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10 de Outubro de 2007 às 13:59

A política do Nobel da Paz

O anúncio, a 15 de Outubro de 1990, da atribuição do Prémio Nobel da Paz a Mikhail Gorbatchov pela sua contribuição para a pacificação da cena internacional foi recebido com ironia na União Soviética e isto para atendermos apenas às raras apreciações posi

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À ironia juntaram-se os relatórios que prontamente o KGB, dirigido por Vladimir Kryuthckov, um dos conspiradores do golpe fatal de Agosto de 1991, fez chegar ao Kremlin dando conta do repúdio da maioria da população pela distinção concedida a “um traidor”, um “vende-pátrias”.

Nas memórias de seis anos como assessor do secretário-geral do Partido Comunista, Anatoli Tchernaiev considera mesmo que o Prémio de Oslo foi um sinal de que “o feito histórico de Gorbatchov” começava a ser devidamente apreciado no estrangeiro precisamente na altura em que na Rússia, na Ucrânia, na Lituânia e por toda a União Soviética o chão lhe fugia depois dos pés.

A distinção de Gorbatchov foi um caso em que o Comité de Oslo distinguiu um estadista com o destino traçado, sem que o Prémio pudesse valer-lhe como capital político, mas o Nobel de 1990 marcou, também, a esperança de que o fim da Guerra abrisse novas perspectivas para a resolução pacífica de conflitos. 
  
A paz depois da guerra fria

Desde então, independentemente das diversas orientações políticas dos cinco membros do Comité eleitos pelo parlamento norueguês, o Nobel da Paz foi atribuído com a intenção de valorizar personalidades empenhadas em lutas incertas pela democracia e direitos humanos ou mesmo processos de emancipação nacional.

Estão nesse caso os Prémios de Aung San Suu Kyi (1991), Rigoberta Menchú (1992), Ximenes Belo e Ramos-Horta (1996), Shririn Ebadi (2003).   

O Comité destacou também, numa linha mais tradicional, políticos envolvidos em negociações de paz regionais ou nacionais.

Entre os premiados do período pós-Guerra-Fria contam-se, assim, Nelson Mandela e William de Klerk (1993), Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin (1994), John Hume e David Trimble (1998), Kim Dae Jung (2000). 

Campanhas pelo desarmamento voltaram igualmente a ser distinguidas nos anos de 1995, Joseph Rotblat e as Conferências Pugwash, 1997, Jody Williams e a Campanha para Erradicação das Minas Anti-Pessoais, bem como os esforços da Agência Internacional de Energia Atómica e do seu director Mohamed El Baradei para utilização pacífica da indústria nuclear, em 2005.

Acções de mediação internacional e humanitária foram contempladas nos Prémios concedidos aos Médicos Sem Fronteiras (1999), à ONU e a Kofi Annan (2001) e a Jimmy Carter (2002).

A grande novidade dos últimos anos tem sido, no entanto, o alargamento da noção de esforço de paz a actividades que ultrapassam a prevenção e mediação de conflitos armados, a acção humanitária ou a defesa de direitos humanos.
 
Os precedentes de 1949, com consagração do escocês Boyd Orr, primeiro director-geral da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), e de 1970, quando o Comité de Oslo galardoou o pai da Revolução Verde, o norte-americano Norman Borlaug, foram dois casos isolados que não puseram em causa a orientação tradicional do Comité de Oslo desde 1901.

Um prémio cada vez mais abrangente

Os Prémios à ecologista queniana Wangari Maathai, em 2004, destacando em particular o seu contributo ao “desenvolvimento sustentado” e o combate à desflorestação, e, no ano passado, ao Grameen Bank de Muhammad Yunus pela “criação de oportunidades de promoção económica e social dos pobres e das mulheres, em particular”, representam, contudo, um alargamento significativo do “conceito de paz”.

A sustentabilidade social, económica e ambiental passou a ser tida pelo Comité norueguês como factor de relevo para a pacificação de sociedades em crise.

Este ano, numa altura em que estão em negociação programas de combate ao aquecimento global, nomeadamente a Conferência da ONU agendada para Bali em Dezembro, é assim natural que as questões ambientais possam vir a ser contempladas com o Nobel da Paz.

Pelo seu impacto mediático destaca-se a candidatura conjunta de Al Gore, “o homem que ia ser presidente dos Estados Unidos”, e da activista inuit canadiana Sheila Watt-Cloutier, mas personalidades como o “Papa Verde”, o Patriarca Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I, também poderão ser galardoadas.

Novas áreas como a prevenção, combate ao terrorismo e protecção de direitos cívicos, o controlo da natalidade ou a aplicação para campanhas de paz de tecnologias de ponta são de momento demasiado genéricas e problemáticas para reunir consenso no Comité de Oslo, apesar do luta contra o narcotráfico poder vir a merecer um Nobel a curto prazo.

Nas vertentes tradicionais de mediação ou intervenção humanitária os conflitos do Darfur, do Médio Oriente, do Afeganistão, Caxemira, do Sri Lanka ou do Kosovo oferecem ampla margem de escolha ao Comité norueguês.

A um ano dos Jogos Olímpicos de Pequim as questões ambientais e de direitos humanos na China são, igualmente, uma aposta possível do Nobel da Paz, sem esquecer figuras e organizações empenhadas em reformas democráticas na Rússia ou em Cuba.

Das 181 nomeações, entre as quais 46 organizações, que o Comité de Oslo acolheu para o ano de 2007, poderá sair um Prémio relativamente consensual ou controverso, mas, a confirmarem-se as novas tendências, as questões do ambiente mais cedo ou mais tarde terão a consagração de um Nobel da Paz.

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