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26 de Novembro de 2015 às 20:30

A China não está a colapsar

Uma questão dominou o encontro deste ano do Fundo Monetário Internacional no Peru: o abrandamento económico da China vai impulsionar uma nova crise financeira agora que o mundo está a adormecer a anterior? Mas a constatação subjacente a esta questão – que a China é agora o elo mais fraco da economia mundial – é altamente suspeita.

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A China certamente viveu um Verão turbulento devido a três factores: fraqueza económica, pânico financeiro e resposta política a estes problemas. Embora nenhum destes sozinho teria ameaçado a economia mundial, o perigo surgiu a partir de uma interacção de auto-reforço entre eles: os fracos dados económicos levam a turbulência financeira, que induz a decisões políticas erradas que, por sua vez, impulsionam mais pânico financeiro, fraqueza económica e erros políticos.

 

Tal auto-reforço do "feedback" financeiro é muito mais poderoso na transmissão do contágio económico mundial do que as exposições comerciais ou o comércio comum, como o mundo aprendeu em 2008-2009. A questão agora é saber se o círculo vicioso que começou na China durante o Verão vai continuar.

 

Uma resposta sensata deve distinguir entre as percepções financeiras e a realidade económica. O abrandamento do crescimento da China em si não é surpreendente ou alarmante. Como o FMI notou, a taxa de crescimento da China tem descido de forma estável durante cinco anos – de 10,6% em 2010 para uma taxa estimada de 6,8% este ano e 6,3% em 2016.

 

Esta desaceleração era inevitável pois a China avançou de extrema pobreza e atraso tecnológico para se tornar uma economia de rendimento médio alimentada pelo comércio externo e pelo consumo. Também era desejável, pois o rápido crescimento estava a afectar os limites ambientais.

 

Mesmo que o ritmo de crescimento abrande, a China está a contribuir mais para a economia mundial do que nunca, porque o seu PIB actual é de 10,3 biliões de dólares, mais do que apenas 2,3 biliões de dólares em 2005. A aritmética simples demonstra que os 10,3 biliões de dólares que representam um crescimento de 6% ou 7% produzem números muito maiores do que o crescimento de 10% a partir de uma base que é quase cinco vezes menor. Este efeito de base também significa que a China vai continuar a absorver mais recursos naturais do que antes, apesar das suas menores perspectivas de crescimento.

 

Ainda que a China esteja a causar grande ansiedade, especialmente nos países emergentes, sobretudo porque os mercados financeiros se convenceram a eles próprios de que a sua economia não está apenas a abrandar, mas a cair de um precipício. Muitos economistas ocidentais, especialmente nas instituições financeiras, tratam o crescimento oficial do PIB de cerca de 7% como uma invenção política – e a última confirmação do FMI da sua estimativa de 6,8% não os deverá convencer. Apontam para as estatísticas do aço, carvão e construção, que realmente estão a colapsar em muitas regiões chinesas, e para as exportações, que estão a crescer muito menos do que no passado.

 

Mas porque é que os cépticos aceitam a verdade dos dados sombrios do governo para a construção e a produção de aço – 15% e 4% abaixo, respectivamente, nos doze meses até Agosto – e, assim, recusar os dados oficiais que demonstram um crescimento de 10,8% nas vendas a retalho?

 

Uma razão pode ser encontrada no conceito do financeiro George Soros de "reflexividade". Soros tem argumentado durante anos que os mercados financeiros podem criar expectativas desadequadas e, assim, alterar a realidade de acordo com elas. Isto é oposto do processo descrito nos livros didácticos e construído nos modelos económicos, que sempre assumem que as expectativas financeiras se adaptam à realidade, e não o contrário.

 

Num exemplo clássico de reflexividade, quando a subida do mercado accionista da China colapsou em Julho, o governo respondeu com uma tentativa no valor de 200 mil milhões de dólares para suportar os preços, seguida de perto por uma pequena desvalorização do anteriormente estável renminbi. Os analistas financeiros quase universalmente ridicularizaram estas políticas e castigaram os líderes chineses por abandonarem as suas pretensões anteriores das reformas orientadas pelo mercado. O aparente desespero do governo foi visto como evidência de que o problema da China era maior do que foi antes revelado.

 

Esta crença rapidamente se tornou realidade, pois os analistas de mercado turvaram a distinção entre o abrandamento do crescimento e o colapso económico. Em meados de Setembro, por exemplo, quando o índice de gestores de compras (PMI) desceu para 47 pontos o resultado foi, em geral, reportado ao longo destas linhas: "o índice indica agora a contracção do sector [da produção] pelo sétimo mês consecutivo".

 

De facto, a indústria chinesa estava a crescer entre 5-7% ao longo desse período. A suposta evidência estava errada porque os 50 pontos não dividem a linha do PMI entre crescimento e recessão, mas entre aceleração e abrandamento. De facto, em 19 dos 36 meses de existência do PMI, o valor ficou abaixo dos 50 pontos, enquanto o crescimento da indústria foi de 7,5%, em média.

 

Exageros deste tipo têm minado a confiança na política chinesa num período particularmente perigoso. A China está agora a navegar uma transição económica complexa, que envolve três objectivos, por vezes, conflituantes: criar uma economia de mercado baseada no consumo; reformar o sistema financeiro; e assegurar um abrandamento ordenado que evita o colapso económico frequentemente acompanhado pela reestruturação industrial e pela liberalização financeira.

 

A gestão bem-sucedida deste trio vai requerer um malabarismo ágil das prioridades – o que se torna muito mais difícil se os responsáveis políticos chineses perderem a confiança dos investidores internacionais ou, mais importante, dos próprios cidadãos e empresas chinesas.

 

Os círculos viciosos da instabilidade económica, desvalorização e fuga de capital abateram regimes aparentemente inquebráveis ao longo da história. Isto provavelmente explica o cheiro de pânico que se seguiu na China à tímida, mas totalmente inesperada, desvalorização do renminbi.

 

O renminbi, contudo, estabilizou recentemente, e a fuga de capitais diminuiu, como evidenciado pelos dados melhores do que o esperado das reservas divulgados pelo Banco Popular da China, a 7 de Outubro. Isto sugere que a política do governo de mudar gradualmente para uma taxa de câmbio baseada no mercado pode ter sido melhor executada do que geralmente se acreditou; mesmo medidas para suportar o mercado accionista agora parecem menos fúteis do que em Julho.

 

Em suma, a gestão económica chinesa parece menos incompetente do que parecia há uns meses. De facto, a China pode provavelmente evitar a turbulência financeira amplamente temida no Verão. Se assim fot, outras economias emergentes ligadas a percepções sobre a saúde económica da China deverão também estabilizar.

 

O mundo aprendeu desde 2008 como é perigoso que as expectativas financeiras possam interagir com enganos políticos, tornando problemas económicos modestos em grandes catástrofes, primeiro nos Estados Unidos e depois na Zona Euro. Seria irónico se os líderes comunistas da China se virassem para um melhor entendimento das interacções reflexivas do capitalismo nas finanças, a economia real, e do governo do que os devotos dos mercados livres do Ocidente.

 

Anatole Kaletsky é economista-chefe e presidente do Gavekal Dragonomics e autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Raquel Godinho

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