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Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt 03 de Agosto de 2010 às 11:35

Você é feliz!

A ciência económica não mudou uma vírgula para resolver na sua consciência a crise financeira dos últimos três anos.

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"A doutrina divide-se", como sempre: um autor anunciou o problema e dois previram três soluções. Nem o momento marcante em que Alan Greenspan admitiu ter estado errado durante 40 anos alterou as aulas nas universidades. Se a economia não mudou para a tristeza, mudará para a felicidade?

"Economia da Felicidade" convoca a sobranceria da Academia: parece matéria para "best-sellers" de auto-ajuda. Mas quando Sarkozy encomendou o relatório Stiglitz, o tema emancipou-se. O objectivo era identificar um indicador de felicidade alternativo ao do PIB. Foram produzidas milhares de páginas, análises e recomendações mas não se encontrou a pedra filosofal. Como se captura a felicidade num "ranking"?

Sarkozy lançou o repto com intenções políticas a partir de uma tese que quis confirmar: França, apesar de ter um PIB menor, tinha habitantes mais felizes. No final, conclui-se que não. "Bonjour Tristesse"... Bruno Frey, um dos mais reputados economistas da área da Economia do Bem-estar, explica, aliás, que se a Felicidade se tornasse um objectivo político "as estatísticas seriam terrivelmente manipuladas".

Na entrevista que dá nesta edição ao jornalista Pedro Romano, Frey explica a sua investigação. Numa escala da Felicidade de 0 a 10, observou, a maioria das pessoas responde 7 e 8, muitas chegam a 9, poucas vão abaixo do 5. "Isso choca contra a ideia de que há muita infelicidade no mundo. A maior parte das pessoas é surpreendentemente feliz."

O PIB mede o valor acrescentado gerado num determinado período e espaço. É um indicador limitado. Crescimento é diferente de desenvolvimento e de equidade. Há ditaduras intactas a prová-lo. E democracias a combatê-lo. O Nobel Amartya Sen diz, aliás, que a pressão eleitoral de um democracia é a grande arma contra a fome.

O "mestre" Samuelson descreveu há décadas as limitações do PIB, com um exemplo que ficou célebre: se um viúvo casar com a mulher-a-dias, o PIB diminui (porque deixa de lhe pagar). Mas, supõe-se, a felicidade de ambos aumenta. Curiosamente, Frey analisou o casamento: é-se mais feliz nos primeiros anos, menos depois. O que mostra os perigos das teses de laboratório: seria o corolário desta observação que casamentos curtos e sucessivos são bons para a economia?

Há muitas observações na entrevista de Frey. Ver TV dá pouca utilidade marginal (indicador de satisfação), ao contrário de ter emprego por contra própria; é melhor reduzir desemprego que inflação; a participação política dá felicidade, etc.

E o dinheiro? Traz felicidade? A partir de certo patamar, não, diz o Paradoxo de Easterlin. Mas há teóricos que garantem que somos mais ou menos felizes não pela quantidade de dinheiro que ganhamos, mas pela quantidade que ganham os outros: a nossa galinha é magra se a do vizinho é gorda. O que é tenebroso: se uma pessoa aumenta o rendimento e, assim, fica mais feliz, provoca a infelicidade noutra pessoa. Um beco sem saída.

Várias histórias mostram o poder da libertação do dinheiro e da tirania do sucesso. Como a de João Ermida, que deixou o topo da finança para "respirar" melhor. Ou a de Gustavo Brito, revelada pelo Negócios há semanas, que trocou dez mil euros mensais na McKinsey para ensinar empreendedorismo na Cova da Moura. Ou a do empresário Carlos Quintas, que há dez anos era apresentado como o Bill Gates português, vendeu tudo, fez um retiro espiritual de quatro anos e confessou este fim-de-semana no "Expresso" que a sua vida é agora "um orgasmo constante".

Quando, nesse dia no Capitólio, admitiu o erro na sua ideologia de inovação financeira sem controlo, Greespan acrescentou que teremos mais crises porque há uma só variável constante em todas elas: a natureza humana. Mudá-la é impossível. Talvez ajude começar por compreendê-la.

psg@negocios.pt





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