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23 de Outubro de 2009 às 11:51

Reinventar a economia

O fracasso generalizado dos economistas para prever a crise financeira que teve início em 2008 tem muito a ver com modelos defeituosos. A falta de modelos acertados significa que os decisores políticos e os bancos centrais não receberam nenhum aviso sobre...

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O fracasso generalizado dos economistas para prever a crise financeira que teve início em 2008 tem muito a ver com modelos defeituosos. A falta de modelos acertados significa que os decisores políticos e os bancos centrais não receberam nenhum aviso sobre o que ia acontecer.

Como George Akerlof e eu defendemos no nosso recente livro Animal Spirits, a actual crise financeira foi provocada por bolhas especulativas nos mercados imobiliário, bolsistas, energético e outros mercados de matérias-primas. As bolhas são provocadas por reacções em cadeia: a subida dos preços especulativos encoraja o optimismo, que, por sua vez, encoraja mais compras e que consequentemente leva a novos aumentos dos preços especulativos - até ao "crash".

No entanto, a palavra "bolha" não se encontra na maioria dos tratados e livros de economia. Da mesma forma, uma pesquisa nos documentos produzidos por bancos centrais de departamento de economia mostra que a palavra "bolha" é poucas vezes mencionada. De facto, a ideia de que as bolhas existem tornou-se algo tão vergonhoso na área económica e financeira que falar delas num seminário sobre economia é o mesmo que falar de astrologia num grupo de astrónomos.

O problema fundamental é que uma geração inteira de macroeconomistas aceitaram uma teoria que continha um erro na sua essência: o axioma de que as pessoas são totalmente racionais. E como mostrou o estatístico Leonard "Jimmie" Savage em 1954, se as pessoas seguem certos axiomas de racionalidade, devem comportar-se como se conhecessem todas as probabilidades e fizessem todos os cálculos necessários.

Assim, os economistas assumem que as pessoas usam, de facto, toda a informação disponível e sabem, ou comportam-se como se soubessem, todas as probabilidades de todos os eventos futuros concebíveis. Não são influenciadas por nada, a não ser os factos, e as probabilidades são assumidas como factos. Actualizam estas probabilidades assim que existe nova informação disponível. Assim, qualquer alteração no seu comportamento deve ser atribuída à sua resposta racional à informação verdadeiramente nova. E, se os actores económicos são sempre racionais, então a existência de bolhas - respostas irracionais do mercado - é impossível.

Mas a abundante evidência psicológica mostrou que as pessoas não satisfazem o axioma de racionalidade de Savage. Este é o elemento central da revolução que afectou a economia comportamental durante a última década.

De facto, as pessoas desconhecem, na maior parte das vezes, as probabilidades de eventos económicos futuros. Vivem num mundo em que as decisões económicas são ambíguas, já que o futuro não parece ser uma mera repetição de um passado quantificável. Para muitas pessoas, parece sempre que "desta vez é diferente".

O trabalho dos neurocientistas Scott Huettel e Michael Platt da Universidade de Duke demonstrou, através de ressonâncias magnéticas, que "em contextos de incerteza, a tomada de decisão não é mais complexa. Em vez disso, as duas formas de incerteza são apoiadas por diferentes mecanismos". Por outras palavras, diferentes partes do cérebro e circuitos emocionais estão envolvidos quando a incerteza está presente.

O economista matemático Donald J. Brown e a psicóloga Laurie R. Santos, da Universidade de Yale, estão a realizar experiências com seres humanos para tentar perceber como varia ao longo do tempo a tolerância humana no processo de decisão económica em situações de incerteza. A sua teoria revela "que os 'bull markets' caracterizam-se por comportamentos que procuram a incerteza e os 'bear markets' por comportamentos que evitam a incerteza". Estes comportamentos são aspectos da alteração de confiança, um fenómeno que estamos apenas a começar a entender.

A teoria puramente racional continua a ser útil para muitas coisas. Pode ser aplicada com cuidado em áreas em que as consequências de violar o axioma Savage não são muito graves. Os economistas também acertaram quando aplicaram esta teoria a uma série de questões microeconómicas, como por exemplo, porque estabelecem os monopolistas preços mais elevados.

Mas a teoria tem sido sobreaproveitada. Por exemplo, o "Modelo de Equilíbrio Geral Dinâmico e Estocástico da Zona Euro" desenvolvido por Frank Smets do Banco Central Europeu e Raf Wouters do Banco Nacional da Bélgica fornece uma lista precisa dos choques externos que devem impulsionar a economia. Mas em lado nenhum se assumiu a existência de bolhas: a economia não faz nada mais do que responder de forma totalmente racional a estes choques externos.

Milton Friedman (mentor de Savage e co-autor) e Anna J. Schwartz no livro "História Monetária dos Estados Unidos", de 1963, mostram que as anomalias da política monetária - exemplo típico de um choque externo - foram um factor importante na Grande Depressão de 1929.

Economistas como Barry Eichengreen, Jeffrey Sachs e Ben Bernanke têm ajudado a perceber que estas anomalias foram o resultado do esforço individual dos bancos centrais para permanecerem no padrão ouro, obrigando-os a manter as taxas de juro relativamente altas apesar do fraqueza da economia.

Para alguns, esta revelação representa um evento culminante para a teoria económica. A pior crise económica do século XX foi explicada - e foi sugerida uma forma de a corrigir - com uma teoria que não dependia de bolhas.

Ainda assim, eventos como a Grande Depressão, bem como a recente crise, nunca vão ser totalmente entendidos sem percebermos as bolhas. O facto dos erros da política monetária terem sido uma causa importante da Grande Depressão não significa que compreendemos totalmente essa crise, ou que outra crise (incluindo a actual) encaixe neste modelo.

De facto, o falhanço dos modelos económicos para prever a actual crise marcará o início da sua revisão. Isto vai acontecer à medida que os economistas redireccionam os seus esforços de pesquisa, ouvindo cientistas de diferentes especialidades. Só assim as autoridades monetárias vão conseguir entender melhor quando e como as bolhas podem descarrilar uma economia, e o que pode ser feito para o evitar.


Robert Shiller, Professor de Economia da Universidade de Yale e Economista-Chefe da MacroMarkets LLC, é co-autor, com George Akerlof, de "Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy and Why It Matters for Global Capitalism".


© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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