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19 de Julho de 2006 às 13:59

Um descalabro estratégico no Líbano

Eliminar o Hizballah como força militar com capacidade para atacar Israel é o objectivo imediato de Telavive na frente de guerra libanesa, mas as implicações políticas obrigam a rever os pressupostos sobre a segurança do estado judaico.

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A oportunidade para Telavive atacar o Hizaballah surgiu quando o líder xiita Hassan Nasrallah abriu as hostilidades numa tentativa de criar uma frente alargada de luta contra Israel - cavalgando a onda de confrontos em Gaza - e de paralisar as veleidades anti-sírias do governo de Beirute que passavam pelo desarmamento das milícias xiitas.

O patrocínio sírio - com Bashar al Assad enfraquecido pela retirada forçada do Líbano no ano passado e sob inquirição da ONU no assassínio do chefe de governo libanês Rafic Hariri - e o apoio de Teerão, grata por mais uma carta negocial na questão nuclear, bastaram a Nasrallah para se lançar ao ataque.

O Hizballah precisava, igualmente, de reforçar a sua posição face às crescentes críticas no governo de coligação de Beirute à recusa das milícias xiitas em desarmarem em contravenção à Resolução 1559 adoptada pelo Conselho de Segurança da ONU, em Setembro de 2004.

Apesar de o Hizballah ter conseguido fazer reconhecer ainda no início deste ano o seu estatuto de «movimento de resistência legítimo» por parte do primeiro-ministro Fouad Siniora, a questão do desarmamento das milícias xiitas (mas, também, dos grupos palestinianos sunitas) e o alargamento do controlo governamental à totalidade do país (designadamente à zona fronteiriça com Israel) continuavam a ser levantadas pelos partidos druzos, sunitas e cristãos.

A cooperação das forças de segurança de Beirute com o FBI no desmantelamento de uma célula terrorista alegadamente implicada no planeamento de um ataque terrorista a um túnel ferroviário entre Nova Jérsia e Manhattan (anunciado no início deste mês, mas resultando de uma operação que decorria desde o principio do ano) foi mais um sinal de que, a prazo, a coligação anti-síria poderia fazer perigar o estatuto especial reclamado pelo Hizballah.

Nasrallah precisava de avançar e fazer valer as suas credenciais de único líder árabe que alguma vez conseguiu fazer frente a Israel, obrigando-a a retirar em 2000 e a aceitar quatro anos depois a libertação de 30 presos libaneses e 420 detidos palestinianos a troco dos cadáveres de três soldados israelitas e de um empresário judeu capturado no Líbano, além da entrega de mapas dos campos de minas estabelecidos por exército de Israel no sul do país.

Libertar os presos árabes das cadeias israelitas e reforçar a aliança com o Hamas - que data de Dezembro de 1992 quando o Hizballah tomou a seu cargo a segurança dos 414 militantes islamitas palestinianos deportados por Israel para o sul do Líbano - foram os objectivos proclamados por Nasrallah que, assim, tentava, uma vez mais, transcender as limitações derivadas do carácter minoritário xiita do seu movimento.

A impossível solução militar

A reacção israelita, previsível no caso de um governo de coligação liderado por políticos sem credenciais militares e apostados num plano controverso de redefinição unilateral de fronteiras, acarretou uma escalada militar tanto mais irremediável quanto erros e insuficiências de informação e análise sobre as capacidades do Hizballah se fizeram sentir.

O alegado «aventureirismo» do Hizballah, condenado pelas potências árabes sunitas, como a Arábia Saudita, tementes de mais uma derrocada dos frágeis equilíbrios políticos e comunitários que desde o início dos anos 90 poupam o Líbano à guerra civil, é justificado pela autoconfiança de uma força política que ganhou respeito para a desprezada comunidade xiita e que se orgulha de ter expulso contingentes norte-americanos e franceses em atentados terroristas nos anos oitenta e de bater-se vitoriosamente contra Israel.

Desde os anos 80, com o patrocínio iraniano e, posteriormente, sírio, o Hizballah conseguiu transformar um movimento guerrilheiro num partido político armado e tutelar uma extensa rede assistencial e educativa, que tornam impossível o seu mero esmagamento militar, à semelhança do que se passa com o Hamas em Gaza.

O sério risco de desagregação do regime de Bashar al Assad - da perda do poder por parte da minoria alauíta e do previsível ajuste de contas dos Irmãos Muçulmanos sunitas em retaliação pelo massacre de Hama, em 1982 - garante ao Hizballah suficiente cobertura política da Síria que só conta no Líbano com o apoio de forças xiitas.

Uma vez mais ao lado de Teerão, Damasco pode, por sua vez, contar com o Hizballah para recuperar capacidade negocial e surgir, outra vez, como mediador de uma crise libanesa e israelo-libanesa.

A curto prazo o Hizballah sairá militarmente enfraquecido pela violência da retaliação militar israelita, mas, como exemplares islamitas, os militantes xiitas ganharão, uma vez mais, prestígio ante os sunitas palestinianos pela sua intransigência frente ao inimigo sionista e tornarão inviável qualquer tentativa de consenso político no Líbano dado que hegemonizam a comunidade xiita que representa cerca de 40 por cento dos quatro milhões de habitantes do país.

Nenhum poder no Líbano será capaz, contra a Síria e a comunidade xiita, de desarmar as milícias do Hizballah e, reconhecendo esta realidade, as sugestões diplomáticas de Israel passam essencialmente pela exigência de retirada dos guerrilheiros da fronteira sul, contando com a eventual capacidade dos cerca de 60 mil homens do exército libanês para controlarem a região.

