Opinião
A "surpresa salário" vinda do Japão
No ano de 2013 vimos a economia japonesa virar a "esquina" de duas décadas de estagnação. E o futuro tornar-se-á ainda mais brilhante com o surgimento daquilo que chamamos de "surpresa salário".
As discussões intensas desde Setembro entre o governo japonês, as empresas e os sindicatos têm sido orientadas para colocar em movimento um ciclo virtuoso onde melhores salários levam a um crescimento mais robusto. Participei em duas das quatro reuniões realizadas até agora, juntando os ministros das Finanças, da Economia e do Trabalho, bem como líderes da indústria e dos sindicatos, como Akio Toyoda, presidente-executivo da Toyota Motors, e Nobuaki Koga, líder da Japanese Trade Union Confederation. De cada uma das vezes, saí da reunião a sentir-me confiante e revigorado.
Vamos enfrentá-lo. A pressão deflacionista no Japão - e apenas no Japão – tem persistido por mais de uma década. No início da minha liderança, lancei o que os observadores têm chamado de "Abenomics", porque apenas no meu país o nível salarial nominal permaneceu em território negativo por um período de tempo impressionante.
Por outras palavras, os assalariados no Japão têm perdido 34,3 biliões de ienes ao longo da última década e meia – um montante superior ao produto interno bruto (PIB) anual da Dinamarca, Malásia ou Singapura. Apenas quando esta tendência for invertida, a economia do Japão pode retomar uma trajectória ascendente de longo prazo.
Enquanto isso, as empresas do Japão já não estão mal capitalizadas. Eu, por exemplo, lembro-me o quão baixo era o rácio do património líquido das empresas japonesas há 15 anos – abaixo dos 20%, o que comparava com os mais de 30% na Europa e nos Estados Unidos. Como resultado, diziam os economistas, o comportamento das companhias japonesas seria caracterizado por excesso de endividamento.
Já não é esse o caso. Graças ao contínuo aumento da rentabilidade das empresas e aos seus esforços sustentados de desalavancagem ao longo da última década e meia, o endividamento caiu drasticamente. Em termos de rácio de património líquido, as empresas japonesas estão agora a par com a Europa e os Estados Unidos.
O "Abenomics", tenho orgulho em dizer, foi bem-sucedido no sentido mais fundamental: retomámos o espírito colectivo do Japão. No ano em que o meu governo tomou posse, uma atitude de resignação deu lugar a possibilidades ilimitadas – uma mudança simbolizada, por muitos, pela vitória de Tóquio para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2020. Como resultado, muitos investidores de Wall Street compraram a narrativa e passaram muito tempo no Japão.
Foi isto que os dois primeiros eixos do "Abenomics" – política monetária forte e política orçamental flexível – alcançaram até agora. E em relação ao terceiro eixo - um conjunto de políticas para promover o investimento privado, para que o crescimento da produtividade sustente a recuperação de longo prazo do Japão?
Alguns dizem que, ao contrário do primeiro e do segundo eixo, o terceiro é difícil de encontrar. Não discordo: por definição, as reformas estruturais demoram mais tempo do que as alterações nas políticas monetárias e orçamentais. Muitas vão requerer legislação, na qual os meus colegas do Parlamento têm gasto muito do seu tempo no último par de meses. Durante este processo, com debates intermináveis e complicados, não devemos confundir a árvore com a floresta.
Desde juntar-se às negociações para a Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês), a introduzir zonas especialmente desreguladas (o meu próprio gabinete irá supervisionar a sua implementação), o meu governo está comprometido em catalisar a recuperação económica com todos os meios disponíveis. Aqui, destaca-se a "surpresa salário": só quando a ligação há muito perdida entre a rentabilidade das empresas e os salários for restaurada, é que o investimento em casas, carros e outros bens duradouros - e o consumo das famílias em geral - irá finalmente livrar o Japão da deflação e colocar a sua economia num caminho de crescimento sustentado.
A "surpresa salário" inspira-se na Holanda, onde um consenso emergiu no início dos anos 80: para sustentar o emprego, o peso de controlar a inflação galopante deveria ser partilhado por empregadores e trabalhadores. Este consenso foi consagrado no "Acordo Wassenaar" de 1982, assim designado pelo subúrbio de Haia, onde foi moldado.
O Japão está agora a testemunhar a emergência de um consenso nacional semelhante, ou melhor, de um consenso holandês ao contrário: um sentido partilhado de que o governo, as principais indústrias e as organizações laborais deveriam trabalhar em conjunto para aumentar os salários e os bónus (ao mesmo tempo que facilitam os incentivos que podem melhorar a produtividade).
Escusado será dizer que os níveis salariais devem ser determinados apenas pela gestão e trabalhadores. Mas, é igualmente verdade que o consenso emergente entre o governo, empresários e sindicatos já levaram a um número crescente de empresas a prometerem salários e bónus significativamente mais elevados.
Esta é a essência da "surpresa salário". Será um fenómeno completamente novo que, em conjunto com os massivos estímulos orçamentais de 5 biliões de ienes, vão mais do que compensar o potencial efeito negativo do aumento do imposto sobre as vendas. Mais importante, vai continuar a colocar a economia do Japão numa trajectória de crescimento sustentável. Disso tenho a certeza.
Shinzo Abe é primeiro-ministro do Japão
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Raquel Godinho