Opinião
A esquina do Rio
Eu não quero lançar suspeitas vãs, mas acho uma extraordinária coincidência que logo a seguir a um convívio, em jeito de almoço, ocorrido em Lisboa, entre José Sócrates e alguns dos seus fiéis
Coincidências
Eu não quero lançar suspeitas vãs, mas acho uma extraordinária coincidência que logo a seguir a um convívio, em jeito de almoço, ocorrido em Lisboa, entre José Sócrates e alguns dos seus fiéis, um grupo de deputados do PS, considerados muito próximos do ex-primeiro-ministro, tenha avançado com um pedido de fiscalização sucessiva do Orçamento, por iniciativa individual e à revelia do grupo parlamentar socialista. Mais curioso ainda é que, até ao momento em que escrevo, a direcção desse grupo parlamentar continue silenciosa sobre o tema, que aliás em termos práticos ilustra a vontade de sectores do PS romperem com o acordo que subscreveram com a troika - retomando assim o que era o desejo profundo imposto por Sócrates na sua obstinação de não reconhecer a realidade. Esta iniciativa de alguns deputados, que se esconde debaixo de uma candura do direito constitucional, é, no fundo, apenas uma manobra de baixa política. De uma assentada cria-se um bloco interno, organizado, a demarcar-se de todas as medidas de austeridade, sem, evidentemente, propor nenhuma alternativa. Ali estão os suspeitos do costume - Vitalino Canas, Alberto Costa, Fernando Serrasqueiro, o sempre fiel José Lello e o iluminadíssimo Sérgio Sousa Pinto, entre outros. Tudo isto acontece ao mesmo tempo que Teixeira dos Santos, de regresso à Universidade, admite, contrariando o pensamento de Sócrates, que a ajuda externa devia ter sido pedida logo em 2010 e reconhece que não existe alternativa ao que está a ser feito. Ouvimos isto e ficamos a ver os pândegos do costume, que levaram o País ao estado onde está, a dizerem alto e bom som que querem que as coisas piorem ainda mais e que nada se faça para resolver os problemas que existem - esse é o sentido único da iniciativa dos apaniguados socráticos. De Seguro e Zorrinho não se sabe o que pensam nem o que dizem. Estão encolhidos a um canto a ver se passam na chuva sem se molharem.
Gastromia
Em honra ao ministro Santos Pereira, esta semana não falo de petiscos. Fico-me pelos seus pastéis de nata e pelo frango no churrasco - que de um dia para o outro se tornaram na chave para o desenvolvimento da economia portuguesa. É pena que o Santos Pereira ainda não tivesse saído da casca quando no ano passado houve a votação das maravilhas da gastronomia portuguesa - outros resultados teriam certamente surgido. Mas adiante: o cómico caso dos pastéis de nata a servirem de sobremesa ao frango só revela que este ministro é mais rápido a lançar uma piada do que a anunciar medidas concretas. Se num qualquer cidadão isto se aceita, num ministro da Economia já não. Dizem-me que o homem aterrou num Ministério onde, em vez de uma equipa, lhe puseram ao colo um saco de gatos. Tudo isto pode ser verdade, mas não explica a tentação de Santos Pereira pela metáfora. Esta semana - dizem-me que apesar dele - foi fechado o acordo de concertação social. É melhor notícia que o sururu pasteleiro.
Ouvir
Anders Holst é um sueco, cantor de jazz, que vive em Nova Iorque desde há algum tempo, ocupação difícil para um estrangeiro na cidade do "Blue Note" neste tempo em que toda a gente acha que o jazz vocal e o soft jazz são meio caminho andado para o reconhecimento. Há uma explicação para isto: o grupo etário que gosta do género ainda compra mais discos do que faz "downloads". A situação levou a que o outrora quase deserto território do jazz vocal se tenha transformado num local apinhado, as mais das vezes com muito pouco talento pelo meio. Acontece que não é o caso de Holst, que há dois anos não lançava um disco novo. Este CD que editou já no final de 2011, "Soho Suite", tem sido apontado como o seu melhor trabalho de sempre. Todas as composições são da sua autoria ou co--autoria, à excepção de uma, os arranjos conseguem evitar as complicações que grande parte dos discos de jazz vocal tem nos últimos tempos e o resultado é um bom trabalho, bem tocado (na maioria por músicos suecos), muito bem cantado. (CD UOM/Amazon).
