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E tudo o vento levou?

“Nunca tento fazer dinheiro no mercado de acções. Compro, assumindo que o mercado será encerrado amanhã e só reabrirá daqui a dez anos.” A citação resume, de forma elucidativa, a perspectiva com que Warren Bufett encara o investimento em empresas cotadas em bolsa.

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À custa da sua abordagem, Buffett é, actualmente, o homem mais rico do Mundo. E este facto devia fazer pensar os investidores comuns que procuram no mercado ganhos elevados num prazo curto. Entusiasmam-se com a moda mais recente e correm riscos desnecessários. Trocam a certeza histórica de que as acções são, a longo prazo, o activo mais rentável, pela incerteza da fortuna instantânea.

A estreia da EDP Renováveis, ontem, na bolsa de Lisboa, foi uma desilusão para quem inveja o sucesso de Warren Buffett mas é incapaz de imitar a sua paciente sabedoria. As expectativas criadas pela operação de dispersão de acções da empresa voaram alto. O potencial de um negócio ambientalmente correcto foi enaltecido e entrou facilmente no ouvido de milhares de investidores disponíveis para juntar o útil ao agradável. Que melhor investimento pode haver nos dias que correm, em que a adesão às verdades inconvenientes pode ser uma forma de ganhar dinheiro?

Os riscos, no entanto, foram razoavelmente negligenciados. Perante a estimativa de resultados líquidos para este ano, o preço de colocação das acções da EDP Renováveis significa que cada investidor teria que esperar perto de 70 anos para recuperar a totalidade do dinheiro aplicado, caso a empresa distribuísse integralmente os seus lucros. Em comparação com a relação entre cotação e lucro por acção evidenciado pelas suas congéneres espanhola e francesa, os oito euros pedidos eram um preço elevado.

Ainda assim, a operação foi um sucesso. A procura superou a oferta e as ordens de aquisição entraram num volume tal que, para um máximo de 30 mil títulos, os investidores individuais apenas conseguiram aceder a pouco mais de 300. O facto revelou-se tanto mais surpreendente quando se sabe que a oferta pública de subscrição foi concretizada numa conjuntura de mercado adversa e a sua dimensão, colocando-a no topo das ofertas públicas iniciais realizadas este ano na Europa, gerava legítimas interrogações sobre o desfecho.

No primeiro dia de transacção em bolsa, a maior perplexidade está na circunstância de terem passado pelo mercado 47 milhões de títulos. Tratou-se de uma liquidez invulgar, que ultrapassa o número de acções objecto da oferta de subscrição. Em simultâneo, a cotação caiu cerca de 4%, quando a expectativa era de subida. Ou houve mercado ou o jogo estava marcado.

Tudo isto significa o fim do mundo? Talvez, para os apostadores de curto prazo que tenham olhado para a EDP Renováveis e visto um pote de ouro à mão de semear. Ou para quem, entre os promotores da operação, ajudou a alimentar o género de ilusões para as quais o estourar de bolhas passadas nunca é antídoto eficaz. Afinal de contas, o risco de deixar de haver vento, como garantia um responsável da EDP, não era o único que estava associado às acções da empresa.

Resta uma consolação. O vento levou, ontem, alguma coisa ao valor da empresa mas não levou tudo. O êxito da oferta de subscrição fez entrar nos seus cofres um importante volume de recursos que financiará os investimentos futuros da EDP Renováveis. No longo prazo, é a rendibilidade que venha a ser retirada desses projectos que mais deve preocupar os novos accionistas. Pelo menos, aqueles que acham que Warren Buffett é capaz de ter razão.

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