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Por um ar mais limpo

A poluição atmosférica mata. O ar que respiramos tem componentes nocivos à saúde que levam a óbitos prematuros e condicionam o desenvolvimento económico dos países.

19 de Janeiro de 2022 às 12:30
A poluição atmosférica condiciona a saúde e o bem-estar. As empresas têm uma palavra a dizer nesta matéria.
A poluição atmosférica condiciona a saúde e o bem-estar. As empresas têm uma palavra a dizer nesta matéria. João Miguel Rodrigues
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Todos os anos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) cerca de 7 milhões de pessoas morrem prematuramente devido ao efeito combinado da poluição do ar ambiente (externo) e interior (edifícios). A par disso, verifica-se um aumento exponencial de acidentes vasculares cerebrais, doenças cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crónica, cancro de pulmão e infeções respiratórias agudas.

E para combater isto não basta proibir a circulação de viaturas em determinados pontos de uma cidade. Há que criar medidas que não só possibilitem a diminuição dos gases nocivos à saúde e permitam a existência de um ar limpo, mas, também, satisfaçam as necessidades da população.

É certo que parte da poluição atmosférica possa decorrer de fenómenos naturais - como erupções vulcânicas -, mas o principal fator deve-se à ação do Homem. Seja pelas atividades do quotidiano, nos transportes, na geração de energia elétrica, na agricultura, incineração de resíduos e na indústria. Como refere Francisco Ferreira, presidente da Zero, os setores da indústria, dos transportes, da agricultura e o residencial e comercial foram identificados como os que mais necessitam de atuação em termos de redução de emissões de poluentes atmosféricos.

Então o que fazer? As medidas levadas a cabo pelos vários governos serão suficientes? Não. E, a pensar nisso, no final do ano passado - mais precisamente em novembro -, foi criada a Aliança por um Ar Limpo. Uma organização criada por 10 empresas, onde se inclui a Biogen, em conjunto com o Fórum Económico Mundial, que prevê que cada empresa-membro meça os seus níveis de emissão de partículas em suspensão e outros contaminantes relevantes, de forma a, consequentemente, fixarem metas de redução da emissão e utilização destas substâncias. Como explicou Anabela Fernandes, diretora-geral da farmacêutica Biogen Portugal, em entrevista exclusiva ao Jornal de Negócios, pretende-se "criar um sistema de medição da pegada das nossas operações e usar como exemplo em termos de poluição atmosférica e, com isso, depois poder fazer planos claros e mensuráveis".

Para já, a Aliança começa apenas com 10 empresas fundadoras, mas, como refere Anabela Fernandes, pretende-se conseguir captar outras empresas e outras indústrias.

Isto é importante porque, quando se fala das alterações climáticas e das suas consequências, a poluição atmosférica tende a ficar esquecida. E a verdade é que tem consequências graves, principalmente ao nível da saúde dos cidadãos, que também se traduzem em consequências económicas - seja pelas despesas associadas ao tratamento das patologias, seja pelo esforço extra no Sistema Nacional de Saúde, seja pelas consequências ao nível do absentismo dos trabalhadores.

A adesão da Biogen à Aliança está no próprio core do negócio da empresa. Afinal, como destaca Anabela Fernandes, "somos uma empresa que trata da saúde das pessoas", acrescentando que a farmacêutica tem como parceiras entidades conceituadas como a Harvard e o MIT para conseguir estabelecer uma relação direta que demonstre que não só a poluição de combustíveis fósseis, mas também a poluição atmosférica são responsáveis, de facto, pelo degradar da saúde da humanidade. "When science meet humanity" é, segundo a diretora-geral da Biogen Portugal, o lema da empresa. Afinal, "todos queremos que a humanidade esteja viva e de boa saúde". Isto significa, acrescenta, não só tratar quem já está doente, mas também atuar na prevenção. "E grande parte desta questão ambiental tem a ver com isto", frisa Anabela Fernandes.

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A esperança média de vida é reduzida em 1,8 anos por causa dos problemas de saúde motivados pelas questões da poluição.
Na questão da poluição atmosférica, a parte mais "fácil" de contabilizar, ao nível das consequências, está relacionada com a combustão de combustíveis fósseis. Como refere Anabela Fernandes - usando dados de Harvard -, uma em cada cinco mortes de adultos a nível mundial, em 2018, deve-se às emissões de combustíveis fósseis. Não se trata de algo "negligenciável", mas sim de haver mortes que são diretas ou indiretamente atribuídas à poluição. Há ainda uma outra consequência. A esperança média de vida é reduzida em 1,8 anos por causa destas questões da poluição.

"Todos somos afetados por isto", diz Anabela Fernandes, acrescentando que há inclusive alguma injustiça porque, normalmente, não são os países poluidores quem mais sofre com as consequências dessa mesma poluição. Normalmente são os países mais desfavorecidos, que não têm tantas condições para, de alguma forma, reverterem os efeitos nefastos com políticas de saúde ou prevenção.

