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27 de Outubro de 2010 às 12:04

As últimas manobras no Afeganistão

O previsível fracasso dos objectivos de guerra no Afeganistão dos Estados Unidos, da NATO e dos seus aliados teve esta semana outra confirmação

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O previsível fracasso dos objectivos de guerra no Afeganistão dos Estados Unidos, da NATO e dos seus aliados teve esta semana outra confirmação com a polémica sobre os financiamentos do Irão ao presidente Hamid Karzai.

O malquisto presidente afegão confirmou numa conferência de imprensa em Cabul receber pagamentos em dinheiro vivo do Irão desde 2002.

Karzai, retorquia a revelações surgidas no sábado em The New York Times de que o seu assessor Umar Daudzai, antigo embaixador afegão em Teerão, servia de intermediário para canalizar dinheiro iraniano para o gabinete presidencial.

Mercenários e seguranças
Em tom agreste Karzai acusou funcionários norte-americanos de alimentarem especulações sobre os financiamentos iranianos como forma de pressão para levá-lo a anular ou adiar a entrada em vigor em Dezembro da proibição de actividade de empresas de segurança privadas.

Cerca de 40 mil seguranças e para-militares de empresas privadas estão activos no Afeganistão ao serviço de forças da NATO e de praticamente todas as entidades e empresas estrangeiras presentes no país.

Projectos de assistência da ONU, de diversos países e de organizações não-governamentais, bem como a actividade de empresas privadas, dependem da protecção fornecida pelas firmas de segurança.

Washington os seus aliados não se opõem em princípio à transferência das funções de segurança a cargo de empresas privadas para as forças policiais e o exército afegãos, reconhecendo ainda a responsabilidade de alguns mercenários por actos de violência, mas pretendem um adiamento da proibição.

A viabilidade de centenas de projectos de assistência será posta em causa dada a incapacidade da polícia e exército afegãos em garantirem condições de segurança face aos ataques taliban, de grupos terroristas ligados à Al Qaeda, de milícias diversas e traficantes de drogas.

O saco azul de Karzai
No auge desta controvérsia Karzai, acusando o jornal de Nova Iorque de o difamar, admitiu, no entanto, receber do Irão entre 500 mil a 700 mil euros, uma ou duas vezes por ano e sempre em dinheiro vivo, para financiar despesas da administração.

Classificando o processo como normal e transparente, Karzai referiu que a ajuda de Teerão é do conhecimento da Casa Branca desde 2002.

O presidente indicou, ainda, que ofertas de dinheiro vivo são também feitas pelos Estados Unidos e outros países que não identificou e reiterou o interesse do Afeganistão em manter relações amistosas e mutuamente benéficas com o Irão.

Após a embaixada do Irão em Cabul ter desmentido a existência de pagamentos ao presidente o porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros de Teerão declarou, terça-feira, sem particulares especificações, que o seu país fornecia ajuda ao Afeganistão para projectos de reconstrução e em prol da estabilidade.

O saco azul de Karzai, alimentado de facto por todos os interessados - de sauditas a indianos, passando por chineses ou alemães - é apenas uma das facetas da corrupção generalizada no Afeganistão e revela a incapacidade de institucionalizar estruturas administrativas minimamente eficazes.

Os montantes em causa para o saco azul do presidente são irrisórios tendo em conta os biliões que as potências ocidentais, russos, iranianos, chineses, paquistaneses, indianos ou as monarquias do Golfo Pérsico, têm canalizado em defesa dos seus interesses no Afeganistão.

O fim da década americana
O episódio do saco azul e das empresas privadas de segurança demonstra, contudo, a crescente acrimónia de Karzai contra os seus aliados ocidentais e revela como o líder afegão se prepara para tentar assegurar a sobrevivência antecipando a retirada dos norte-americanos e da NATO.

Karzai conta com a boa vontade de Teerão. As invasões do Afeganistão e do Iraque eliminaram dois regimes hostis a Teerão e reforçaram a tradicional influência regional do Irão.

Nas províncias ocidentais do Afeganistão é omnipresente a presença iraniana que representa ainda uma salvaguarda para a minoria xiita hazara, cerca de 10 % da população afegã.
Teerão tal, como a Índia, não tem qualquer interesse em promover o retorno ao poder de movimentos islamitas sunitas, à imagem dos taliban.

Um equilíbrio entre pashtuns (cerca de 40% dos afegãos) e tadjiques (sensivelmente 27 % da população), respeitando os direitos das demais minorias étnicas e religiosas, é a situação ideal para o Irão que tem, ainda, um interesse vital em estancar a produção de ópio.

Russos e chineses, bem como os vizinhos Tadjiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão, partilham idênticos objectivos, ao contrário dos círculos dirigentes do Paquistão que visam assegurar a predominância dos pashtuns e evitar que a Índia conte com um aliado seguro na sua retaguarda afegã.

O terrorismo da Al Qaeda a partir do momento em que lhe fossem negadas bases para actividade a partir do Afeganistão seria questão secundária neste jogo de equilíbrios, mas o radicalismo islamita no Paquistão é a principal ameaça incontrolável aos cálculos estratégicos das potências regionais.

Onde tudo falha
A neutralização do Afeganistão, retornando à situação anterior à invasão soviética do final de 1979, satisfaria o essencial dos interesses regionais, mas a destruição causada pelas guerras e a radicalização islamita, sobretudo entre as tribos sunitas pashtun afegãs e paquistanesas, tornou muito difícil um acerto desse género.

A presença de 150 mil militares dos Estados Unidos, da NATO e dos seus aliados é tida como transitória. Uma década de vão investimento militar ocidental no Afeganistão está prestes a chegar ao fim.

Independentemente da retirada se iniciar no próximo ano, conforme pretende a Casa Branca, ou se arrastar penosamente ate ao final da década, o peso das potências da Ásia Central é a realidade da geografia para qualquer senhor da guerra em Cabul, Herat ou Jalabad.

Karzai, tal como muitos outros rivais no Afeganistão, joga, portanto, na retirada no prazo mais curto possível dos contingentes ocidentais do país.

Uma presença militar residual norte-americana será aceitável desde que se integre num sistema de segurança que neutralize o Afeganistão a contento das potências vizinhas e erradique bases terroristas, mas dois factores essenciais mostram ser muito difícil a curto prazo um compromisso a várias vozes.

A turbulência islamita no Paquistão só agrava o conflito entre Islamabade e Nova Dehli e extravasa para o Afeganistão.

Ameaças islamitas contra alvos estrangeiros a partir de centros terroristas no Paquistão e nas províncias do sul e do leste do Afeganistão não serão eliminadas a curto prazo.
Um eventual ataque militar norte-americano contra o Irão agravará a instabilidade no Afeganistão.

Teerão ripostará fomentando ataques no ocidente do Afeganistão contra qualquer governo em Cabul que se mostre conivente com Washington.

As grandes linhas de um compromisso são visíveis, mas a conjuntura não aponta para que uma década de presença militar ocidental no Afeganistão venha a ter um final a contento de Washington e da NATO.



Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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