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26 de Dezembro de 2013 às 11:00

O medo do "L"

Nos últimos anos, os economistas têm procurado no alfabeto a melhor forma de descrever a recuperação há muito aguardada: começaram com um V optimista, continuaram com um U mais pessimista e terminaram num desesperado W. Neste momento, uma profunda ansiedade está a perseguir a profissão: o medo que eu chamo de uma recuperação em forma de "L".

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Visto à luz dos últimos cinco sombrios anos, 2013 não foi mau para as economias avançadas. A Zona Euro saiu da recessão técnica, a taxa de desemprego nos Estados Unidos foi menor do que nos anos anteriores, e o Japão começou a dar sinais de vida depois de um longo sono e do choque negativo do terremoto e do tsunami em 2011.

Mas se olharmos para além da superfície, torna-se evidente que ainda estamos à beira de um precipício. No terceiro trimestre deste ano, o PIB contraiu, comparado com o mesmo período do ano anterior, não apenas nos casos expectáveis, como o da Grécia e de Portugal, mas também em Itália, Espanha, Holanda e na República Checa. E o PIB em alguns países, como a França e a Suécia, cresceu a taxas mais baixas do que o crescimento da população, o que implica que o rendimento per capita diminuiu.

Além disso, as condições do mercado de trabalho vão deteriorar-se até ao final do ano. O número de desempregados na Alemanha está a aumentar há quatro meses consecutivos (até Novembro). Entre os países industrializados, os EUA são a excepção. Mas, mesmo lá, enquanto a taxa de desemprego caiu durante o ano, situando-se nos 7%, o desemprego de longa duração está numa taxa invulgarmente elevada de 36% do desemprego total, ameaçando corroer a base de conhecimento e tornar a recuperação muito mais difícil.

O renascimento do Japão, por sua vez, foi causado por uma necessária injecção de liquidez. Mas a recuperação do Japão vai ser de curta duração, a menos que o governo do primeiro-ministro, Shinzo Abe, cumpra a sua promessa de fazer reformas estruturais mais profundas.

Tendo em conta estes desenvolvimentos, recentemente alguns comentadores têm escrito sobre a possibilidade de uma desaceleração prolongada nos países industrializados. Esta não é uma opinião popular, sendo criticada por muitos como sendo apenas uma forma de alimentar o pessimismo. Mas as opiniões mais pessimistas não podem ser ignoradas.

O medo de uma recuperação em forma de L é legítimo. A tecnologia moderna permitiu que os trabalhadores das economias emergentes se possam juntar ao mercado de trabalho global; na ausência de grandes inovações políticas, este facto é susceptível de causar um impacto prolongado nos países ricos. E há poucos sinais de inovação.

Há, em vez disso, uma crise na profissão de economista, que espelha a crise das economias avançadas. Graças à mudança tecnológica e à implacável globalização, o carácter de economias inteiras mudou drasticamente ao longo dos últimos 50 anos. O que, por sua vez, não tem sido acompanhado por mudanças no pensamento dos decisores políticos.

Qual a razão dessa estagnação? Uma possibilidade é que os factores que estão a tornar os empresários muito cautelosos sejam os mesmos que estão a tornar os políticos mais propensos ao conservadorismo. Um estudo realizado por dois economistas do Banco Mundial, Leora Klapper e Inessa Love, mostra que uma das principais consequências da crise financeira tem sido a relutância dos empresários na abertura novas empresas. Eles mostram que, após um aumento estável de 2004 a 2007, a criação de empresas caiu drasticamente. No Reino Unido, por exemplo, o número de empresas registadas caiu de 450.000 em 2007 para 372.000 em 2008 e 330.000 em 2009.

O que é interessante é que embora esse declínio seja mais acentuado nas economias avançadas, que são especialmente dependentes dos mercados financeiros, é visível em praticamente todos os 95 países estudados pelos autores. A razão não é difícil de entender: uma recessão é um momento em que há a tendência para todos os agentes serem mais cautelosos e preferirem manter-se num território familiar.

A mesma mentalidade tornou-se evidente entre os economistas e decisores políticos. Em tempos de profunda incerteza, a tendência é para que também estes se escudem em pensamentos mais tradicionais e evitar o pensamento inovador. Isto é especialmente lamentável hoje em dia, quando a estrutura da economia mundial está a mudar tão rapidamente.

Um claro indicador do excesso de cautela dos economistas e dos decisores políticos tem sido a sua propensão para converter a necessidade de provas numa total aversão à criatividade analítica. Devemos, é claro, usar a melhor informação disponível na elaboração das políticas. Mas há áreas em que não há essa informação. Nestes territórios desconhecidos, deve-se contar com uma combinação de intuição e teoria. E resistir à mudança de política, com o fundamento de que não se baseia em provas concretas, é prender-nos ao status quo.

Para ver o erro desta abordagem, imagine que, com base na teoria e em algumas suposições, um decisor recomenda uma nova política X, mesmo que não haja provas concretas sobre o resultado provocado por X. Agora use Y para se referir a "não fazer X." Se não há provas sobre se os resultados de X funcionam, claramente também não há nenhuma evidência sobre se Y funciona. Assim, se a falta de evidência é considerada uma boa razão para não fazer X, também é uma boa razão para não fazer Y. Mas isso é uma contradição, porque é impossível não fazer X ou Y.

A propensão para usar esse argumento inconsistente reflecte uma tendência para a manutenção do status quo e um preconceito contra a inovação política. Mas o que nós precisamos agora é precisamente de um novo pensamento analítico. O mesmo que impulsionou os grandes avanços da economia ao longo dos últimos dois séculos e meio - e que levou a grandes avanços políticos durante a Grande Depressão. É a ausência de tal pensamento criativo que levou a um impasse, obrigando os economistas e decisores políticos a lidar com o medo do "L."

 

Kaushik Basu é vice-presidente e economista chefe do Banco Mundial

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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