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02 de Julho de 2013 às 00:01

A experiência do dinheiro ultrafácil

Evocando a máxima de John Maynard Keynes de que "o mundo é governado maioritariamente" pelas " ideias dos economistas e dos filósofos políticos", talvez os políticos precisem de novas ideias.

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Os bancos centrais do mundo estão envolvidos numa das maiores experiências políticas da história moderna: o dinheiro ultrafácil. E, à medida que a experiência continua, o risco de fracasso - e, portanto, as dolorosas correcções e transformações económicas profundas que se seguiriam - tem aumentado. 


Na sequência da crise que começou em 2007, as taxas de juro foram reduzidas para níveis sem precedentes, onde actualmente permanecem, tendo também sido implementadas medidas para diminuir as taxas de juro a longo prazo. Nada assim foi antes visto à escala global, nem mesmo no auge da Grande Depressão. Além disso, o balanço de muitos bancos centrais tem-se expandido para níveis recorde, embora de diferentes maneiras e para diferentes propósitos – fazendo sobressair ainda mais o carácter experimental da flexibilização monetária em curso.

Os riscos implicados em tais políticas requerem um exame cuidadoso, particularmente porque a experiência parece ser mais um passo para um caminho bem trilhado – o caminho que em primeiro lugar conduziu à crise.

Desde a flexibilização acentuada que ocorreu no seguimento do colapso do mercado accionista de 1987, a política monetária tem sido utilizada agressivamente face a cada crise económica (ou até mesmo antecipando a crise) desde então – em 1991, 1998, 2001, e, com pujança, desde os acontecimentos de 2007. Além disso, o subsequente aperto cíclico foi sempre menos agressivo do que a flexibilização anterior. Não é nenhuma surpresa, então, que as taxas de juro (tanto nominal como real) tenham diminuído continuamente para os níveis de hoje.

Pode, é claro, ser argumentado que estas políticas produziram a "Grande Moderação" – a redução da volatilidade cíclica – que caracteriza o mercado das economias desenvolvidas nos anos anteriores a 2007. Porém, também pode ser argumentado que cada ciclo de flexibilização monetária culminou em "altos e baixos" impulsionados pelo crédito que, em seguida, tiveram de ser atendidos por um novo ciclo de flexibilização. Com a alavancagem e a especulação a aumentar numa base cumulativa, todo este processo estava determinado a acabar com a perda de eficácia da política monetária e com o sofrimento da economia devido ao peso dos desequilíbrios (ou "ventos contrários") acumulados ao longo de muitos anos.

O economista sueco Knut Wicksell alertou para estes problemas há muito tempo. Wicksell sugeriu que uma taxa de juro monetária (fixada pelo sistema bancário) menor que a taxa de juro natural (fixada pela economia real) resultaria em inflação. Mais tarde, economistas da escola austríaca consideraram que os desequilíbrios que afectam a economia real ("maus investimentos") eram igualmente preocupantes.

Ainda mais tarde, Hyman Minsky argumentou que a criação de crédito numa economia monetária com base numa moeda fiduciária tornava as crises económicas inevitáveis. Por último, muitos economistas nas últimas décadas têm considerado que a alavancagem excessiva pode causar danos duradouros tanto ao lado real como ao lado financeiro da economia.

Olhando para o mundo antes de 2007, havia amplas evidências para justificar tais preocupações teóricas. Se, por um lado, a globalização estava a sustentar a inflação, por outro o lado real da economia mundial plasmava muitas tendências incomuns. As taxas de poupança das famílias das economias anglo-saxónicas caíram para níveis sem precedentes. Na Europa, os fluxos de crédito dos países periféricos conduziram a um "boom" sem precedentes nos mercados imobiliários de muitos países. Na China, o investimento de capital fixo aumentou para uns surpreendentes 40% do PIB.

Além disso, semelhantes tendências incomuns caracterizaram o lado financeiro da economia. Um novo sistema de "shadow banking" evoluiu, com características altamente pró-cíclicas, e os padrões de empréstimo caíram abruptamente, ainda que a alavancagem financeira e os preços dos activos tenham subido para níveis extremamente elevados.

As políticas monetárias seguidas pelos bancos centrais desde 2007 têm sido essencialmente "mais do mesmo". As políticas têm sido direccionadas para o aumento da procura agregada sem qualquer preocupação séria com as consequências não desejadas a longo prazo.

Mas é cada vez mais claro que a política monetária ultrafácil está a impedir o processo necessário de desalavancagem, ameaçando a "independência" dos bancos centrais, aumentando o preço dos activos (especialmente as obrigações) para níveis insustentáveis, e incentivando os governos a resistir às mudanças políticas necessárias. Os líderes dos principais bancos centrais têm afirmado repetidamente que as suas políticas são apenas para "ganhar tempo" até que os governos tomem as decisões certas. O que não está claro é se alguém tem prestado atenção.

Um obstáculo importante à reforma de políticas, tanto por parte dos governos como dos bancos centrais, é analítico. Os modelos tradicionais utilizados pelos académicos e pelos decisores políticos diferem em aspectos importantes, mas são tristemente semelhantes em outros. Esses modelos enfatizam fluxos de procura a curto prazo e presumem um mundo estruturalmente estável, em que as probabilidades podem ser atribuídas a resultados futuros – ignorando, assim, a incerteza, a acumulação dos produtos e os desequilíbrios financeiros que caracterizam o mundo real.

Evocando a máxima de John Maynard Keynes de que "o mundo é governado maioritariamente" pelas " ideias dos economistas e dos filósofos políticos", talvez os políticos precisem de novas ideias. Se assim for, o prognóstico imediato para a economia global não é bom. A última moda em conselhos políticos é, essencialmente ainda, mais do mesmo.

A tendência do "financiamento monetário imediato" envolve elevar ainda mais os défices públicos e financiá-los através de um aumento permanente da base monetária emitida pelos bancos centrais. Definir o nível do PIB nominal (ou a taxa de desemprego, como nos Estados Unidos) é uma maneira de convencer os mercados financeiros e os potenciais investidores de que as taxas de juro se vão manter muito baixas durante muito tempo. Todas estas políticas correm o risco de aumentar a inflação ou gerar desequilíbrios económicos ainda mais perigosos.

Infelizmente, uma reavaliação fundamental das ideias dominantes sobre o funcionamento da economia não é iminente. Deveria ser.

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