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Educação virtual em zonas de conflito

No que diz respeito ao ensino a crianças que não frequentam a escola, para se conseguir recolher o máximo das oportunidades providenciadas pelas tecnologias será preciso uma visão clara e verdadeiramente integrada.

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Educar as crianças e os refugiados nas zonas de conflito é um dos maiores desafios com que a comunidade internacional se confronta. As suas escolas foram reduzidas a escombros. Os seus professores fugiram ou estão a lutar para sobreviver. As suas bibliotecas foram saqueadas ou reduzidas a cinzas.

 

Felizmente, existem soluções. Afinal de contas, actualmente, há palestras e bibliotecas bem apetrechadas disponíveis à distância de um clique. Existe um audacioso projecto-piloto patrocinado pela Fundação MBZ, sediada no Dubai, que reflecte esta realidade. Os melhores cursos disponíveis – em matemática, ciências, línguas estrangeiras e literatura – podem ser descarregados para um telemóvel e colocados na mão de um aluno. Se os 58 milhões de crianças que actualmente não podem ir à escola não puderem ser levados até uma sala de aulas, então a sala de aulas deve ser levada até eles.

 

Os grupos de ajuda estão já a desbravar caminho, recorrendo à internet para darem oportunidades educacionais aos refugiados sírios. A título de exemplo, a Agência norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento está a realizar um concurso internacional – chamado eduapp4Syria – que visa desenvolver aplicações para smartphones que possam "incutir competências básicas de literacia em árabe e melhorar o bem-estar psicossocial das crianças refugiadas sírias com idades compreendidas entre os 5 e os 10 anos".

 

Da mesma forma, no Líbano, a organização sem fins lucrativos Sawa for Development and Aid, sediada em Beirute, desenvolveu o NaTakallam, um serviço que dá aos refugiados sírios desempregados uma oportunidade para trabalharem como professores de árabe. E, no Egipto, a plataforma Nafham permite que os seus utilizadores carreguem vídeos educacionais sobre temas inseridos no programa escolar público K-12 do país.

 

Do estrangeiro, o Conselho Britânico oferece cursos online em inglês, através de um programa chamado "FutureLearn." E a Organização Não-Governamental (ONG) ReBootKAMP, sediada em Silicon Valley, bem como as aulas de codificação através do pequeno computador Raspberry Pi da UNICEF, oferecem aos jovens refugiados uma oportunidade de aprenderem programação informática.

 

A internet está a ser usada para ajudar os refugiados a obterem também cursos superiores. A União Europeia está a financiar um curso de "e-learning" (ensino à distância), com a duração de três anos, que visa preparar para a entrada na universidade 3.100 refugiados sírios que estão na Jordânia e no Líbano. E a organização norte-americana sem fins lucrativos Universidade do Povo (The University of the People) ofereceu a 10.000 refugiados sírios cursos universitários online ministrados por professores voluntários.

 

Estas iniciativas demonstram que, com o premir de uma tecla e o movimento de um dedo, dois milhões de crianças refugiadas no Líbano, Turquia e Jordânia tiveram a oportunidade de prosseguirem os seus estudos.

 

As vantagens do ensino online são imensas. Sai muito caro expedir escolas pré-fabricadas que, muitas vezes, nem sequer estão adequadas a um cenário de aprendizagem presencial. Atendendo a que esse tipo de escolas é cada vez menos uma prioridade, os fundos começam a ser libertados para se providenciarem os materiais de ensino adequados, bem como professores no local.

 

Esta transição na ênfase do ensino abre também oportunidades a contribuições por parte do sector privado, revolucionando a forma como é ministrado o ensino em zonas de conflito e noutras situações de emergência. A Khan Academy, Google, Apple e praticamente mais 50 outras empresas reconheceram esta necessidade, contribuindo com cerca de 70 milhões de dólares em financiamento, "tablets" de baixo custo, programa de ensino à distância e ajuda com a logística. E em Setembro de 2015, o presidente executivo da rede social Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou que a sua empresa iria colaborar com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) no sentido de fornecer o acesso à Internet a todos os refugiados.

 

A História mostra-nos o quanto as coligações globais – transversais aos sectores público, privado e sem fins lucrativos – podem gerar resultados. As empresas privadas estão muitas vezes bem posicionadas para entregarem bens mais rapidamente, e a um custo mais baixo, do que as instituições públicas, permitindo que estas últimas focalizem os seus esforços noutros aspectos. Entre os muitos exemplos desta dinâmica temos as start-ups e multinacionais que se juntaram à Fundação Bill & Melinda Gates para ajudarem a encontrar uma cura para o ébola, bem como os empresários que estão a usar painéis solares para fornecerem electricidade fora da rede a aldeias remotas de África.

 

No entanto, no que diz respeito ao ensino a crianças que não frequentam a escola, para se conseguir recolher o máximo das oportunidades providenciadas pelas tecnologias será preciso uma visão clara e verdadeiramente integrada.

 

O ACNUR já criou uma "task force" na Jordânia para explorar a forma como a informação e a tecnologia informática podem ser alavancados de modo a darem aos refugiados um maior acesso ao ensino superior. A Coligação Mundial das Empresas para a Educação ofereceu-se para coordenar as organizações de ensino e os seus parceiros do sector privado. E no âmbito da preparação da Cimeira Humanitária Mundial, que terá lugar em Istambul, no próximo mês de Maio, muitas empresas do sector privado já começaram a mobilizar recursos e a rentabilizar as suas capacidades ao serviço da inovação.

 

Quando a Biblioteca de Alexandria foi incendiada, no ano 48 A.C., a humanidade não recuou para as cavernas nem deixou de aprender. O que acabou reduzido a cinzas foi apenas a manifestação física do conhecimento humano; o desejo de descoberta e de progresso ficou intacto. Quando as chamas se apagaram, os nossos antepassados procuraram recuperar o conhecimento que tinha sido perdido.

 

Essa experiência tem-se repetido ao longo da História, e deve servir como exemplo para a nossa resposta à destruição de bibliotecas e escolas na Síria. Em vez de pedirmos às crianças daquele país que aceitem o fim da sua educação, devemos ajudá-las a reconstruir – com as mais modernas ferramentas que temos à nossa disposição.

 

Gordon Brown, que foi primeiro-ministro e chanceler do Tesouro do Reino Unido, assume actualmente as funções de enviado especial das Nações Unidas para a Educação Global e preside à Comissão Internacional do Financiamento da Oportunidade para uma Educação Global.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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