Opinião
Revigorar os ricos para ajudar os pobres
Pela terceira vez em cinco anos, os países mais pobres do mundo estão em risco de serem atingidos por uma crise para a qual não contribuíram - um abrandamento económico provocado pela turbulência financeira nas economias mais avançadas do mundo.
Depois de passarem pelo choque alimentar e petrolífero em 2007 e 2008, e pela crise financeira global que se seguiu, os países mais pobres enfrentam agora perturbações ainda maiores. E, tendo em conta a actual interdependência do mundo globalizado, a turbulência dos países mais pobres vai ter consequências indesejadas para todos, ricos e pobres.
No auge da crise global de 2009, muitos países pobres passaram por um período de abrandamento económico, marcado pela queda das exportações, das remessas dos trabalhadores expatriados e do investimento estrangeiro. As consequências sociais foram severas: o Banco Mundial estima que, no final de 2010, mais 64 milhões de pessoas viviam na pobreza extrema.
Ainda assim podia ter sido muito pior. Graças às enormes melhorias no desempenho político ao longo da última década, os países mais pobres entraram nestas crises muito melhor posicionados do que no passado para enfrentar os choques. Estes países têm agora défices orçamentais e de conta corrente muito mais baixos, baixa inflação, maiores reservas internacionais e, graças ao alívio da dívida, um peso da dívida menor.
Assim, a maioria dos países conseguiram manter, ou mesmo aumentar, os gastos apesar de terem registado uma queda nas receitas e de terem permitido a subida do défice. Esse apoio permitiu um crescimento económico, ao mesmo tempo que contribuiu para que fossem realizados importantes investimentos e implementados os programas sociais necessários para diminuir as necessidades das pessoas mais pobres. A desaceleração também foi relativamente curta, em parte devido à maior abertura ao comércio mundial que as economias de mais baixo rendimento têm registado na última década.
Mas estes países continuam a ser altamente vulneráveis. Muitos ainda não tiveram tempo suficiente para reconstruir as políticas que lhes serviram tão bem no passado recente. Existem menos munições no arsenal orçamental, os défices das contas-correntes aumentaram, as reservas diminuíram e os níveis da dívida aumentaram significativamente em alguns países. Para além disso, com as economias desenvolvidas a enfrentarem pressões orçamentais, a ajuda externa pode vir a ser severamente limitada nos próximos tempos. Nestas circunstâncias, não é de todo certo que os países mais pobres possam vir a ter acesso a um financiamento adicional.
Como resultado, uma nova recessão mundial atingiria gravemente os países de mais baixo rendimento. Simulações realizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sugerem que um declínio no crescimento global de 1,5 pontos percentuais poderia, devido ao seu impacto sobre os fluxos comerciais e financeiros, gerar uma diminuição de 27 mil milhões de dólares no financiamento externo em 2012. O que também conduziria mais 23 milhões de pessoas, a maioria delas na África Subsaariana e na Ásia, para a pobreza.
O que podem fazer os países para se ajudar a si próprios? Apesar do espaço para estímulos orçamentais ser mais limitado do que em 2009, os países que ainda tenham esse espaço e que disponham de financiamento disponível devem manter os níveis de gastos, preservar os programas sociais e investir em infra-estruturas. Os países com uma inflação moderada poderiam ser mais assertivos nas políticas monetárias e cambiais.
Uma das principais prioridades para 2012, e para os anos subsequentes, deve ser a criação de uma maior resiliência face aos choques. Os países mais pobres devem aumentar as suas bases de receita, para reduzir a dependência do financiamento externo, ao mesmo tempo que melhoram a eficiência das despesas. Em particular, medidas que conduzam à melhoria da cobertura e da segmentação das redes de Segurança Social seriam benéficas, mesmo no longo prazo, para proteger os mais pobres no caso de uma desaceleração global ainda mais acentuada. Vários países, incluindo a Arménia, o Burkina Faso, a Serra Leoa, o Gana e o Quénia, já deram passos bem sucedidos nessa direcção, utilizando meios já testados como a distribuição de vales alimentares, benefícios maternos e familiares, serviços sociais para as escolas, e transferências de dinheiro para os grupos mais vulneráveis, como, por exemplo, os órfãos.
A longo prazo, os países de baixo rendimento beneficiariam se diversificassem as suas economias, evitando, dessa foram, a excessiva dependência de alguns produtos e de certos parceiros comerciais. As economias mais diversificadas também são susceptíveis de proporcionar um crescimento mais inclusivo - um crescimento que gera empregos para mais pessoas, e que distribui os seus benefícios de forma mais ampla. A fim de impulsionar as perspectivas de crescimento a longo prazo e a produtividade, os países mais pobres também terão de atender às enormes necessidades de infra-estruturas, especialmente nas áreas da energia e dos transportes.
O que podemos fazer para ajudar? O FMI está pronto para ajudar através de aconselhamento político, apoio financeiro e assistência técnica. Conseguimos aumentar a nossa capacidade de empréstimos para 17 mil milhões de dólares até 2014, e duplicámos o montante que os países podem usufruir. Também cortámos as taxas de juros em todos os empréstimos concedidos para zero até 2012. Tornámos os nossos instrumentos de crédito mais flexíveis, de modo a que o apoio financeiro possa mais rapidamente chegar aos nossos membros, deixando espaço suficiente para que os investimentos prioritários se mantenham de modo a apoiar o crescimento e a proteger os mais vulneráveis.
