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26 de Dezembro de 2013 às 09:00

Um futuro "made in Europe"

Ao longo dos últimos três anos, a União Europeia (UE), confrontada com o imperativo de acalmar os agitados mercados e de lançar bases para uma recuperação sólida, concentrou essencialmente os seus esforços na estabilidade financeira e na redução da dívida e dos défices orçamentais. Agora, com as tensões financeiras a diminuírem e os níveis de confiança a aumentarem, os líderes europeus devem mudar o seu foco em 2014 de volta para a economia real e para as bases industriais. A reunião do Conselho Europeu, em Fevereiro, será um bom ponto de partida.

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Para decidir o melhor caminho a seguir, os líderes europeus devem olhar para o passado. O investimento na indústria - historicamente um dos principais motores do crescimento na Europa - é a chave para a revitalização da economia europeia.

Durante a última década, a política industrial foi preterida em favor da aposta nos sectores financeiro e de serviços. A indústria foi considerada, por muitos, como "um regresso ao passado" e, na Europa, deixou de ser considerada como um dos pilares de uma economia competitiva. Muitos países europeus, desde então, sofreram um processo de desindustrialização. A produção industrial em Itália, por exemplo, diminuiu cerca de 20% desde 2007.

No entanto, o sector industrial continua a desempenhar um papel fundamental na economia da UE, empregando mais de 34 milhões de pessoas e representando cerca de 80% das exportações, enquanto absorve uma parte substancial do investimento privado em investigação e desenvolvimento. A produção industrial afecta, assim, todos os outros sectores da economia da Europa, incluindo o sector de serviços.

Na verdade, apesar da mudança de foco dos decisores políticos e da concorrência das economias emergentes, os países europeus continuam a ter um desempenho industrial muito importante mundialmente, devido sobretudo às empresas que se conseguiram adaptar e inovar. Essas empresas têm permitido à Itália ir além dos três sectores tradicionais - comida, moda e mobiliário -, alargando o desenvolvimento a sectores de ponta como a biofarmacêutica, mecatrónica e aeroespacial.

Uma mudança semelhante para actividades industriais de maior valor acrescentado está a ocorrer em toda a UE. Esses desenvolvimentos sugerem que o futuro sucesso da Europa depende da sua capacidade de combinar as suas tradicionais forças económicas com uma forte componente de inovação.

Os países da UE deveriam estar a trabalhar para criar as condições necessárias para que o sector industrial possa prosperar. Por exemplo, em Itália recentemente foi lançado um programa chamado "Destinazione Italia". Este programa pretende ajudar as empresas italianas a serem bem-sucedidas através do estabelecimento de um sistema tributário mais previsível, da redução da burocracia e da garantia do cumprimento mais eficaz dos contractos através do reforço do sistema de justiça civil. Tal ambiente permitirá que as empresas possam crescer ao mesmo tempo que atraem o investimento privado, tanto estrangeiro como nacional.

Mas os esforços nacionais por si só não são suficientes. As empresas europeias estão integradas em cadeias de valor regionais e globais. Por exemplo, um componente produzido por uma empresa em Brescia pode fazer parte de um equipamento produzido em Estugarda, que, por sua vez, pode fazer parte da montagem do produto final em Málaga. Neste contexto, um país individualmente só pode alcançar o seu pleno potencial se todos os outros também forem bem-sucedidos.

A abordagem mais eficaz para restaurar a competitividade europeia passa por combinar os pontos fortes individuais dos países-membros da UE, formando assim cadeias de abastecimento europeias cada vez mais produtivas - ou capturar as primeiras posições nas cadeias de abastecimento globais. Isso exigiria o aprofundamento das ligações entre as economias nacionais e a promoção de um verdadeiro mercado único, ilimitado, que integrasse a força relativa dos diferentes países.

Para este fim, a tomada de medidas mais específicas por parte da UE é essencial. Para continuar a ser globalmente competitiva terão de ser feitos investimentos nos principais factores da futura produção industrial: a eficiência energética e a inovação tecnológica. Face a isto, a UE deve continuar a sua política de apoio à competitividade da indústria intensiva em energia, com um foco particular na redução da diferença de preços da energia face aos seus concorrentes industriais, tais como os Estados Unidos ou as economias emergentes. Um mercado energético eficiente a nível interno é vital para o fornecimento de energia a preços acessíveis.

Outra iniciativa importante - o Espaço Europeu da Investigação - já está em andamento e deve ser implementada até 2014. Criando uma agenda comum para os programas nacionais de investigação e facilitando a circulação do conhecimento científico, esta iniciativa permite, por exemplo, que um centro de alto nível para as ciências mecânicas em Itália atraia investigadores da Finlândia ou de Portugal - a área de pesquisa promete criar um ambiente ideal para a inovação.

Além de pesquisa e do desenvolvimento, uma economia industrial voltada para a inovação exige trabalhadores com conhecimentos específicos, de alto nível. Para isso, é necessário que sejam tomadas medidas na UE que promovam o acesso ao ensino superior e a um nível de educação cada vez maior.

A fim de criar mercados mais profundos, multi-dimensionais e mais integrados, a UE deve dar prioridade máxima aos acordos de comércio livre, especialmente no que diz respeito ao comércio transatlântico e à Parceria de Investimento que está, de momento, em fase de negociação com os Estados Unidos. Tal integração comercial - e, eventualmente, um Mercado Comum Transatlântico - pode vir a ser um dos mecanismos mais eficazes de crescimento da Europa, especialmente para empresas industriais de pequena e média dimensão, nas próximas décadas.

As empresas fabricantes europeias também precisam de melhor acesso ao financiamento. Um dos legados mais prejudiciais da crise financeira foi o racionamento persistente do crédito. Em alguns países, metade de todos os pedidos de empréstimo são rejeitados e os custos de financiamento atingiram níveis proibitivos.

Não há nenhuma razão para que os empréstimos em Bolzano custem o dobro dos de Innsbruck; na verdade, tais divergências arbitrárias apenas servem para minar a concorrência e provocar a estagnação económica. Se os líderes da UE não resolverem esse problema, inclusivamente através da procura de uma união bancária de pleno direito, os efeitos positivos dos esforços da reforma serão rapidamente anulados pela falta de novos investimentos.

A reindustrialização, juntamente com a luta contra o desemprego dos jovens, deve estar no topo da agenda da Europa em 2014, com o objectivo de estabelecer um sector industrial que representará 20% do PIB em 2020. Isso só será possível através de uma maior integração da UE. De facto, a união cada vez mais estreita representa a única esperança de construir uma economia moderna, inovadora e próspera na Europa.

 

Enrico Letta é primeiro-ministro de Itália

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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