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26 de Dezembro de 2013 às 09:00

A "surpresa salário" vinda do Japão

No ano de 2013 vimos a economia japonesa virar a "esquina" de duas décadas de estagnação. E o futuro tornar-se-á ainda mais brilhante com o surgimento daquilo que chamamos de "surpresa salário".

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As discussões intensas desde Setembro entre o governo japonês, as empresas e os sindicatos têm sido orientadas para colocar em movimento um ciclo virtuoso onde melhores salários levam a um crescimento mais robusto. Participei em duas das quatro reuniões realizadas até agora, juntando os ministros das Finanças, da Economia e do Trabalho, bem como líderes da indústria e dos sindicatos, como Akio Toyoda, presidente-executivo da Toyota Motors, e Nobuaki Koga, líder da Japanese Trade Union Confederation. De cada uma das vezes, saí da reunião a sentir-me confiante e revigorado.

Vamos enfrentá-lo. A pressão deflacionista no Japão - e apenas no Japão – tem persistido por mais de uma década. No início da minha liderança, lancei o que os observadores têm chamado de "Abenomics", porque apenas no meu país o nível salarial nominal permaneceu em território negativo por um período de tempo impressionante.

Fiquei chocado quando vi pela primeira vez as estatísticas: o nível salarial do Japão desde 2000 caiu a uma taxa média anual de 0,8%, o que compara com um crescimento médio do salário nominal de 3,3% nos Estados Unidos e no Reino Unido e de 2,8% na França. Em 1997, os assalariados recebiam no Japão um total bruto de 279 biliões de ienes; até 2012, este total desceu para 244,7 biliões de ienes.

Por outras palavras, os assalariados no Japão têm perdido 34,3 biliões de ienes ao longo da última década e meia – um montante superior ao produto interno bruto (PIB) anual da Dinamarca, Malásia ou Singapura. Apenas quando esta tendência for invertida, a economia do Japão pode retomar uma trajectória ascendente de longo prazo.

Enquanto isso, as empresas do Japão já não estão mal capitalizadas. Eu, por exemplo, lembro-me o quão baixo era o rácio do património líquido das empresas japonesas há 15 anos – abaixo dos 20%, o que comparava com os mais de 30% na Europa e nos Estados Unidos. Como resultado, diziam os economistas, o comportamento das companhias japonesas seria caracterizado por excesso de endividamento.

Já não é esse o caso. Graças ao contínuo aumento da rentabilidade das empresas e aos seus esforços sustentados de desalavancagem ao longo da última década e meia, o endividamento caiu drasticamente. Em termos de rácio de património líquido, as empresas japonesas estão agora a par com a Europa e os Estados Unidos.

O "Abenomics", tenho orgulho em dizer, foi bem-sucedido no sentido mais fundamental: retomámos o espírito colectivo do Japão. No ano em que o meu governo tomou posse, uma atitude de resignação deu lugar a possibilidades ilimitadas – uma mudança simbolizada, por muitos, pela vitória de Tóquio para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2020. Como resultado, muitos investidores de Wall Street compraram a narrativa e passaram muito tempo no Japão.

Foi isto que os dois primeiros eixos do "Abenomics" – política monetária forte e política orçamental flexível – alcançaram até agora. E em relação ao terceiro eixo - um conjunto de políticas para promover o investimento privado, para que o crescimento da produtividade sustente a recuperação de longo prazo do Japão?

Alguns dizem que, ao contrário do primeiro e do segundo eixo, o terceiro é difícil de encontrar. Não discordo: por definição, as reformas estruturais demoram mais tempo do que as alterações nas políticas monetárias e orçamentais. Muitas vão requerer legislação, na qual os meus colegas do Parlamento têm gasto muito do seu tempo no último par de meses. Durante este processo, com debates intermináveis e complicados, não devemos confundir a árvore com a floresta.

Desde juntar-se às negociações para a Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês), a introduzir zonas especialmente desreguladas (o meu próprio gabinete irá supervisionar a sua implementação), o meu governo está comprometido em catalisar a recuperação económica com todos os meios disponíveis. Aqui, destaca-se a "surpresa salário": só quando a ligação há muito perdida entre a rentabilidade das empresas e os salários for restaurada, é que o investimento em casas, carros e outros bens duradouros - e o consumo das famílias em geral - irá finalmente livrar o Japão da deflação e colocar a sua economia num caminho de crescimento sustentado.

A "surpresa salário" inspira-se na Holanda, onde um consenso emergiu no início dos anos 80: para sustentar o emprego, o peso de controlar a inflação galopante deveria ser partilhado por empregadores e trabalhadores. Este consenso foi consagrado no "Acordo Wassenaar" de 1982, assim designado pelo subúrbio de Haia, onde foi moldado.

O Japão está agora a testemunhar a emergência de um consenso nacional semelhante, ou melhor, de um consenso holandês ao contrário: um sentido partilhado de que o governo, as principais indústrias e as organizações laborais deveriam trabalhar em conjunto para aumentar os salários e os bónus (ao mesmo tempo que facilitam os incentivos que podem melhorar a produtividade).

Escusado será dizer que os níveis salariais devem ser determinados apenas pela gestão e trabalhadores. Mas, é igualmente verdade que o consenso emergente entre o governo, empresários e sindicatos já levaram a um número crescente de empresas a prometerem salários e bónus significativamente mais elevados.

Esta é a essência da "surpresa salário". Será um fenómeno completamente novo que, em conjunto com os massivos estímulos orçamentais de 5 biliões de ienes, vão mais do que compensar o potencial efeito negativo do aumento do imposto sobre as vendas. Mais importante, vai continuar a colocar a economia do Japão numa trajectória de crescimento sustentável. Disso tenho a certeza.

 

Shinzo Abe é primeiro-ministro do Japão

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Raquel Godinho

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