Estranho
A RTP nomeou um director-geral, Luís Marinho. Conheço o nomeado há muitos anos, trabalhei com ele em várias ocasiões e tenho muito boa impressão dele, além de uma relação cordial. Por isso mesmo, nada do que a seguir escrevo significa qualquer dúvida em relação à pessoa. Acontece, no entanto, que esta nomeação está ferida de um pequeno problema - o cargo de director-geral da RTP não está previsto no quadro legal da empresa (desde a Lei da Televisão - na parte que incide sobre a televisão pública - até aos contratos de concessão) e isso não é por acaso. Na última revisão da Lei o assunto foi debatido e a opção dos legisladores foi no sentido de não criar esse cargo, para evitar um conflito de interesses entre as áreas da informação e da programação e para manter a autonomia dos respectivos directores, como a Lei estabelece. Acontece que o novo Conselho de Administração da RTP, que continua a fazer mudanças estruturais mesmo sem saber o que se vai passar a médio prazo, optou por criar uma situação em que irá ter um director-geral, que obviamente reporta ao Conselho de Administração e recebe as suas orientações, e que terá por missão dirigir o trabalho das diversas direcções de conteúdos da RTP. E é aqui que está o problema - os directores das áreas de conteúdos, seja na informação ou na programação, são supostos terem independência em matéria editorial em relação à Administração e não receberem instruções nessas áreas - é isso que está na Lei. Eu duvido que o director-geral vá apenas controlar orçamentos, meios de produção e emissão. E não consigo perceber como a ERC concorda com uma nomeação neste enquadramento e nestas condições. Como bem disse Eduardo Cintra Torres numa recente audição parlamentar, a ERC "funciona em roda livre e tem sido muito negativa, no modelo actual, para o serviço público de televisão".
Arco da velha
Seguro dos bombeiros não cobre queimaduras.
Semanada
Num julgamento de uma caso de violação, a juíza-desembargadora Eduarda Lobo saiu-se com esta pérola na sentença: "agarrar a cabeça (ou os cabelos) de uma mulher, obrigando-a a fazer sexo oral, e empurrá-la contra um sofá para realizar a cópula não constituíram actos susceptíveis de serem enquadrados como violentos"; o Provedor de Justiça questionou a EMEL sobre a legalidade de algumas taxas que aplica; Pastelaria Nobreza de Braga já exporta por ano dois milhões de pastéis de nata ultracongelados.
Ler
A edição de Janeiro da revista britânica "Wallpaper" tem como tema destacado os alunos recém-formados nas principais universidades mundiais e que já estão a deixar a sua marca de criatividade em áreas como o design, a arquitectura, a moda, o grafismo, a fotografia e turismo, por exemplo. São dezenas de pessoas que já concretizaram uma ideia, algumas que já a aplicaram em produção industrial, outras que decidiram mudar de vida e fazer aquilo que gostam - desde um "art director" que resolveu fazer uma padaria muito especial até um agente de músicos que largou os palcos e se concentrou num pequeno hotel. Outros pontos em destaque na revista são um belíssimo dossier sobre algumas das melhores e mais confortáveis cadeiras que se podem encontrar no mercado, uma reportagem sobre os bastidores criativos de Nova Iorque, um especial sobre a moda austríaca e um guia dos novos talentos em duas cidades espanholas - Valência e Barcelona.
