Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Há medo na praça

É feio e inútil erguer muralhas. Sempre que nos amuralhámos demo-nos mal. O que vai ser dos nossos centros de decisão, de competência, de excelência e outros que tais, face à invasão estrangeira?

  • ...

De repente, instalou-se uma atmosfera de medo na praça.

O que vai ser dos nossos centros de decisão, de competência, de excelência e outros que tais, face à invasão estrangeira?

Como podemos ainda resistir à tomada dos nossos principais sectores de actividade pelo capital internacional?

Para muitos, a resposta está na alma lusa, no patriotismo económico. Querem-nos conquistar? Ergueremos muralhas para proteger o que resta!

Esquecem-se de que é feio e inútil erguer muralhas. Sempre que nos amuralhámos demo-nos mal.

Na verdade, não deixa de ser compreensível a inquietação dos nossos núcleos pensantes face ao enfraquecimento da bandeira verde-rubra no comando da economia nacional.

Sectores tão importantes como a fileira alimentar, a construção civil, a banca, os transportes marítimos, em breve os petróleos e a energia, deixaram ou deixarão de estar, no todo ou em parte, em mãos maioritariamente portuguesas.

Outros conseguem manter a sua identidade lusa ou sustentar o embate concorrencial com as insígnias estrangeiras. É o caso da distribuição, do turismo, das telecomunicações, da cortiça, do vinho ou das rochas ornamentais.

«Tudo depende do contexto», como costumava dizer Rogério Fernandes Ferreira nas suas aulas de mestrado no ISEG, sempre que era inquirido sobre fórmulas ganhadoras.

Pois bem, nada nos garante que os agentes genéticamente lusitanos são melhores intérpretes e exploradores dos nossos recursos do que os estrangeiros.

Alguém sente a Sagres menos portuguesa depois de a Centralcer ter sido patrioticamente vendida a colombianos, primeiro, e a escoceses, depois?

Alguém teria feito pela marca Gallo - essa mesma, a da tradição, da «rama, ó que linda rama» - o que uma multinacional (não digo o nome, para não quebrar o encanto do produto) conseguiu fazer, projectando-a mundialmente?

Do outro lado do Atlântico, a economia estado-unidense, musa inspiradora dos espíritos ultra-liberais, também se encontra numa preocupante situação de dependência externa.

No último número da revista The Nation, (com data de edição a 10 de Maio próximo), o economista William Greider publica um extenso artigo sobre o actual estado da balança comercial norte-americana, sugestivamente intitulado "The Serpent That Ate America´s Lunch".

Embora estando, há muito tempo, habituados a viver com défices pesados, os Estados Unidos viram o saldo comercial agravar-se brutalmente a partir de 1998. No ano passado foi batido mais um recorde: 490 mil milhões de dólares.

Do outro lado da balança está a dívida externa de marca USA, estimada em três biliões de dólares.

«Ao actual ritmo, a dívida duplicará dentro de seis ou sete anos. Por isso a representámos [numa ilustração que acompanha o artigo] como uma serpente pronta para atacar. A serpente vai acabar por morder a nação devedora que a alimentou. Na verdade, já nos comeu o almoço», considera Greider.

De facto, a actual situação parece ser insustentável, mesmo que os afluxos de capital estrangeiro aos Estados Unidos mantenham os surpreendentes níveis registados nos últimos anos.

Para William Greider, «a menos que o significado histórico da palavra dívida tenha sido enjeitado, nenhum país pode endividar-se no exterior indefinidamente sem,mais tarde ou mais cedo, sacrificar o controlo do seu próprio destino e perder as fundações económicas da sua prosperidade».

Basta pensarmos no que poderia acontecer se um dia a China, confrontada com uma plausível crise financeira, não tivesse outra alternativa senão vender as obrigações do tesouro americano.

E o que propõe Greider como remédios? Nada mais nada menos que uma «estratégia económica de guerra, sem mortos nem feridos».

A primeira arma é o proteccionismo.

Surpreendentemente, Greider evoca Richard Nixon e o pacote de medidas que, em 1971, perturbou o mundo - taxa de dez por cento sobre todas as importações, desvalorização do dólar e abandono dos cânones de Bretton Woods.

A segunda arma é a contracção do consumo e o incentivo à poupança.

A terceira é o investimento público, recentrando in house as energias perdidas no mundo global.

Por último, uns pós de reforma fiscal, cortes comedidos nas despesas militares e mais fundos para as causas ambientais.

Para nós, europeus, as propostas de Greider são bem difíceis de qualificar. Arrepiantes, contraditórias, irrealistas?

É o próprio autor que o reconhece ao concluir com uma confissão: «Bem sei que estas ideias parecem improváveis neste momento, o establishment recusá-las-ia. Mas não se descarte a possibilidade de ocorrerem mudanças profundas que venham a exigir reformas políticas épicas».

Premonitório?

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio