Opinião
Vergonha
Não tenho a menor simpatia por André Ventura. Mas também tenho muito pouca simpatia pelo comportamento de vários deputados no Parlamento
"A maior parte das conversas não passa de monólogos proclamados na presença de testemunhas."
Margaret Millar
Vergonha
Não tenho a menor simpatia por André Ventura. Mas também tenho muito pouca simpatia pelo comportamento de vários deputados no Parlamento, pela forma como alguns deles, todos os dias, atacam a democracia que dizem defender, perante a complacência - por vezes cumplicidade - dos dirigentes dos respectivos partidos. Não falo só dos casos de acumulação da função de deputado com actividades que deviam ser incompatíveis, nem tão pouco dos casos de tráfico de influências ou de conflito de interesses. Também já nem falo dos arranjinhos de viagens, das assinaturas falsas de presença, das moradas fictícias para receberem subsídio de deslocação. O que, na semana passada, verdadeiramente me causou perplexidade foi a prescrição de multas a partidos políticos, que aconteceu graças a uma revisão da lei feita no Parlamento com a participação de deputados que eram visados no caso. A história tem requintes de malvadez e o facto é que prescreveram multas de centenas de milhares de euros aplicadas a partidos parlamentares por faltas cometidas nas suas contas relativas a 2009 e 2010. Pior ainda, sabe-se agora que o mesmo pode acontecer em relação às contas das finanças partidárias até 2014, que correm o risco de também ficarem no lixo e de não serem cobradas. E porquê? A nova lei de financiamento, feita em Janeiro de 2018, é a causa que levou à prescrição de processos de contra-ordenação de partidos e seus responsáveis financeiros. Curiosidade mórbida: alguns desses responsáveis financeiros das máquinas partidárias eram deputados que lideraram a muito conveniente revisão da lei que, em Janeiro de 2018, abriu caminho para atirar com as multas para o lixo. Na realidade, estes deputados encontraram forma de contornar um sistema de controlo e verificação de irrregularidades e ilegalidades na actuação dos partidos, para que eles depois não sejam sancionados. Se isto não é vergonhoso, o que será vergonha no parlamento português?
"Uma política para a cultura deveria ser uma política de públicos e uma política de instituições (bibliotecas, museus, arquivos, patrimónios...), não uma política de clientelas, de autores e de criações, em suma, de subsídios."
Alexandre Pomar
Semanada
• O Orçamento para 2020 prevê um aumento da receita fiscal de 1.275,4 milhões de euros (em contabilidade pública), as receitas com IRS crescem mais de 400 milhões de euros e o Governo prevê um aumento da receita do IVA graças ao aumento do consumo • no mês de Outubro, o crédito ao consumo atingiu o valor recorde de 726,8 milhões de euros • as queixas dos consumidores portugueses relativamente à Black Friday subiram 51% face ao ano passado • o descontentamento pelo atraso na entrega de encomendas aumentou 61% • em 2018, os museus tiveram um aumento de 13,5% no aumento de visitantes, que atingiram os 19,5 milhões, quase metade dos quais foram estrangeiros • em 2018, registaram-se menos 5,3 % de espectadores nas salas de cinema nacionais. Já os espectáculos de música registaram um aumento de 9,5% de espectadores • as exportações de bens culturais em 2018 representaram 167,6 milhões de euros (menos 6,9% do que no ano anterior) e as importações registaram 399,1 milhões, o que resultou num saldo negativo de 231,5 milhões • em 2018, a despesa das câmaras municipais em actividades culturais e criativas atingiu os 469,8 milhões de euros, um aumento de 4,4 % face a 2017 • a linha de crédito para os municípios fazerem trabalho de limpeza de terrenos florestais desce de 50 para cinco milhões no próximo ano • no próximo ano está previsto um aumento de custo de nove milhões de euros nos gabinetes ministeriais deste Governo • em 2018, cerca de 80 mil portugueses deixaram o país.
Futurologia
Embora nem toda a gente tenha consciência do assunto, na realidade, a maioria das pessoas ganharia em ter um almanaque perto de si ao longo de todo o ano. Nem estou a falar do velho Borda d’Água, estou mais a pensar em pequenos livros que se editam nesta altura do ano e que são guias para o futuro próximo. Um bom exemplo de uma destas bem úteis publicações é o "Grande Almanaque Português", editado pela Guerra & Paz. Tem um belíssimo grafismo e inclui extensa informação sobre feriados nacionais e municipais, festas e feiras por todo o país, os dias dos santos, romarias e procissões, rezas e benzeduras, astronomia, marés e meteorologia, além de um rol imenso de curiosidades, como por exemplo várias boas receitas culinárias. Está ordenado por meses e por assuntos. No início do livro, os editores sublinham que "um almanaque é um acto de celebração do passado e de confiança no futuro". Reza a tradição que o primeiro almanaque português nasceu no final do século XV, em 1496, uma obra de Abraão Zacuto intitulada "Almanach Perpetuum". Nos tempos presentes, este da Guerra & Paz oferece-nos muito boa informação útil para irmos balizando o 2020 que está à espreita.