Ver
Laurie Anderson diz que caminhamos para um mundo em que a visita aos museus e o consumo de várias formas de arte vai depender apenas do próprio indivíduo e da forma como ele consegue utilizar a tecnologia ao seu alcance. Os bons "sites" de museus já possibilitam uma experiência que vai para além da informação de agenda. Proponho que visitem o site www.guggenheim.org e que explorem o seu potencial - nomeadamente clicando na parte referente à exposição de Maurizio Castellan, que ocupa a rotunda do célebre edifício do museu. Poderão ver um vídeo que mostra o "making off" de uma fantástica exposição que interpreta de forma muito pessoal as últimas décadas.
www.twitter.com/mfalcao
mfalcao@gmail.com
www.aesquinadorio.blogs.sapo.pt
Eu não quero lançar suspeitas vãs, mas acho uma extraordinária coincidência que logo a seguir a um convívio, em jeito de almoço, ocorrido em Lisboa, entre José Sócrates e alguns dos seus fiéis, um grupo de deputados do PS, considerados muito próximos do ex-primeiro-ministro, tenha avançado com um pedido de fiscalização sucessiva do Orçamento, por iniciativa individual e à revelia do grupo parlamentar socialista. Mais curioso ainda é que, até ao momento em que escrevo, a direcção desse grupo parlamentar continue silenciosa sobre o tema, que aliás em termos práticos ilustra a vontade de sectores do PS romperem com o acordo que subscreveram com a troika - retomando assim o que era o desejo profundo imposto por Sócrates na sua obstinação de não reconhecer a realidade. Esta iniciativa de alguns deputados, que se esconde debaixo de uma candura do direito constitucional, é, no fundo, apenas uma manobra de baixa política. De uma assentada cria-se um bloco interno, organizado, a demarcar-se de todas as medidas de austeridade, sem, evidentemente, propor nenhuma alternativa. Ali estão os suspeitos do costume - Vitalino Canas, Alberto Costa, Fernando Serrasqueiro, o sempre fiel José Lello e o iluminadíssimo Sérgio Sousa Pinto, entre outros. Tudo isto acontece ao mesmo tempo que Teixeira dos Santos, de regresso à Universidade, admite, contrariando o pensamento de Sócrates, que a ajuda externa devia ter sido pedida logo em 2010 e reconhece que não existe alternativa ao que está a ser feito. Ouvimos isto e ficamos a ver os pândegos do costume, que levaram o País ao estado onde está, a dizerem alto e bom som que querem que as coisas piorem ainda mais e que nada se faça para resolver os problemas que existem - esse é o sentido único da iniciativa dos apaniguados socráticos. De Seguro e Zorrinho não se sabe o que pensam nem o que dizem. Estão encolhidos a um canto a ver se passam na chuva sem se molharem.
Gastromia
Em honra ao ministro Santos Pereira, esta semana não falo de petiscos. Fico-me pelos seus pastéis de nata e pelo frango no churrasco - que de um dia para o outro se tornaram na chave para o desenvolvimento da economia portuguesa. É pena que o Santos Pereira ainda não tivesse saído da casca quando no ano passado houve a votação das maravilhas da gastronomia portuguesa - outros resultados teriam certamente surgido. Mas adiante: o cómico caso dos pastéis de nata a servirem de sobremesa ao frango só revela que este ministro é mais rápido a lançar uma piada do que a anunciar medidas concretas. Se num qualquer cidadão isto se aceita, num ministro da Economia já não. Dizem-me que o homem aterrou num Ministério onde, em vez de uma equipa, lhe puseram ao colo um saco de gatos. Tudo isto pode ser verdade, mas não explica a tentação de Santos Pereira pela metáfora. Esta semana - dizem-me que apesar dele - foi fechado o acordo de concertação social. É melhor notícia que o sururu pasteleiro.
Ouvir
Anders Holst é um sueco, cantor de jazz, que vive em Nova Iorque desde há algum tempo, ocupação difícil para um estrangeiro na cidade do "Blue Note" neste tempo em que toda a gente acha que o jazz vocal e o soft jazz são meio caminho andado para o reconhecimento. Há uma explicação para isto: o grupo etário que gosta do género ainda compra mais discos do que faz "downloads". A situação levou a que o outrora quase deserto território do jazz vocal se tenha transformado num local apinhado, as mais das vezes com muito pouco talento pelo meio. Acontece que não é o caso de Holst, que há dois anos não lançava um disco novo. Este CD que editou já no final de 2011, "Soho Suite", tem sido apontado como o seu melhor trabalho de sempre. Todas as composições são da sua autoria ou co--autoria, à excepção de uma, os arranjos conseguem evitar as complicações que grande parte dos discos de jazz vocal tem nos últimos tempos e o resultado é um bom trabalho, bem tocado (na maioria por músicos suecos), muito bem cantado. (CD UOM/Amazon).
