definidas por Bruxelas até 2050. No caso Portugal, a queixa vai no sentido de não existir uma política económica, fiscal e empresarial que impulsione a mudança no tecido empresarial.

Alexandra Costa 31 de Janeiro de 2024 às 13:30
Segundo a AIE, as energias renováveis vão suplantar as fontes fósseis.
Investimento tem-se concentrado sobretudo em renováveis. Especialistas lembram que falta aposta noutras áreas. Getty Images
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Cinco biliões de dólares/ano. Este foi o valor assinalado pela Capgemini no seu relatório World Energy Markets Observatory 2023. Um montante que, segundo o documento, ilustra o valor dos investimentos adicionais que terão de ser feitos na transição energética se se quiser alcançar meta das zero emissões líquidas até 2050.

Embora quer para Sofia Santos, CEO da Systemic, quer para Francisco Ferreira, presidente da Zero, os valores sejam incertos (e discutíveis), a gestora afirma que "que há uma imensa necessidade de se investir em tecnologia, produtos e políticas para promover a transição energética".

E avança com um número - divulgado pelo WEF (World Economic Forum): serão necessários 13,5 mil milhões de dólares em investimentos até 2050, particularmente nos setores da produção, da energia e dos transportes.

Já o ambientalista Francisco Ferreira aponta que muitas das tecnologias estão ainda a evoluir. "Nalgumas, assumidas como viáveis económica, socialmente e mesmo do ponto de vista ambiental, os custos considerados poderão vir a ser muito diferentes, pelo que o único consenso é que os valores serão, sem dúvida, extremamente elevados", enfatiza.

Para o membro da associação Zero, "é bom termos a noção que estes investimentos se traduzirão numa necessária redução de emissões e conduzirão consequentemente a menores impactos das alterações climáticas, algo que tem um custo enorme, e, portanto, tornarão os países e o planeta mais resilientes a um custo muito inferior do lidar com os danos de uma atmosfera mais quente".

No caso português, a opinião de Cristina Rodrigues, CEO da Capgemini Portugal, é a de que no cenário de energia e sustentabilidade "estamos a fazer progressos significativos, em particular na promoção de fontes de energia renováveis e na implementação de medidas sustentáveis", com os cenários de sustentabilidade e energia a surgirem como paralelos e não um único."

"O cenário da energia encontra-se bastante mais avançado em Portugal do que o da sustentabilidade", afirma a executiva, justificando a sua análise com os investimentos feitos, nas últimas décadas, em energia por parte de algumas das maiores empresas portuguesas enquanto a sustentabilidade, apenas nos últimos anos, passou a ser uma preocupação. "De uma forma global, o cenário português está alinhado com o cenário espelhado no do World Energy Markets Observatory 2023", aponta, acrescentando que "apesar de francos progressos, ainda estamos aquém do requerido para atingir os objetivos que permitam manter a vida na terra tal como a conhecemos, nomeadamente, para atingir os objetivos do acordo de Paris (aumento da temperatura abaixo de 1,5 ºC)".

Já Sofia Santos, CEO da Systemic, lembra que, de acordo com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, para se atingir a descarbonização em 2050 são necessários investimentos adicionais anuais de 2 mil milhões de euros. Um investimento que estava inicialmente previsto ser realizado pelo setor privado. "Hoje vejo isso com dificuldade e acredito que o setor público tem um papel fundamental em criar um enquadramento regulatório e político e de investimento que promova a transição energética. Sem uma política fiscal verde séria não chegaremos a neutralidade carbónica nenhuma", acrescenta a executiva.

A Zero lembra que, em março de 2023, o ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro apresentou uma estimativa de, pelo menos, 60 mil milhões de euros de investimento para o setor energético, sobretudo privado, até 2030, de acordo com os planos de transição energética e descarbonização.

