Opinião
A esquina do Rio
Um dos problemas graves que existem na justiça portuguesa é a forma como investigações da Polícia Judiciária se tornam muito rapidamente armas de arremesso político ou social. Os anos recentes estão cheios de casos destes - em que as...
INVESTIGAÇÕES - Um dos problemas graves que existem na justiça portuguesa é a forma como investigações da Polícia Judiciária se tornam muito rapidamente armas de arremesso político ou social. Os anos recentes estão cheios de casos destes - em que as fontes que tornam públicas investigações partem de dentro da própria polícia, como forma de provocar julgamentos na praça pública, que muitas vezes nem chegam a tribunal. O histórico da Polícia Judiciária no sucesso de investigações complexas, na resolução de crimes ou no desmantelamento de redes criminosas é muito pequeno, quando comparado com a forma como em casos políticos se deixa manipular e como é utilizada como elemento central de campanhas de opinião pública. Algo vai muito mal no funcionamento da Polícia Judiciária - e a sua reforma é uma peça essencial para que a Justiça possa melhorar.
DÚVIDA - Às vezes fico um bocado espantado sobre a forma de comportamento dos porta-vozes partidários. Eu acho que o natural seria que um porta-voz tentasse alargar o raio de comunicação do seu partido, que falasse para os eleitores que estão nas margens, para conseguir captar eleitorado, neutralizar quem antipatiza com esse partido e, sobretudo, conseguir dar bons argumentos para que os militantes e simpatizantes consigam, eles próprios, exercer influência nos círculos onde se movem. Mas, em vez disso, os porta-vozes, com raras excepções, falam para dentro, para o núcleo duro, reproduzem argumentos frequentemente de forma dogmática, e parecem mais obstinados em fornecer argumentos para confrontos do que em comunicar no sentido básico do termo - fazer chegar uma mensagem a quem, à partida, não estaria predisposto a ouvi-la. Olhem para o espectro partidário e analisem como actuam os porta-vozes - raros ultrapassam o nível de um propagandista, teimoso mas inábil, em início de carreira.
RESUMO DA SEMANA - A Comissão de Inquérito da Assembleia da República ao caso BPN achou que o Banco de Portugal agiu bem na fiscalização daquele banco; Cristiano Ronaldo em Madrid foi o assunto central da semana nacional; já existem três manifestos sobre obras públicas, mais uma conferência de imprensa de Jorge Coelho; dizer um palavrão na Assembleia da República não tem consequências mas exprimi-lo gestualmente dá demissão - é aquilo a que se chama o poder da imagem.
PERGUNTA INDISCRETA - Agora que Manuel Pinho se foi embora, quem é que vai tratar dos assuntos da Cultura no Governo?
VER - Senti o cheiro das rotativas e a emoção de ver uma história publicada, o caos das redacções e o ziguezaguear do desenvolvimento de uma reportagem em "Ligações Perigosas", um filme de Kevin Macdonald sobre a investigação jornalística da morte da amante de um político que andava a investigar negócios pouco claros na área militar. O "thriller" é bem construído, o argumento é muito bom e a interpretação de Russell Crowe é superior.