Memórias & Jogatinas
Depois de terem percorrido três décadas da vida lisboeta (LX 60, LX 70 e LX 80), Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes dedicam-se agora a mostrar outro lado de Lisboa em "LxJoga", que tem a particularidade de contar histórias meio esquecidas da cidade, juntando-as com jogos de papel, colocados no livro ao lado de episódios que com ele se relacionam. Aqui poderão ver como nasceram as avenidas novas ou o que significava o Salão Ideal, como era a festa permanente do Bristol Club ou as tentações hollywoodescas do cinema português de meados do século passado. Há capítulos imperdíveis, como o dos 16 cromos lisboetas, do Repórter X a Guida Gorda, passando pelo Senhor do Adeus ou Madame Calado. Registam-se figuras que ajudaram a mudar a cidade, como Duarte Pacheco. Momentos marcantes, como o início da Moda Lisboa, a Expo 98 ou a inauguração da Fundação Calouste Gulbenkian, aparecem bem relatados e ilustrados. O "LxJoga" combina a história com o ar lúdico dos jogos que se vão espalhando ao longo das páginas, com as respectivas soluções no final da obra, como manda a tradição.
Arco da velha
O Governo não executou este ano mais de 755 milhões de euros de investimento público que estavam programados em 2019 e, no Orçamento de 2020, está assumido que 590 milhões nunca serão descativados.
A música de Umberto Eco
"La Misteriosa Musica Della Regina Loana" é uma novela de Umberto Eco que deu o título e serviu de inspiração ao novo trabalho da dupla Gianluigi Trovesi no clarinete e Gianni Coscia no acordeão, um disco agora editado pela ECM e já disponível no Spotify. Umberto Eco era um admirador confesso da dupla e, neste trabalho, Trovesi e Coscia recuperam uma série de temas que o escritor referiu no seu livro. Aqui estão 19 temas, entre os quais referências cinematográficas, como "As Time Goes By" (de Casablanca) ou "Bel Ami" (do filme com o mesmo nome), clássicos como "Moonlight Serenade" de Glenn Miller, "Basin Street Blues", de Louis Armstrong, ou temas dos próprios Trovesi e Coscia, como "Gragnola", a sua homenagem à Toscana. O disco abre com "Interludio", uma composição em que o próprio Umberto Eco e Gianni Coscia colaboraram há anos. Prova de criatividade e de capacidade de invenção, este disco é uma das belíssimas surpresas da editora ECM neste final de ano.
Aperitivo italiano
Sou um guloso por "arancini", essa delícia italiana que tem origem na Sicília. Trata-se de uma bola de arroz que pode ter vários recheios e que, no final, é passada por farinha e frita. Antes de o ter provado, deliciava-me com as descrições da iguaria feitas por Andrea Camilleri nos livros que relatavam as investigações do inspector Montalbano, claramente os policiais que conheço que mais abrem o apetite. Quando os provei, percebi o porquê dos elogios de Montalbano ao petisco. Se, em Itália, e sobretudo na Sicília, é frequente encontrá-los como aperitivos de fim da tarde em bares, em Portugal não é muito fácil dar com eles. Um bom amigo indicou-me - e posteriormente levou-me - ao L’Ape - Boteco Italiano, onde me deliciei com "arancini" de vários tamanhos e recheios, todos eles de superior qualidade. O L’Ape é um bar italiano feito para petiscar, conversar, beberricar. Há spritz de Aperol e de Campari, vinhos italianos e, em dias de sorte, os tais "arancini". A casa é pequena, tem uma sala junto ao bar e um reservado interior com apenas uma mesa. Combina a função de aperitivo com a de galeria de arte, mostrando obras de artistas jovens. O menu do dia inclui uma bebida e uma tábua de queijos, enchidos e outros petiscos (incluindo por vezes "arancini") e custa nove euros por pessoa. Além da tábua, há outras possibilidades, bruschettas, saladas, "piadine" e "panini" diversos por exemplo. A selecção de vinhos italianos e alguns portugueses é boa, embora não seja muito extensa e tem bons preços. Se um dia destes lhe apetecer experimentar um sabor de Itália ao fim da tarde, este é o sítio certo para ir. Marco e Sergio lideram as operações, o ambiente é alegre, o serviço muito simpático. Para saberem quando há "arancini", sigam a página do restaurante no Facebook ou no instagram. Fica na Rua da Senhora da Glória 116A, à Graça.