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26 de Dezembro de 2013 às 14:00

Reformar a França

Antes do final do ano, o parlamento francês vai promulgar uma revisão abrangente das pensões, que é essencial não só para colocar as finanças públicas de França numa rota sustentável, mas também para reforçar a confiança na Zona Euro em 2014 e nos anos seguintes. Além disso, a maneira como a reforma foi realizada é tão importante quanto a própria reforma.

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A França tem uma demografia mais favorável do que a maioria dos outros países europeus. No entanto, foi necessário um esforço maior para fortalecer o sistema de pensões "pay--as-you-go" (sistema em que as pensões dos reformados são pagas pelos activos, não existindo qualquer financiamento antecipado das reformas) no equivalente a um ponto percentual do produto interno bruto (PIB). O período de contribuição vai ser aumentado gradualmente, chegando a 43 anos em 2035.

Esse esforço teve uma ampla aceitação do público, porque era justo: tanto os reformados como os activos vão contribuir, tal como as empresas e as famílias. O financiamento e as necessidades sociais também foram tidas em conta, ao passo que as fragilidades do sistema actual serão melhoradas, beneficiando mulheres, pessoas com carreiras não-contínuas, ocupações particularmente extenuantes e reformados de baixos rendimentos.

Mais importante ainda é que, pela primeira vez, a reforma das pensões foi realizada em consulta permanente com as associações patronais e os sindicatos. Muitos esperavam um confronto. Em vez disso, prevaleceu uma atmosfera construtiva de negociação.

Por outras palavras, a chave para o sucesso foi a justiça, o equilíbrio e o diálogo social. Em Setembro, a propósito de uma medida proposta, um responsável da União Europeia disse: "Esta é uma reforma ao estilo francês!" Independentemente de a frase poder ter um sentido crítico, eu considerei-a um elogio. Muitos na Europa pensam que a boa reforma é aquela que dói. Essa não é a minha visão: sim, é necessária modernização no contexto de um mundo em mudança, mas essa modernização não tem que ser divisionista.

O desafio da Europa é avançar sem cair aos pedaços. Isso significa proporcionar aos cidadãos da Europa um sentido renovado de esperança e oportunidade. França tem ajudado activamente a estabilizar a Zona Euro, incentivando o progresso estrutural, de que a união bancária europeia é um exemplo. Precisamos também de reforçar a coesão social no continente. Esse é o objectivo da integração solidária, como lhe chamou o presidente François Hollande.

A revisão realizada este mês pelo Conselho Europeu da directiva relativa ao destacamento de trabalhadores, que se aplica aos empregados que são enviados temporariamente para trabalhar noutro Estado-membro da União Europeia, é um bom começo. Mas temos de ir mais longe. A criação de um salário mínimo ao nível da União Europeia daria um forte sinal aos cidadãos de que a Europa é uma realidade social.

Em França, depois de dez anos de queda nos mercados de exportação, o meu governo embarcou numa estratégia ousada para restaurar a competitividade do nosso país. Este ano, implementámos uma redução dos encargos laborais e previdenciários que representará cerca de 1% do PIB em 2016. França também realizou reformas ambiciosas para reduzir o dualismo do mercado de trabalho e dar maior flexibilidade aos empregadores, bem como uma maior segurança aos trabalhadores.

Além disso, a reforma das pensões é o culminar de 18 meses de passos significativos para a consolidação orçamental que têm melhorado a eficácia das despesas públicas e o financiamento das nossas prioridades: educação, emprego, saúde e segurança. Os nossos esforços não têm precedentes, e resultam numa redução do défice de 1,5% do PIB em 2012, 1,7 % em 2013, e um valor estimado de 0,9% em 2014. Em 2015, a redução do défice vai depender inteiramente de cortes na despesa.

Ainda que tenhamos respondido a situações de emergência neste período, não sacrificámos a nossa capacidade de avançar com mais reformas no futuro. Na verdade, a restauração do diálogo social como um instrumento com o qual se pode criar um consenso de longa duração representa uma mudança cultural profunda, que é um bom presságio para os nossos esforços.

Muitos desses esforços já estão em marcha: a reforma abrangente da formação profissional, um quadro para a adopção de novas fontes de energia e, por último mas não menos importante, uma revisão completa do nosso sistema fiscal a favor da criação de emprego e do crescimento económico.

Em última análise, seremos julgados com base na eficiência económica das nossas reformas e justiça social. A nossa tarefa é demonstrar a nossa capacidade de reformar o governo, oferecer serviços públicos de alta qualidade – como educação e saúde - a um custo razoável, e controlar a despesa públicas a fim de restaurar a nossa capacidade de reduzir impostos sem impedir a redução da dívida pública.

A minha ambição é a criação de um "novo modelo francês", que coloca a solidariedade sustentável no centro. Esse modelo - em que o governo delega poderes à iniciativa privada e se dedica à suavização das grandes transições económicas e ambientais do nosso tempo - oferece oportunidades para todos, confiando no poder da acção colectiva.

É graças a esses valores, a consciência aguda de que as forças individuais e colectivas podem trabalhar em conjunto, que França sempre encontrou os recursos necessários para reconstruir e modernizar. Sendo fiéis a nós mesmos, e abertos ao mundo, vamos fazer-nos ouvir na Europa e mais além.

 

Jean-Marc Ayrault é primeiro-ministro de França

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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