LER - Confesso-me um leitor devoto de policiais e confesso-me amigo do Fernando Sobral, que também escreve nas páginas deste jornal. Gosto de o ler diariamente no seu certeiro "Pulo do Gato" ou nas notas sobre a semana ou sobre livros que ele publica aqui neste "Weekend". Feitas estas declarações, tenho a dizer que "L.Ville", o novo livro do Fernando Sobral, um policial, é uma história fascinante de um detective que, na cidade de Lisboa, se confronta com um caso de homicídio. Não vou contar a história - que é daquelas que não se consegue parar de ler - mas direi que é um retrato contemporâneo de locais, comportamentos e atitudes. Eu li-o de seguida, a imaginar sítios, a ouvir as canções que são citadas, a sentir cheiros e aromas. "L.Ville" é um dos melhores policiais que tenho lido ultimamente e que, ainda por cima, tem a particularidade de ter frases absolutamente geniais, como esta: "Podemos ensinar tudo; mas devemos ficar sempre com o truque definitivo". (Edição Quetzal)
OUVIR - Ao fim de duas décadas e de uma quinzena de discos, ainda há lugar para surpresas numa banda que em 1988 ganhou fama e notoriedade com o disco "Daydream Nation", que se afirmou com uma sonoridade própria na Nova Iork dos anos 90? Estou a falar dos Sonic Youth, esse quarteto que fez fama com canções que reproduziam os ruídos, as sensações e a criatividade dessa cidade. Ironicamente intitulado "The Eternal", o novo disco dos Sonic Youth, uma nova explosão de energia, misturada com pequenas provocações que salpicam as canções. Os Sonic Youth, que há três anos não lançavam disco novo, não inventam aqui nada - mas aperfeiçoam o seu estilo, e surpreendem pela coerência, num tempo em que esta música podia ser mais difícil para atrair novos públicos. Destaque para a forma como Kim Gordon canta, e sobretudo para a última canção do disco, verdadeiramente impressionante, "Massage The History". CD Matador.
PROVAR - As coisas mais simples e mais tradicionais são, muitas vezes, as melhores. De repente, um regresso a um restaurante onde já não se ía há uns tempos faz recordar a importância da boa escolha de produtos, a boa confecção, o tempero cuidado, a atenção ao pormenor - por exemplo, a qualidade da preparação das azeitonas e do pão que se servem -, um dos "couverts" mais simples, que ou corre muito bem ou é para esquecer. Pois correu muito bem num regresso ao "Apuradinho", em Campolide, uma noite destas onde o objectivo era comer bem, com calma, sossegado. A escolha da noite recaiu numas lulas recheadas acompanhadas de puré de batata - aqui está um prato que pode ser um desastre, mas felizmente no "Apuradinho" é um sucesso -, lulas perfeitas, tenras, recheio muito bom, um puré de batata natural muito bem condimentado. A terminar, cerejas magníficas, absolutamente excepcionais - num ano, aliás, que tem sido bom em matéria de cerejas. Resumo da noite: por que é que não vou mais vezes ao "Apuradinho": aos seus pastéis de bacalhau levíssimos, ao estufado de pivetes (rabo de boi) ou ao cozido, sempre superior? "Apuradinho", Rua de Campolide 209 A, telefone 213 880 501.
BACK TO BASICS - A História é pouco mais do que uma sucessão de crimes e de infortúnios - Voltaire.
www.twitter.com/mfalcao
mfalcao@gmail.com
www.aesquinadorio.blogs.sapo.pt
DÚVIDA - Às vezes fico um bocado espantado sobre a forma de comportamento dos porta-vozes partidários. Eu acho que o natural seria que um porta-voz tentasse alargar o raio de comunicação do seu partido, que falasse para os eleitores que estão nas margens, para conseguir captar eleitorado, neutralizar quem antipatiza com esse partido e, sobretudo, conseguir dar bons argumentos para que os militantes e simpatizantes consigam, eles próprios, exercer influência nos círculos onde se movem. Mas, em vez disso, os porta-vozes, com raras excepções, falam para dentro, para o núcleo duro, reproduzem argumentos frequentemente de forma dogmática, e parecem mais obstinados em fornecer argumentos para confrontos do que em comunicar no sentido básico do termo - fazer chegar uma mensagem a quem, à partida, não estaria predisposto a ouvi-la. Olhem para o espectro partidário e analisem como actuam os porta-vozes - raros ultrapassam o nível de um propagandista, teimoso mas inábil, em início de carreira.
RESUMO DA SEMANA - A Comissão de Inquérito da Assembleia da República ao caso BPN achou que o Banco de Portugal agiu bem na fiscalização daquele banco; Cristiano Ronaldo em Madrid foi o assunto central da semana nacional; já existem três manifestos sobre obras públicas, mais uma conferência de imprensa de Jorge Coelho; dizer um palavrão na Assembleia da República não tem consequências mas exprimi-lo gestualmente dá demissão - é aquilo a que se chama o poder da imagem.