Na verdade, e de acordo com a revisão do Plano Nacional de Energia e Clima para 2030, "aumentar a incorporação de renováveis no consumo de energia em 2030, subindo a meta de 47% para 49% e assegurar um aumento de ambição na potência instalada renovável para produção de eletricidade, em particular no solar fotovoltaico, cuja meta mais do que triplica (de 9,0 GW para 20,4 GW, dos quais 5,5 GW serão potência descentralizada), bem como a instalação de eólica , atingindo 12,4 GW, dos quais 2,0 GW correspondem a eólica offshore, implicará investimentos muito avultados".

No entender de Francisco Ferreira, as principais dúvidas prendem-se com investimentos indispensáveis que não estão a ser devidamente prevenidos e implementados no que respeita às redes de transporte e distribuição de eletricidade, algo fundamental para o objetivo em causa, bem como o atraso em muitos dos projetos de renováveis que podem vir a pôr em causa metas e valores de investimento. Sem esquecer as incertezas relativas a novas áreas de investimento, nomeadamente no concerne ao hidrogénio (verde) e o biometano.

Portugal: onde investir

Além de continuar a investir na rede elétrica a convicção de Francisco Ferreira é a de que Portugal deveria apostar, também, na conexão e disponibilização de maior capacidade de ligação em termos de transporte, quer no que respeita a uma maior inteligência na gestão, principalmente na área da distribuição.

"É crucial pensarmos em infraestruturas de armazenamento, algumas já financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, mas que requerem uma resposta do curto ao médio prazo, muito mais eficaz (das baterias, à gestão das barragens com bombagem, ao hidrogénio, bem como ao aumento das interligações com Espanha)", afirma o ambientalista, que acrescenta que o Estado tem um papel mais relevante que o investimento privado pelo tempo de retorno do investimento é na gestão da procura, através de ações de redução de consumos e melhoria de eficiência energética em setores como o residencial, mas também no industrial.

Sofia Santos, por seu lado, é muito sintética (mas perentória): Portugal tem de investir em edifícios, transportes, gestão de resíduos e agricultura.

E quanto à hipótese levantada pelo World Energy Markets Observatory 2023, no que concerne à utilização das centrais existentes e à a construção de novas centrais? Cristina Rodrigues, CEO da Capgemini Portugal, considera que esse é um tema controverso no país e que Portugal deveria investir em áreas como:
| Modernização, versatilidade e capilaridade da sua rede energética, no sentido de a tornar mais inteligente e versátil, com possibilidades de armazenamento estacionário, e com sensores que permitam a recolha e gestão inteligente de dados;
| Medidas para aumentar a resiliência dos ativos de produção, transporte e distribuição de energia face a situações extremas como as de cheias, ondas de calor, fogos e/ou terramotos;
| Eficiência energética, tanto a nível de indução de comportamentos de consumo mais responsáveis, como da gestão e construção de imobilizado;
| Reforço do investimento em energias renováveis de forma cumprir com os objetivos Europeus; tendo em conta as características do nosso país penso que este investimento se deverá direcionar para novas soluções com base no mar (energia das ondas, marés, eólica offshore, etc);
| Aumento da segurança de abastecimento via medidas legislativas que permitam assegurar autonomia/soberania relativamente a equipamento, metais, terras raras e instalações industriais (esta vertente assume especial relevância na conjuntura geopolítica atual e, para Portugal, também no que diz respeito às participações nas empresas do setor da energia);
| Investimento em infraestruturas para gestão da água, ao contrário do que sucede com o investimento no nuclear, dada a assimetria de disponibilidade de água entre o Norte/Centro e o Sul já devia ter sido feita e não perde sentido para um futuro sustentável de gestão das renováveis.

Sem esquecer, claro, a vertente-chave de investimentos que assegurem a interconectividade, essencial para um país com as características periféricas como Portugal. "Tendo em conta estas características será também importante investir na criação de condições para o surgimento de projetos de produção localizados que contribuam para a independência/autonomia energética de determinadas estruturas e/ou comunidades, o que contribuirá significativamente para o aumento da eficiência e resiliência energética", acrescenta a responsável máxima da Capgemini no país.
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