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Ayesha Khanna e Parag Khanna 29 de Setembro de 2014 às 17:43

Disciplinar a economia partilhada

A crescente facilidade com que as pessoas podem trocar bens, serviços e mão-de-obra directamente, através de plataformas online, está a transformar a forma como as economias modernas funcionam. Mas para assegurar que esta ascendente "economia partilhada" funcione de forma eficiente e melhore a situação de todos é necessária alguma regulação.

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As pessoas têm agora os meios para contornar muitas das empresas de serviços tradicionais. Podem partilhar transportes, utilizando o Uber, o Lyft ou o RelayRides; oferecer alojamento através do Airbnb; subcontratar tarefas domésticas via TaskRabbit, Fiverr ou Mechanical Turk; e organizar a entrega de compras através do Favor e Instacart. De forma semelhante, as plataformas de crowdfunding, como a Kickstarter e Lending Club, permitem às start-ups arrecadar doações, empréstimos ou investimento junto da população, em vez de depender de um intermediário financeiro.

 

Ao eliminarem a intermediação, estas plataformas online dão poder aos indivíduos, reduzem os custos de transação e criam uma economia mais inclusiva. Mas a sua evolução está longe de ser simples e o êxito de muitos destes serviços vai depender de uma regulação cuidadosa – como os protestos e as decisões judiciais contra o Uber na Europa o podem demonstrar.

 

Uma das razões do tremendo impacto do Uber e outros pioneiros da economia partilhada é que representam uma forma altamente eficiente de capitalismo sem intermediários. Compradores e vendedores podem acordar directamente o preço de cada transacção e a reputação das empresas depende de comentários sem filtro dos clientes, o que gera uma pressão contínua para a melhoria do desempenho.

 

A economia partilhada também estimula o espírito empreendedor, como as pessoas encontram novas formas de preencher espaços do mercado. O que começou como uma forma simples para as famílias aumentarem os rendimentos – ao alugar um apartamento ou o carro – tornou-se numa força disruptiva formidável. A revista Forbes estima que as receitas da economia partilhada, em 2013, tenham ultrapassado os 3,5 mil milhões de dólares. Durante o Campeonato do Mundo de 2014 no Brasil, um país com uma escassez crónica de quartos de hotel, mais de 100 mil pessoas utilizaram sites de partilha de casas para encontrar alojamento.

 

A oportunidade para comprar ou vender também se tornou muito mais inclusiva: metade dos senhorios do Airbnb nos Estados Unidos têm rendimentos baixos ou moderados e 90% dos senhorios a nível mundial alugam a sua residência principal.

 

Várias cidades têm reconhecido os benefícios que surgem com a promoção de uma economia partilhada. Seattle, por exemplo, desregulou os sectores de transporte e hotelaria, desafiando os monopólios de táxis e hotéis da cidade.

 

Mas uma mudança económica desta magnitude tem inevitavelmente os seus opositores, alguns com preocupações legítimas. Representam estes novos negócios concorrência desleal para as empresas já estabelecidas por não pagarem impostos similares? Estão estes negócios – com muito capital de risco – a executar as suas operações com perdas de modo a captarem quota de mercado? E deve ser permitido a estas empresas o acesso a dados de telecomunicações para terem conhecimento dos hábitos e movimentos dos clientes, embora dando-lhes uma vantagem injusta?

 

Algumas empresas já têm as suas próprias normas de funcionamento. A TaskRabbit, que subcontrata tarefas domésticas como montar mobílias do Ikea, requer o pagamento de um salário mínimo aos participantes e lançou um sistema de seguros para proteger os seus trabalhadores norte-americanos. Por outro lado, as plataformas tecnológicas que usam "programação algorítmica" para alinhar turnos e horários dos trabalhadores segundo os ciclos de negócios continuam a ser um transtorno para a vida familiar e a causar stress desnecessário. Os responsáveis políticos devem antecipar-se a estas tendências da economia partilhada.

 

A convergência dos serviços e software obriga os funcionários a melhorar os seus conhecimentos técnicos e cooperar com o sector privado para assegurar a justiça e eficiência do mercado. Por exemplo, devem prevenir a manipulação dos comentários dos utilizadores e outras práticas que impeçam os consumidores de ter uma ideia justa da qualidade dos serviços de uma empresa. A Airbnb e a agência de viagens online Expedia permitem análises apenas dos consumidores que já tenham utilizado os serviços; o que pode tornar-se uma norma oficial em toda a economia partilhada.

 

Os governos também têm um papel mais amplo pela frente. Como mais pessoas adoptam "carreiras de carteira" - dependem de várias fontes de rendimento em vez de um único emprego – torna-se mais difícil recolher e analisar dados sobre o mercado laboral. Os governos vão precisar de novos critérios de contabilidade e estatísticos para calcular salários, estimar rendimentos e categorizar os cada vez mais numerosos trabalhadores auto-empregados. Tais critérios, juntamente com as directrizes para a partilha de dados, vão ajudar a determinar quando e quanto deverá tributar a economia partilhada.

 

Nada disto vai ser fácil. Embora o auto-emprego e o trabalho em part-time não sejam fenómenos novos, a economia partilhada é diferente, porque permite aos freelancers transformarem-se em "nano-trabalhadores", que mudam de empregador várias vezes, não no espaço de um mês ou uma semana, mas várias vezes por dia. Enquanto as taxas de desemprego nos Estados Unidos e na Europa continuam elevadas e os salários estagnaram, as pessoas dependem cada vez mais destas fontes de rendimento diversificadas. Actualmente, quase 27 milhões de americanos sobrevivem com rendimentos de part-time ou ganhos de projecto em projecto.

 

Com quase metade dos empregos de serviços na OCDE em risco de automatização, a economia partilhada pode atenuar o transtorno causado aos trabalhadores deslocados à medida que actualizam as suas capacidades. De facto, os dados da economia partilhada podem ajudar os governos a identificar esses trabalhadores mais vulneráveis e facilitar a sua reconversão profissional.

 

A economia partilhada reflecte a convergência do espírito empreendedor com a conectividade tecnológica. Ainda que os condutores de táxi e os proprietários de hotéis possam sentir-se ameaçados, a economia partilhada pode ajudar a aumentar e redistribuir os lucros nas cidades que já têm sérios problemas de pobreza e desigualdade. Promete criar um ambiente mais próspero e inclusivo onde os deslocados terão melhores perspectivas.

 

Ayesha Khanna é a CEO da Technology Quotient, uma empresa que opera na área da educação e desenvolvimento de capacidades. Parag Khanna é membro da New America Foundation. São co-autores do Hybrid Reality: Thriving in the Emerging Human-Technology Civilization.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Raquel Godinho

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