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07 de Janeiro de 2014 às 17:34

Reinventar as relações inter-coreanas

A 12 de Fevereiro de 2013, a Coreia do Norte levou a cabo o seu terceiro teste nuclear em vésperas da tomada de posse de uma nova administração – a minha – no Sul. Nessa altura, o Presidential Transition Committee adoptou o "Trust-Building Process on the Korean Peninsula" como a política mais importante da sua administração.

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(Versão definitiva do artigo que a Presidente da República da Coreia, Park Geun-Hye, escreveu para o Project Syndicate e que foi publicado no Negócios, pela primeira vez, a 26 de Dezembro de 2013)

 

Apesar de o teste nuclear da Coreia do Norte ter criado pressão para rever o processo de construção da confiança, deixei claro que ele iria manter o seu curso. De facto, este processo inclui, desde a sua concepção, a possibilidade de provocações militares por da Coreia do Norte, e visa, especificamente, quebrar o ciclo vicioso das suas provocações seguidas por compromissos e recompensas para acalmar as tensões.

 

O processo de construção da confiança foi criado para superar as limitações, tanto das políticas de apaziguamento, como das políticas de linha dura: enquanto as primeiras dependem inteiramente da ténue boa-fé do Norte; as últimas implicam apenas uma incessante pressão.

 

O processo de construção da confiança, baseado na força da dissuasão, tem como objectivo promover uma paz sustentável na Península da Coreia, levando a Coreia do Norte a pagar caro pelos seus actos agressivos, ao mesmo tempo que assegura oportunidades de mudança e assistência se o Norte estiver disponível a tornar-se um membro responsável da comunidade internacional.

 

Desde o lançamento da minha administração, tem-se registado por parte da Coreia do Norte uma escalada das ameaças militares e da retórica bélica contra o Sul.

 

Em Abril de 2013, o Norte decidiu, de forma extrema e unilateral, impedir os trabalhadores sul-coreanos de entrarem no Complexo Industrial de Gaesong, um símbolo de trocas e cooperação inter-coreano, e retirou todos os seus trabalhadores.

 

Após do encerramento das instalações de Gaesong, algumas pessoas sugeriram que a promoção das relações entre as Coreias deveria ocorrer através de contactos de bastidores. Mas, ciente de que esse tipo de contactos teve, no passado, efeitos adversos, optei por uma proposta aberta e transparente de diálogo.

 

Sublinhei repetidas vezes à Coreia do Norte que a confiança só pode ser construída através da cooperação em pequenos mas significativos projectos e cumprindo as nossas promessas – chamando a atenção para comportamentos problemáticos – ao longo do caminho. Expliquei também à comunidade internacional a credibilidade e a necessidade de ancorar a nossa política no processo de construção da confiança, garantindo o apoio de muitos países.

 

Finalmente, em meados de Julho, a Coreia do Norte começou a dialogar e um mês mais tarde concordou em normalizar, de forma construtiva, as operações no Complexo Industrial de Gaesong. As medidas seguintes passaram pela criação de uma secretaria de gestão conjunta do complexo e as autoridades governamentais das duas Coreias deram início a encontros diários.

 

Foi um pequeno mas significativo passo em frente, tendo em conta que o diálogo inter-coreano foi, praticamente, inexistente durante os últimos cinco anos, e que as tensões geradas pelo Norte atingiram o auge no início da minha administração.

 

Mas há ainda um longo caminho a percorrer até à total normalização das instalações de Gaesong, para não falar das relações inter-coreanas. O Norte continua indiferente ao diálogo necessário para garantir questões essenciais, como a passagem de trabalhadores, de comunicações e de despachos aduaneiros.

 

A Coreia do Norte cancelou, também de forma unilateral, o reencontro de famílias separadas, uns dias antes da data agendada, partindo o coração de todos aqueles que há muito tempo esperavam por esse momento. A Coreia do Norte manteve a sua ofensiva e ameaças contra nós.

 

A recente situação política na Coreia do Norte, após a purga de Jang Song-thaek, conhecido pelo número dois do regime, aumentou as preocupações dos Coreanos e da comunidade internacional ao colocar as relações inter-coreanas numa situação ainda mais imprevisível. Esta situação é um claro aviso de quão difícil é desenvolver as relações entre as duas Coreias.

 

Nos últimos dez meses, o meu Governo tem procurado seguir as normas internacionais no que diz respeito à sua política para a Coreia do Norte, ao mesmo tempo que tenta satisfazer as expectativas das pessoas. Iremos manter-nos fiéis a esses princípios fundamentais e estabelecer as seguintes prioridades no que diz respeito à nossa política para a Coreia do Norte.

