Opinião
Vem aí um mercado urso?
Os investidores que permitem que impressões erradas da história os levem a assumir demasiados riscos no mercado accionista de hoje podem estar a abrir a porta a grandes perdas.
Actualmente, o mercado de acções dos EUA caracteriza-se por uma combinação aparentemente incomum de avaliações muito altas, após um período de forte crescimento dos lucros, e baixa volatilidade. O que é que essas mensagens ostensivamente contraditórias nos dizem sobre a probabilidade de os Estados Unidos se estarem a dirigir para um mercado urso?
Para responder a essa pergunta, devemos olhar para mercados urso passados. E isso exige que definamos com precisão o que é que um mercado urso implica. Actualmente, os meios de comunicação definem um mercado urso "clássico" ou "tradicional" como uma queda de 20% nos preços das acções.
Essa definição não aparece em nenhum meio de comunicação antes dos anos 1990, e não há qualquer indicação sobre quem a estabeleceu. Pode estar enraizada na experiência de 19 de Outubro de 1987, quando o mercado de acções caiu pouco mais de 20% num único dia. As tentativas de ligar o termo à história da "Segunda-feira Negra" podem ter resultado na definição de 20%, que jornalistas e editores copiaram provavelmente uns dos outros.
De qualquer forma, esses 20% são agora amplamente aceites como um indicador de um mercado urso. Onde parece haver menos consenso é em relação ao período de tempo para essa queda. Na verdade, essas notícias antigas dos jornais muitas vezes não mencionavam nenhum período de tempo nas suas definições de mercado urso. Ao que parece, os jornalistas que escreveram sobre o assunto não acharam necessário precisar.
Em qualquer caso, esse valor de 20% agora é amplamente aceite como um indicador de um mercado urso. Onde parece haver menos consenso é sobre o período de tempo para esse declínio. Na verdade, esses relatórios dos jornais anteriores muitas vezes não mencionavam nenhum período de tempo em suas definições de mercado urso. Os jornalistas que escreveram sobre o assunto aparentemente não achavam necessário precisar.
Ao analisar a experiência passada dos Estados Unidos com os mercados urso, usei esse valor tradicional dos 20% e acrescentei um critério meu. O pico antes de um mercado urso, segundo a minha definição, é o máximo de 12 meses mais recente, sendo que deverá haver algum mês no ano subsequente, que é 20% abaixo. Sempre que houve uma sequência contígua de meses de pico, peguei no último.
Recorrendo à minha compilação dos dados mensais do S&P Composite e outros dados relacionados, descobri que houve apenas 13 mercados urso nos Estados Unidos desde 1871. Os meses de pico antes dos mercados urso ocorreram em 1892, 1895, 1902, 1906, 1916, 1929, 1934, 1937, 1946, 1961, 1987, 2000 e 2007. Alguns grandes colapsos da bolsa – 1968-70 e 1973-74 – não estão na lista, porque foram mais prolongados e graduais.
Uma vez identificados os mercados urso, era hora de analisar as avaliações das acções antes deles, usando um indicador que o meu colega de Harvard, John Y. Campbell, e eu desenvolvemos em 1988 para prever os retornos de longo prazo do mercado de acções. O rácio que relaciona o preço com os lucros, ciclicamente ajustado (CAPE) é encontrado dividindo o índice de acções real (ajustado pela inflação) pela média de dez anos de lucros, com índices mais altos do que a média a implicarem retornos inferiores à média. A nossa pesquisa mostrou que o índice CAPE é bastante eficaz na previsão de retornos reais ao longo de um período de dez anos, embora não tenhamos relatado o grau de eficácia na previsão de mercados urso.
Este mês, o rácio CAPE nos EUA está acima de 30. É um rácio elevado. De facto, entre 1881 e hoje, o rácio médio foi de 16,8. Além disso, excedeu os 30 apenas duas vezes durante esse período: em 1929 e em 1997-2002.
Mas isso não significa que rácios CAPE elevados não estejam associados a mercados urso. Pelo contrário, nos meses de pico antes dos últimos mercados urso, o rácio CAPE estava acima da média, em 22,1, sugerindo que o CAPE tende a subir antes de um mercado urso.
Além disso, as três vezes em que houve um mercado urso com um rácio CAPE abaixo da média foi depois de 1916 (durante a Primeira Guerra Mundial), 1934 (durante a Grande Depressão) e 1946 (durante a recessão pós-Segunda Guerra Mundial). Um rácio CAPE elevado implica uma vulnerabilidade potencial a um mercado urso, ainda que não seja um indicador perfeito.
Ainda assim, parece haver notícias promissoras. De acordo com os meus dados, os lucros das cotadas do S&P Composite cresceram 1,8% ao ano, em média, desde 1881. Do segundo trimestre de 2016 até ao segundo trimestre de 2017, o crescimento dos lucros foi de 13,2%, bem acima da taxa histórica anual.
Mas este crescimento elevado não reduz a probabilidade de um mercado urso. Na verdade, os meses de pico antes dos mercados urso passados também tendiam a mostrar um elevado crescimento dos lucros: 13,3% ao ano, em média, para os 13 episódios. Além disso, no pico do mercado antes da maior queda do mercado de acções, em 1929-32, o crescimento anual dos lucros foi de 18,3%.
Outra boa notícia é que a volatilidade média do preço das acções – que se mede encontrando o desvio padrão das variações percentuais mensais nos preços reais das acções do ano anterior - é extremamente baixa: 1,2%. Entre 1872 e 2017, a volatilidade foi quase três vezes superior: 3,5%.
Mais uma vez isso não significa que um mercado urso não esteja a caminho. De facto, a volatilidade do preço das acções foi inferior à média no ano que antecedeu o pico anterior aos 13 mercados urso dos Estados Unidos, embora o nível de hoje seja inferior à média de 3,1% desses períodos. No mês de pico do mercado de acções antes do colapso de 1929, a volatilidade era de apenas 2,8%.
Em suma, o mercado accionista dos EUA, hoje, assemelha-se muito com os picos antes da maioria dos 13 mercados urso do país. Isso não quer dizer que um mercado urso seja um cenário certo: esses episódios são difíceis de antecipar e o próximo ainda pode estar muito distante. E, mesmo que chegue um mercado urso, para quem não compre no pico do mercado e venda nos mínimos, as perdas tendem a ser inferiores a 20%.
Mas a minha análise deve servir de alerta contra a complacência. Os investidores que permitem que impressões erradas da história os levem a assumir demasiados riscos no mercado accionista de hoje podem estar a abrir a porta a grandes perdas.
Robert J. Shiller, prémio Nobel da Economia em 2013 e professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor, com George Akerlof, de Phishing for Phools: The Economics of Manipulation and Deception.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Rita Faria