PERGUNTA INDISCRETA - Agora que Manuel Pinho se foi embora, quem é que vai tratar dos assuntos da Cultura no Governo?
VER - Senti o cheiro das rotativas e a emoção de ver uma história publicada, o caos das redacções e o ziguezaguear do desenvolvimento de uma reportagem em "Ligações Perigosas", um filme de Kevin Macdonald sobre a investigação jornalística da morte da amante de um político que andava a investigar negócios pouco claros na área militar. O "thriller" é bem construído, o argumento é muito bom e a interpretação de Russell Crowe é superior.
LER - Confesso-me um leitor devoto de policiais e confesso-me amigo do Fernando Sobral, que também escreve nas páginas deste jornal. Gosto de o ler diariamente no seu certeiro "Pulo do Gato" ou nas notas sobre a semana ou sobre livros que ele publica aqui neste "Weekend". Feitas estas declarações, tenho a dizer que "L.Ville", o novo livro do Fernando Sobral, um policial, é uma história fascinante de um detective que, na cidade de Lisboa, se confronta com um caso de homicídio. Não vou contar a história - que é daquelas que não se consegue parar de ler - mas direi que é um retrato contemporâneo de locais, comportamentos e atitudes. Eu li-o de seguida, a imaginar sítios, a ouvir as canções que são citadas, a sentir cheiros e aromas. "L.Ville" é um dos melhores policiais que tenho lido ultimamente e que, ainda por cima, tem a particularidade de ter frases absolutamente geniais, como esta: "Podemos ensinar tudo; mas devemos ficar sempre com o truque definitivo". (Edição Quetzal)
OUVIR - Ao fim de duas décadas e de uma quinzena de discos, ainda há lugar para surpresas numa banda que em 1988 ganhou fama e notoriedade com o disco "Daydream Nation", que se afirmou com uma sonoridade própria na Nova Iork dos anos 90? Estou a falar dos Sonic Youth, esse quarteto que fez fama com canções que reproduziam os ruídos, as sensações e a criatividade dessa cidade. Ironicamente intitulado "The Eternal", o novo disco dos Sonic Youth, uma nova explosão de energia, misturada com pequenas provocações que salpicam as canções. Os Sonic Youth, que há três anos não lançavam disco novo, não inventam aqui nada - mas aperfeiçoam o seu estilo, e surpreendem pela coerência, num tempo em que esta música podia ser mais difícil para atrair novos públicos. Destaque para a forma como Kim Gordon canta, e sobretudo para a última canção do disco, verdadeiramente impressionante, "Massage The History". CD Matador.
PROVAR - As coisas mais simples e mais tradicionais são, muitas vezes, as melhores. De repente, um regresso a um restaurante onde já não se ía há uns tempos faz recordar a importância da boa escolha de produtos, a boa confecção, o tempero cuidado, a atenção ao pormenor - por exemplo, a qualidade da preparação das azeitonas e do pão que se servem -, um dos "couverts" mais simples, que ou corre muito bem ou é para esquecer. Pois correu muito bem num regresso ao "Apuradinho", em Campolide, uma noite destas onde o objectivo era comer bem, com calma, sossegado. A escolha da noite recaiu numas lulas recheadas acompanhadas de puré de batata - aqui está um prato que pode ser um desastre, mas felizmente no "Apuradinho" é um sucesso -, lulas perfeitas, tenras, recheio muito bom, um puré de batata natural muito bem condimentado. A terminar, cerejas magníficas, absolutamente excepcionais - num ano, aliás, que tem sido bom em matéria de cerejas. Resumo da noite: por que é que não vou mais vezes ao "Apuradinho": aos seus pastéis de bacalhau levíssimos, ao estufado de pivetes (rabo de boi) ou ao cozido, sempre superior? "Apuradinho", Rua de Campolide 209 A, telefone 213 880 501.
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