A hipótese de reforço da UNIFIL, instituída em 1978, poderá criar uma zona desmilitarizada na fronteira com Israel, mas a presença de um contingente alargado da ONU com poderes para retaliar a eventuais ataques, só fará sentido se servir como etapa transitória para o exército libanês tomar controlo da região.

Os equilíbrios políticos no Líbano tornar-se-ão, no entanto, ainda mais frágeis quer o Hizballah seja isolado e afastado da coligação governamental, quer reforce o seu peso após o cessar-fogo. O estado libanês e o seu exército correm o sério risco de desagregação e o retorno dos confrontos comunitários poderá condenar o país ao papel tradicional de palco de conflito das potências regionais por peões interpostos.

O fim das retiradas unilaterais

O retorno da questão libanesa e, por extensão, dos termos de acomodação com a Síria e retirados dos Montes Golã, obriga Israel a representar a sua estratégia regional.

O plano de retirada unilateral da Cisjordânia, mesmo limitado a áreas onde residem 80 mil dos 240 mil colonos judeus, deixou de ter condições para avançar. O confronto em Gaza entre o Hamas e a Fatah e a impossibilidade de evitar ataques a partir do enclave já tinham posto em causa a ideia de que seria possível isolar Israel dos territórios palestinianos.

Ainda assim, Ehud Olmert e os aliados trabalhistas pensavam ser possível avançar para uma segunda retirada cujos termos passavam por controlar militarmente o vale do Jordão de forma a isolar a Cisjordânia do reino haxemita e anexar os territórios onde se situam os colonatos de Ariel, a sul de Nablus, Maale Adoumin, a leste de Jerusalém, Etzion, a sul de Belém, além de outros núcleos de colonização junto a Ramallah, Nablus e Hebron.

A lógica de segurança implicava que controlos militares no terreno e o muro da Cisjordânia obviassem ou reduzissem significativamente atentados suicidas e ataques de guerrilha a partir dos territórios abandonados, mas o choque provocado pelos lançamentos de mísseis a partir do sul do Líbano e de Gaza mostrou que a guerra de atrito não se limita a incursões armadas pontuais de guerrilheiros ou a atentados suicidas.

Tornou-se claro para os estrategos de Telavive que só entidades clientelares no Líbano e nos territórios palestinianos, com reais capacidades de controlo militar e policial, podem oferecer garantias de segurança a Israel.

Todas as tentativas nesse sentido falharam nos anos 80 e 90 no Líbano (apoio à Falange cristã maronita, criação do Exército do Sul do Líbano) e nunca tiveram qualquer hipótese de exequibilidade nos territórios palestinianos.

A degradação da situação em Gaza e a ascensão do Hamas retiraram qualquer fundamento à ilusão de que seria possível isolar os territórios e reduzir o recurso à mão-de-obra palestiniana, sem que a crise política, económica e social transbordasse em actos de violência além das linhas de fronteira impostas por Israel.

Fracassou, assim, o plano de Ariel Sharon de definir unilateralmente fronteiras mediante a neutralização militar e o isolamento diplomático do inimigo palestiniano. Tal como o Hizballah, também os militantes palestinianos apresentam o risco de em devido tempo virem a armar-se de mísseis com alcance suficiente para bombardear os principais centros urbanos de Israel.

A garantia defensiva de profundidade estratégica mínima não faz sentido para o estado judaico ante inimigos determinados e apostados numa guerra de atrito de baixa intensidade.

O Hizballah, expressão islamita das reivindicações xiitas no Líbano, e o Hamas, alternativa islamita sunita ao fracasso do nacionalismo laico palestiniano, representam uma cultura de violência e de rejeição ideológica que Israel não pode extirpar por recurso exclusivo à força, como fez no passado.

Retomar as negociações

Outros elementos que guiavam o pensamento estratégico de Sharon permanecem válidos como sejam a manutenção de uma capacidade de dissuasão e projecção de força superior a todos os estados vizinhos, incluindo a componente nuclear, a coesão étnica e a preservação da aliança com os Estados Unidos, mas todas as óbvias insuficiências da política do mentor de Olmert são, também, mais claras do nunca.

Nenhum projecto de preservação do estado judaico num contexto regional essencialmente hostil pode assentar na recusa política e simbólica em partilhar Jerusalém, cedendo a parte oriental da cidade, e ignorar que a manutenção do carácter judaico e democrático do estado obriga a integrar com direito plenos a minoria árabe, tendo em conta as projecções demográficas que apontam para que os cidadãos árabes venham a passar de 16 para 22 por cento da população total de Israel em 2025, agravadas pelo fim da imigração judia em larga escala.

Um estado palestiniano reduzido a Gaza e áreas desconexas da Cisjordânia humilhado e ofendido pela recusa de concessões na questão das indemnizações a quatro milhões de refugiados nunca será consolo nem para um povo que se crê espoliado, nem para os judeus que se sentem ameaçados.

A reabertura da frente libanesa veio mostrar que a questão palestiniana condiciona todo o contexto regional e obriga Israel, após afastar as ameaças terroristas mais imediatas, a retomar negociações e avançar com concessões políticas que possam vir a permitir a pouco e pouco a emergência de forças alternativas aos movimentos islamistas e rejeicionistas apostados no recurso à violência.

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