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18 de Dezembro de 2007 às 13:59

Depois do acidente de viação, quanto custa a oficina?

A sociedade em que vivemos pode ser identificada como a sociedade do automóvel. O automóvel converteu-se no meio universal de deslocação, mas também num instrumento para a organização dos tempos livres e num factor de sociabilidade e de prestígio. Os cida

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O automóvel não nos dá só alegrias. Muitos dos problemas do mundo contemporâneo provêm da sua utilização massiva: a emissão de gases contaminantes que estão na origem do efeito de estufa e das alterações climáticas, o aumento do ruído nas cidades ou a desaparição dos espaços urbanos dedicados ao ócio e ao lazer.

Outros dos efeitos negativos do automóvel resultam dos custos com a sua aquisição e com a manutenção bem como os acidentes que causam. A cada dia que passa, milhares de europeus sofrem ou dão origem a acidentes de viação, em muitos casos com perdas de vidas humanas ou com lesões permanentes, mas sempre com danos nos veículos que terão necessariamente de ser reparados ou substituídos.

Na Europa, é prática habitual a realização de seguros que cubram os danos causados pelos acidentes de viação. Na maior parte dos nossos países, o seguro voluntário que protege o proprietário é completado por um seguro obrigatório que visa garantir às vítimas uma indemnização em caso de acidente.

A determinação do valor do dano varia de acordo com uma série de factores. Um deles é o custo das peças do veículo que devam ser substituídas por outras novas. Para além das peças que são necessárias ao funcionamento do veículo, dentro do motor ou nos mecanismos de tracção, elementos de iluminação, etc., na reparação de automóveis acidentados têm grande importância as peças que estão à vista, como é o caso dos espelhos retrovisores, faróis, vidros, portas e pára-choques. O valor destas peças depende em grande medida das normas jurídicas existentes em cada Estado-membro em matéria de reconhecimento da propriedade intelectual relativa aos desenhos industriais do automóvel e dos seus componentes.

Em alguns países da União Europeia, como a Alemanha ou a França, o fabricante de automóveis é titular do direito de propriedade intelectual relativo ao desenho industrial de cada uma das peças. Como consequência, em caso de acidente, as peças só podem ser substituídas por outras produzidas pelo fabricante da marca ou por um fabricante independente que pague uma licença ao titular dos direitos de propriedade intelectual. Ou seja, o fabricante de automóveis mantém direitos económicos sobre as peças mesmo depois da venda, direitos que explora em virtude do monopólio que lhe é outorgado pela propriedade intelectual.

Noutros países, como a Espanha ou a Inglaterra, a propriedade intelectual relativa ao desenho industrial estende-se à totalidade do automóvel, mas não a cada uma das peças. O fabricante do automóvel não recebe qualquer quantia pelo direito de propriedade intelectual aquando da venda das peças sobresselentes que, depois do acidente de viação, se ajustam ou acoplam à carroçaria do automóvel. Qualquer um pode reproduzir estas peças sobresselentes sem ter de pagar direitos de propriedade intelectual ao fabricante do automóvel.

A Directiva em vigor na União Europeia sobre modelos e desenhos industriais, da qual fui relator aguando do procedimento de aprovação no Parlamento Europeu, deixou em aberto esta questão por causa das fortes divergências no seio do Conselho entre países partidários da manutenção dos directos de propriedade intelectual sobre as peças sobresselentes visíveis e os países que defendiam o livre fabrico. Assim, optou-se por uma solução transitória graças à qual cada país mantém a legislação em vigor no seu território sem que os fabricantes de peças sobresselentes nos países de regime liberalizado possam ser acusados de “pirataria” pelos outros países por apropriação indevida da propriedade intelectual.

Esta fórmula só podia ser transitória. Por isso a Comissão Europeia acabou por propor uma modificação da Directiva sobre modelos e desenhos industriais com o propósito de generalizar o regime de livre fabrico. No seio do Parlamento Europeu a discussão desta Directiva esteve bloqueada durante muito tempo na Comissão dos Assuntos Jurídicos, a Comissão competente quanto ao fundo, ainda que a Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores tenha aprovado um parecer de que fui relator e que apoiava a proposta da Comissão Europeia.

O deputado democrata-cristão Klaus Heiner Lehne conseguiu finalmente desbloquear a situação na Comissão dos Assuntos Jurídicos e propôs a aprovação da proposta da Comissão Europeia com um período transitório de cinco anos, por forma a permitir a adaptação dos fabricantes de automóveis à nova situação jurídica. O plenário do Parlamento Europeu, reunido em Estrasburgo a 12 de Dezembro, aprovou, em primeira leitura, a proposta da Comissão dos Assuntos Jurídicos.

Depois desta primeira leitura do Parlamento, o Conselho deverá aprovar uma posição comum e enviá-la ao Parlamento para a segunda leitura. Ao que parece há ainda no seio do Conselho divergências quanto à protecção da propriedade intelectual das peças visíveis, pelo que a adopção da posição comum não será fácil.

Enquanto não se conclua o procedimento legislativo comunitário, a situação do regime das peças sobresselentes permanece inalterado em cada um dos Estados membros, valendo em cada um a legislação nacional. Nos países que liberalizaram o mercado, o fabrico de das peças sobresselentes está livre de direitos e licenças, já nos restantes países, o fabrico está dependente da autorização do titular do direito sobre o modelo industrial, isto é, do fabricante do automóvel, com o consequente aumento dos custos par o utilizador, para as companhias seguradoras ou para ambos.

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