"A poluição atmosférica tem a ver com saúde e bem-estar", afirma a responsável. Ou seja, devemos atuar antes de chegar ao estágio em que as pessoas estão efetivamente doentes.

Pequenos gestos contam

Então como atuar? Que medidas as empresas podem delinear para ajudar a combater este flagelo? Anabela Fernandes dá o exemplo da empresa que dirige. Todo o funcionário que entra na Biogen tem acesso a todos os sensores ambientais. Aliás, a diretora-geral explica que, hoje, e principalmente nas gerações mais novas, um dos fatores de maior atratividade é a forma como as empresas encaram a sua quota-parte de responsabilidade em termos ambientais. Coisas como ter uma frota 100% elétrica (a Biogen foi a primeira empresa a alcançar esse feito em Portugal) ou a definição e ativação de planos de neutralidade carbónica, detalha.

Mais do que simplesmente publicitar o certo, refere Anabela Fernandes, o caminho passa por sensibilizar e tornar estes comportamentos como normais. Coisas tão simples como não ter impressoras em qualquer lado e ter um sistema que, mesmo que uma pessoa mande imprimir algo, a máquina só cumpre a ordem quando a pessoa está junto ao dispositivo. Desta forma evitam-se centenas de impressões que depois ficam esquecidas. Ou o disponibilizar de termos para evitar a utilização de copos descartáveis... são pequenos pormenores que, como assinala a responsável, se traduzem em mudanças de comportamentos amigos do ambiente. São estes exemplos, pequenas coisas, que "todos juntos fazem uma grande diferença".

A diretora-geral sublinha, com orgulho, que a Biogen é a única empresa da Fortune 500 a comprometer-se seriamente, e por escrito, com um plano de sustentabilidade e que consiste na eliminação completa dos combustíveis fósseis nas suas operações, diretas ou indiretas, até 2040. Isto significa ter um programa que envolve também os fornecedores. Os primeiros passos já foram dados: frota com viaturas elétricas e instalações (em todo o mundo) abastecidas por energia 100% verde.

Qual a situação de Portugal e o que tem sido feito?

Nas últimas décadas houve melhorias significativas no combate à poluição atmosférica. Esta é a opinião de Francisco Ferreira, que, no entanto, alerta para o facto de a poluição ser ainda responsável pela morte de 6.500 pessoas todos os anos. Para o ambientalista, de uma forma geral, Portugal não é dos países com situações mais graves de poluição do ar, sendo a Europa de Leste e algumas grandes cidades as zonas mais problemáticas. "Porém, a ultrapassagem de valores-limite de dióxido de azoto em estações de monitorização nos centros de Lisboa e Porto e também numa zona de tráfego muito movimentada em Braga motivou um processo de infração junto do Tribunal Europeu de Justiça que poderá resultar num pagamento pelo Estado português de uma multa significativa", acrescenta, referindo que as proibições de circulação de veículos mais antigos - medida verificada em Lisboa - não têm sido suficientes para garantir a redução necessária dos níveis deste poluente, fruto da "sua profunda desatualização em termos de exigências". E os resultados obtidos em Madrid e Londres contrariam a ideia de que retirar os carros do centro da cidade "mata" o comércio local. O que leva a Zero e as restantes organizações da coligação a considerarem que "políticas que desincentivam o uso do automóvel particular e, em paralelo, estimulam o uso do transportes públicos, as deslocações a pé e de bicicleta, investindo fortemente nesta forma de mobilidade, podem ser um verdadeiro salva-vidas para as economias locais das cidades". "Modos ativos de transporte e transportes públicos - e não automóveis - representam melhores negócios". Uma medida que, acredita Francisco Ferreira, permite uma melhoria da qualidade do ar e do conforto do espaço público e que não está a ser aproveitada por Portugal. Para o ambientalista, a solução passa por implantar estas zonas a médio prazo de forma progressiva, começando nos centros históricos e alargando-as às zonas mais periféricas.

Sobre a Aliança por um Ar Limpo, a opinião de Francisco Ferreira é de que "todos os esforços privados para avaliar e reduzir as emissões de poluentes atmosféricos são bem-vindos e deverão aliás estar articulados com a mitigação dos poluentes que contribuem para as alterações climáticas como é o caso do dióxido de carbono".

O ambientalista refere mesmo que, em muitas situações, as medidas em prol do clima se traduzem igualmente numa redução da pegada de poluentes como os óxidos de azoto, óxidos de enxofre e partículas e vice-versa. Por outro lado, "são grandes empresas multinacionais aquelas que durante a COP26 constituíram esta aliança, mas é por agora um grupo ainda muito pequeno de apenas dez, sendo que algumas delas nem sempre têm mostrado a ambição necessária para efetivar reduções significativas da sua poluição direta e/ou indireta".


(A notícia foi atualizada, corrigindo o nome e cargo da responsável da Biogen Portugal)
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