Estranho
A RTP nomeou um director-geral, Luís Marinho. Conheço o nomeado há muitos anos, trabalhei com ele em várias ocasiões e tenho muito boa impressão dele, além de uma relação cordial. Por isso mesmo, nada do que a seguir escrevo significa qualquer dúvida em relação à pessoa. Acontece, no entanto, que esta nomeação está ferida de um pequeno problema - o cargo de director-geral da RTP não está previsto no quadro legal da empresa (desde a Lei da Televisão - na parte que incide sobre a televisão pública - até aos contratos de concessão) e isso não é por acaso. Na última revisão da Lei o assunto foi debatido e a opção dos legisladores foi no sentido de não criar esse cargo, para evitar um conflito de interesses entre as áreas da informação e da programação e para manter a autonomia dos respectivos directores, como a Lei estabelece. Acontece que o novo Conselho de Administração da RTP, que continua a fazer mudanças estruturais mesmo sem saber o que se vai passar a médio prazo, optou por criar uma situação em que irá ter um director-geral, que obviamente reporta ao Conselho de Administração e recebe as suas orientações, e que terá por missão dirigir o trabalho das diversas direcções de conteúdos da RTP. E é aqui que está o problema - os directores das áreas de conteúdos, seja na informação ou na programação, são supostos terem independência em matéria editorial em relação à Administração e não receberem instruções nessas áreas - é isso que está na Lei. Eu duvido que o director-geral vá apenas controlar orçamentos, meios de produção e emissão. E não consigo perceber como a ERC concorda com uma nomeação neste enquadramento e nestas condições. Como bem disse Eduardo Cintra Torres numa recente audição parlamentar, a ERC "funciona em roda livre e tem sido muito negativa, no modelo actual, para o serviço público de televisão".
Arco da velha
Seguro dos bombeiros não cobre queimaduras.
Semanada
Num julgamento de uma caso de violação, a juíza-desembargadora Eduarda Lobo saiu-se com esta pérola na sentença: "agarrar a cabeça (ou os cabelos) de uma mulher, obrigando-a a fazer sexo oral, e empurrá-la contra um sofá para realizar a cópula não constituíram actos susceptíveis de serem enquadrados como violentos"; o Provedor de Justiça questionou a EMEL sobre a legalidade de algumas taxas que aplica; Pastelaria Nobreza de Braga já exporta por ano dois milhões de pastéis de nata ultracongelados.
Ler
A edição de Janeiro da revista britânica "Wallpaper" tem como tema destacado os alunos recém-formados nas principais universidades mundiais e que já estão a deixar a sua marca de criatividade em áreas como o design, a arquitectura, a moda, o grafismo, a fotografia e turismo, por exemplo. São dezenas de pessoas que já concretizaram uma ideia, algumas que já a aplicaram em produção industrial, outras que decidiram mudar de vida e fazer aquilo que gostam - desde um "art director" que resolveu fazer uma padaria muito especial até um agente de músicos que largou os palcos e se concentrou num pequeno hotel. Outros pontos em destaque na revista são um belíssimo dossier sobre algumas das melhores e mais confortáveis cadeiras que se podem encontrar no mercado, uma reportagem sobre os bastidores criativos de Nova Iorque, um especial sobre a moda austríaca e um guia dos novos talentos em duas cidades espanholas - Valência e Barcelona.
Ver
Laurie Anderson diz que caminhamos para um mundo em que a visita aos museus e o consumo de várias formas de arte vai depender apenas do próprio indivíduo e da forma como ele consegue utilizar a tecnologia ao seu alcance. Os bons "sites" de museus já possibilitam uma experiência que vai para além da informação de agenda. Proponho que visitem o site www.guggenheim.org e que explorem o seu potencial - nomeadamente clicando na parte referente à exposição de Maurizio Castellan, que ocupa a rotunda do célebre edifício do museu. Poderão ver um vídeo que mostra o "making off" de uma fantástica exposição que interpreta de forma muito pessoal as últimas décadas.
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