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26 de Dezembro de 2013 às 09:00

Rehab World

Talvez devêssemos chamar a 2013 o ano da economia Winehouse. Como a cantora inglesa Amy Winehouse cantou: "They tried to make me go to rehab, but I said no, no, no" (Tentaram levar-me para a recuperação, mas eu disse não, não, não). Em 2013, os cantores foram os bancos centrais mais importantes do mundo, liderados pela Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed).

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No Verão, tanto a Fed como o Banco Popular da China sinalizaram a sua intenção de normalizar a política monetária. O presidente da Fed, Ben Bernanke, falou abertamente em "afinar" a política de compras de activos do banco central, também conhecida como ‘quantitative easing’ (QE). O governador do Banco Popular da China, Zhou Xiaochuan, tentou frear o crescimento do crédito no seu país. Mas quando os mercados em ambos os países reagiram mais violentamente do que o esperado, as autoridades monetárias recuaram.

É um problema com que muitos cantores pop se depararam: depois de anos de estímulos, a reabilitação não é assim tão fácil.

É verdade, ainda há fortes justificativas intelectuais para continuar com os estímulos económicos de um ou outro tipo. Em Novembro, o homem que parecia prestes a suceder a Bernanke, Larry Summers, sugeriu que a economia dos Estados Unidos podia estar a cair numa "estagnação secular". Outros economistas continuam preocupados com o facto de, na Europa, ou eventualmente nos Estados Unidos, a desinflação benigna das últimas décadas poder ainda transformar-se numa deflação maligna.

Contudo, há indicações de que a economia mundial como um todo está a recuperar. O Fundo Monetário Internacional prevê que o crescimento anual global vá acelerar de 2,9% este ano para 3,6% em 2014, e que será de 4% ou mais nos próximos quatro anos - acima das taxas de crescimento médias registadas nas décadas de 1980, 1990 e 2000.

A dessincronia entre o mau desempenho das economias avançadas e o crescimento ressurgente no resto do mundo levanta (pelo menos) sete questões, especialmente para os grandes bancos centrais. Cada uma dessas instituições tem algum tipo de mandato nacional. No entanto, no nosso mundo interconectado, as suas decisões têm, inevitavelmente, consequências globais.

Pergunta 1: O que vai fazer a Fed sob o comando da nova presidente, Janet Yellen? Ela parece favorável às medidas que estão em curso. A afinação do programa de compra de activos tem que acontecer mais cedo ou mais tarde, mas a genuína preocupação de Yellen com o mercado de trabalho dos Estados Unidos sugere que ela vai prometer taxas de juros baixas por mais tempo do que pode parecer justificável por outros indicadores. O desafio será fazer com que este novo regime funcione mesmo que outros indicadores sugiram que a recuperação está em andamento (basta perguntar a Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra).

Os Estados Unidos estão a recuperar a vários níveis. O gás de xisto e o petróleo trouxeram uma bonança em termos de energia. O Silicon Valley está a prosperar. O mercado de acções está a bater recordes. E, surpreendentemente, um Congresso profundamente polarizado fechou um acordo orçamental de dois anos que irá aumentar ligeiramente a despesa no curto prazo e, ao mesmo tempo, reduzir o défice no longo prazo.

Há uma forte possibilidade de os mercados reagirem a isto e a outras boas notícias, ignorando a "forward guidance" (orientação futura, numa tradução livre) e focando-se na redução gradual do QE, o que vai fazer subir as taxas de longo prazo. E uma das consequências a curto prazo pode ser o tipo de correcção acentuada do mercado de acções que vimos em 1980 e 1987. Wall Street gosta sempre de testar o novo presidente da Fed.

Pergunta 2: Como é que os outros bancos centrais vão reagir a uma alteração da política monetária em Washington? Em Frankfurt, o Banco Central Europeu sabe que a periferia da Zona Euro não está preparada para taxas de juros mais altas. Ainda que Espanha, Irlanda e Grécia estejam a demonstrar sinais de vitalidade económica, o desemprego na periferia da Zona Euro continua a ser terrivelmente elevado. Além disso, o maior risco político na Europa ainda é o populismo - e as eleições parlamentares europeias do próximo ano darão aos apoiantes da líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, uma oportunidade de ouro.

Pergunta 3: Será que os populistas fazem o suficiente para perturbar o complexo processo de criação de uma união bancária, um pré-requisito para a recuperação sustentável do sistema financeiro da Europa? Provavelmente não. Na verdade, o sucesso dos populistas pode até incentivar os social-democratas e os democratas-cristãos a formar uma "grande coligação" no Parlamento Europeu - o que representaria mais um passo em frente na silenciosa germanização da União Europeia.

Entretanto, no Japão, há ainda menos entusiasmo para a reabilitação monetária: o governo de Abe espera claramente mais, e não menos, estímulos do Banco do Japão. Sem eles, as esperanças de que o "Abenomics" eleve a taxa de inflação anual do Japão para 2% serão certamente frustradas.

Pergunta 4: Será o Japão capaz de manter os estímulos com os Estados Unidos a reduzi-los? Provavelmente, mas o grau de crescimento sustentado e de inflação que esses estímulos irão permitir depende também das reformas estruturais, que ainda têm de atingir metas reais.

O contraste com o vizinho e rival estratégico do Japão, a China, é impressionante. Há, pelo menos, sinais de que o Banco Popular da China já retomou o aperto monetário, num esforço para impor uma crise de crédito controlada sobre a ‘banca sombra’ do país. Isto leva-me às três perguntas finais:

Pergunta 5: Será que a China consegue manter o crescimento económico, ao mesmo tempo que esvazia uma bolha de crédito e aplica as reformas estruturais anunciadas depois do terceiro plenário do Comité Central do Partido Comunista?

Pergunta 6: Como irá reagir a nova classe média chinesa se a resposta à pergunta 5 for "não"?

Pergunta 7: Será que a liderança em Pequim vai responder ao descontentamento interno com o tipo de política externa que vimos este ano?

Não tenho a pretensão de saber as respostas para estas últimas perguntas. Mas elas podem ser a chave para saber como vai acabar este Rehab World – bem ou mal.

 

Niall Ferguson é professor de História na Universidade de Harvard e autor do livro "The Great Degeneration"

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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