A melhor forma da comunidade internacional ajudar os países de baixo rendimento é garantir que as economias avançadas voltam a ter as suas casas em ordem e restaurar um forte e sustentável crescimento global. Isso vai ajudar a garantir que os países mais pobres se mantêm no caminho certo e que podem consolidar e ampliar as impressionantes conquistas da última década.
Christine Lagarde é directora-geral do Fundo Monetário Internacional
© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
No auge da crise global de 2009, muitos países pobres passaram por um período de abrandamento económico, marcado pela queda das exportações, das remessas dos trabalhadores expatriados e do investimento estrangeiro. As consequências sociais foram severas: o Banco Mundial estima que, no final de 2010, mais 64 milhões de pessoas viviam na pobreza extrema.
Assim, a maioria dos países conseguiram manter, ou mesmo aumentar, os gastos apesar de terem registado uma queda nas receitas e de terem permitido a subida do défice. Esse apoio permitiu um crescimento económico, ao mesmo tempo que contribuiu para que fossem realizados importantes investimentos e implementados os programas sociais necessários para diminuir as necessidades das pessoas mais pobres. A desaceleração também foi relativamente curta, em parte devido à maior abertura ao comércio mundial que as economias de mais baixo rendimento têm registado na última década.
Mas estes países continuam a ser altamente vulneráveis. Muitos ainda não tiveram tempo suficiente para reconstruir as políticas que lhes serviram tão bem no passado recente. Existem menos munições no arsenal orçamental, os défices das contas-correntes aumentaram, as reservas diminuíram e os níveis da dívida aumentaram significativamente em alguns países. Para além disso, com as economias desenvolvidas a enfrentarem pressões orçamentais, a ajuda externa pode vir a ser severamente limitada nos próximos tempos. Nestas circunstâncias, não é de todo certo que os países mais pobres possam vir a ter acesso a um financiamento adicional.
Como resultado, uma nova recessão mundial atingiria gravemente os países de mais baixo rendimento. Simulações realizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sugerem que um declínio no crescimento global de 1,5 pontos percentuais poderia, devido ao seu impacto sobre os fluxos comerciais e financeiros, gerar uma diminuição de 27 mil milhões de dólares no financiamento externo em 2012. O que também conduziria mais 23 milhões de pessoas, a maioria delas na África Subsaariana e na Ásia, para a pobreza.
O que podem fazer os países para se ajudar a si próprios? Apesar do espaço para estímulos orçamentais ser mais limitado do que em 2009, os países que ainda tenham esse espaço e que disponham de financiamento disponível devem manter os níveis de gastos, preservar os programas sociais e investir em infra-estruturas. Os países com uma inflação moderada poderiam ser mais assertivos nas políticas monetárias e cambiais.
Uma das principais prioridades para 2012, e para os anos subsequentes, deve ser a criação de uma maior resiliência face aos choques. Os países mais pobres devem aumentar as suas bases de receita, para reduzir a dependência do financiamento externo, ao mesmo tempo que melhoram a eficiência das despesas. Em particular, medidas que conduzam à melhoria da cobertura e da segmentação das redes de Segurança Social seriam benéficas, mesmo no longo prazo, para proteger os mais pobres no caso de uma desaceleração global ainda mais acentuada. Vários países, incluindo a Arménia, o Burkina Faso, a Serra Leoa, o Gana e o Quénia, já deram passos bem sucedidos nessa direcção, utilizando meios já testados como a distribuição de vales alimentares, benefícios maternos e familiares, serviços sociais para as escolas, e transferências de dinheiro para os grupos mais vulneráveis, como, por exemplo, os órfãos.
A longo prazo, os países de baixo rendimento beneficiariam se diversificassem as suas economias, evitando, dessa foram, a excessiva dependência de alguns produtos e de certos parceiros comerciais. As economias mais diversificadas também são susceptíveis de proporcionar um crescimento mais inclusivo - um crescimento que gera empregos para mais pessoas, e que distribui os seus benefícios de forma mais ampla. A fim de impulsionar as perspectivas de crescimento a longo prazo e a produtividade, os países mais pobres também terão de atender às enormes necessidades de infra-estruturas, especialmente nas áreas da energia e dos transportes.
O que podemos fazer para ajudar? O FMI está pronto para ajudar através de aconselhamento político, apoio financeiro e assistência técnica. Conseguimos aumentar a nossa capacidade de empréstimos para 17 mil milhões de dólares até 2014, e duplicámos o montante que os países podem usufruir. Também cortámos as taxas de juros em todos os empréstimos concedidos para zero até 2012. Tornámos os nossos instrumentos de crédito mais flexíveis, de modo a que o apoio financeiro possa mais rapidamente chegar aos nossos membros, deixando espaço suficiente para que os investimentos prioritários se mantenham de modo a apoiar o crescimento e a proteger os mais vulneráveis.
A melhor forma da comunidade internacional ajudar os países de baixo rendimento é garantir que as economias avançadas voltam a ter as suas casas em ordem e restaurar um forte e sustentável crescimento global. Isso vai ajudar a garantir que os países mais pobres se mantêm no caminho certo e que podem consolidar e ampliar as impressionantes conquistas da última década.
Christine Lagarde é directora-geral do Fundo Monetário Internacional
© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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