 

Em primeiro lugar, iremos criar as condições para pacificar e unificar a Península da Coreia. O meu Governo vai manter uma forte capacidade de dissuasão, porque uma segurança apertada constitui as bases de uma paz genuína. Partindo deste ponto, o Governo irá, através do diálogo, de intercâmbios e da cooperação, trabalhar para forjar uma paz sustentável que permita alcançar a unificação que melhora a qualidade de vida e a felicidade de todos os coreanos.

 

Durante este processo, a Coreia irá também trabalhar para consolidar a cooperação com a comunidade internacional. A unificação é, certamente, um assunto que cabe aos coreanos decidir, mas deve ser alcançada com a bênção dos nossos vizinhos, garantindo que a unificação beneficia todas as partes da região.    

 

Em segundo lugar, o Governo vai realizar esforços para aperfeiçoar o Processo de Construção da Confiança. De forma a reduzir a profunda desconfiança entre as duas Coreias, iremos construir um processo de diálogo no qual as duas partes discutam os assuntos com prudências e mantenham as promessas acordadas.  

 

O meu Governo irá elaborar várias medidas para expandir o âmbito do diálogo e da cooperação Norte-Sul, mantendo a actual assistência humanitária com o Norte, bem como os esforços para realizar o reencontro de famílias separadas e resolver a questão dos prisioneiros e vítimas da guerra que têm sido mantidos no Norte.  

 

Além disso, iremos aumentar a transparência das nossas políticas referentes à Coreia do Norte. Como é óbvio, tendo em conta a natureza das relações inter-coreanas, nem todos as questões podem ser divulgadas na totalidade. Mas fornecer o máximo possível de informação rigorosa à opinião pública é a melhor forma de garantir o apoio popular a estas políticas e a sua correcta implementação.  

 

Em terceiro lugar, a Coreia vai procurar interditar a utilização de armas nucleares por parte do Norte, como forma alcançar progressos conjuntos na Península Coreana e no Nordeste Asiático. De facto, as relações inter-coreanas só podem avançar de forma correcta quando o Norte desistir do seu desenvolvimento nuclear e se juntar ao Sul numa parceria baseada na confiança mútua.   

 

Se o Norte mostrar um forte compromisso em desnuclearizar e der passos concretos nesse sentido, assumiremos o compromisso de garantir o apoio da comunidade internacional na assistência activa ao desenvolvimento económico do Norte. Além disso, iremos realizar esforços para que o progresso da Península seja realizado em conjunto com os nossos vizinhos da região do Nordeste Asiático.  

 

A Coreia do Norte mostrou, recentemente, interesse em definir zonas especiais de desenvolvimento económico. Mas nenhum país, incluindo a Coreia do Sul, irá investir na Coreia do Norte se o país insistir no desenvolvimento nuclear. Se a Coreia do Norte se preocupa, verdadeiramente, com o seu povo, deve desistir do sonho de conciliar a nuclearização com o desenvolvimento económico. Em vez disso, a Coreia do Norte deve respeitar as normas internacionais e mostrar um comportamento previsível de forma a relacionar-se com os vizinhos como um parceiro credível.

 

Aproximar a Coreia do Norte dos seus vizinhos é – num contexto mais alargado - importante para a nossa política externa. Dessa forma, propus a Iniciativa Euroasiática. Esta iniciativa prevê a ligação das redes logísticas e a remoção dos obstáculos que impedem os intercâmbios do continente euroasiático, criando as condições para uma entidade única viável. Além disso, esta iniciativa estará associada ao meu plano de paz e cooperação no Nordeste Asiático. Para que esta iniciativa seja um sucesso, a Península da Coreia deve ser a primeira a desmontar a barreira de desconfiança. Essa é a porta de entrada que liga o continente euroasiático e o Pacífico.  

 

O projecto de construir um Parque de Paz Mundial na zona desmilitarizada (DMZ, sigla original) – que divide a Península da Coreia – poderia ser um ponto de partida. A partir daqui, os países do Continente, em conjunto com as duas Coreias, devem dar início a um processo de confiança e de promoção da cooperação e disseminar estas práticas para outras partes do mundo.

 

Desta forma, a Península da Coreia será capaz de se libertar do seu passado de obstáculos e reviver como contributo para a paz no continente euroasiático e no nordeste Asiático. 

 

Park Geun-Hye é Presidente da República da Coreia 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques 

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