Opinião
A Sérvia em crise
Depois da reeleição por uma unha negra de Boris Tadic na segunda volta das presidenciais sérvias segue-se a crise na coligação governamental de Belgrado e a provável convocação de eleições legislativas antecipadas. Esta quinta-feira o primeiro-ministro Vo
Esta quinta-feira o primeiro-ministro Vojislac Kostunica tem pela frente a opção de aceitar ou rejeitar assinar a proposta política de Bruxelas para incremento das relações comerciais e facilitação no regime de vistos entre a União Europeia e a Sérvia, com vista a um posterior acordo de associação e estabilização.
O Partido Democrático da Sérvia de Kostunica, que lidera o governo de coligação arrancado a ferros cinco meses após as eleições legislativas de Janeiro de 2007, poderá optar desde já por abandonar os seus parceiros do Partido Democrático de Tadic e do G 17 Mais.
Uma aliança de Kostunica com o Partido Radical de Tomislav Nikolic, que conta com o maior grupo parlamentar (81 dos 250 deputados), possibilitaria outra maioria, mas implicaria um braço de ferro com o reeleito Tadic que teria de recorrer ao veto sistemático à legislação promulgada pelo governo ou pelo parlamento.
Se Kostunica optar por aceitar de momento o acordo com Bruxelas (uma solução de recurso dos 27 face à não-cooperação de Belgrado com o Tribunal de Haia para a captura de Ratko Mladic e Radovan Karadzic) o inevitável confronto com Tadic poderá ser adiado para, aproveitando o compasso de espera de algumas semanas na proclamação unilateral de independência do Kosovo, ganhar tempo e testar as hipóteses de coligação com os radicais.
A ruptura anunciada
O reconhecimento da independência por uma maioria de estados da UE e o envio por Bruxelas de uma missão de 1 800 funcionários, juízes e polícias para o Kosovo será, no entanto, o pretexto para Kostunica avançar com a ruptura de relações diplomáticas e imposição de sanções económicas à província em secessão.
Na expectativa de que Tadic recuse um confronto directo com Bruxelas Kostunica e Nikolic invocarão a “traição constitucional” do presidente, obrigado a “desenvolver todos os esforços para preservar a soberania e integridade do território da Sérvia”, e liderarão a contestação à secessão do Kosovo.
Para Kostunica esta saída é tanto mais atractiva já que assim conseguirá largar algum do lastro negativo da política de reformas económicas do seu governo, manifesta sobretudo numa taxa de desemprego superior a 25 por cento.
Ainda que uma maioria de sérvios se manifeste favorável à adesão à União Europeia, a vaga emocional da perda do Kosovo – símbolo maior da grandeza e desgraça na mitologia nacional sérvia: seu milagre de São Mamede, seu triunfo de Aljubarrota, sua matriz da religião ortodoxa nos Balcãs, seu Alcácer Quibir – pesará muito numa campanha em que à partida metade do eleitorado é hostil ao bloco liberal liderado por Tadic.
O confronto diplomático entre russos e norte-americanos, a oposição declarada de cipriotas, romenos e eslovacos, apoiados por gregos, búlgaros e espanhóis, aos demais parceiros europeus favoráveis à independência, alimentarão controvérsias suficientes para outra vaga nacionalista na Sérvia.
O melhor dos mundos possíveis
Três cenários optimistas orientam a política da maioria dos estados europeus e de Washington para ultrapassar a crise que fervilha no sul dos Balcãs.
A presença militar estrangeira no Kosovo impedirá confrontos entre albaneses e os mais de 100 mil sérvios acantonados no norte da província e presume-se o silêncio das 267 mil armas que a NATO estima encontrarem-se nas mãos de civis, além da anuência de outras minorias como os roma, bósnios e turcos a um arremedo de estado albanês.
A maioria albanesa do Vale de Presevo, no sul da Sérvia, e os seus patrícios na Macedónia, onde constituem um quarto da população, manter-se-ão tão calmos quanto os sérvios da Bósnia-Herzegovina e, em consequência, outras ameaças de secessão não fazem sentido.
As perspectivas do ganho económico e pacificação prometidas por uma adesão à União Europeia prevalecerão a curto prazo sobre as paixões que alimentam conflitos étnicos, religiosos e políticos nos Balcãs.
Destes cenários a vertente de contenção de conflitos armados em larga escala é bastante plausível, mas todas as demais expectativas são demasiado arriscadas para fundamentar uma política que excluiu alternativas face a eventuais acontecimentos menos felizes.