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19 de Fevereiro de 2021 às 11:14

O ecrã e o público

Estamos a assistir neste confinamento a um fenómeno interessante, sobretudo em comparação com o que aconteceu há um ano.

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Há muitas mentiras à solta a serem espalhadas pelo mundo fora, mas o pior de tudo é que afinal algumas têm fundo de verdade.
Winston Churchill

O ecrã e o público
Estamos a assistir neste confinamento a um fenómeno interessante, sobretudo em comparação com o que aconteceu há um ano. Nessa altura, quando toda a gente foi para casa pela primeira vez, o consumo de televisão subiu brutalmente, e em Março verificou-se mesmo a maior audiência do ano. Agora não está a acontecer isso e, na semana passada, o consumo até desceu em relação à semana anterior. Num universo televisivo em que os primeiros lugares de audiências são disputados por transmissões de futebol, telenovelas, Ricardo Araújo Pereira e alguns "reality shows", os canais generalistas continuam estáveis mas, no conjunto, são vistos apenas por cerca de metade dos espectadores, enquanto a maioria da outra metade vai para os canais de cabo e os restantes para as plataformas de "streaming" e jogos online. No meio de tudo isto, cabe destacar o que a RTP tem feito - quer em séries como a "Crónica dos Bons Malandros", quer em documentários como "Deus Cérebro" ou "Artur Entre Paredes", na RTP1. Mas também a RTP2 tem exibido documentários como "A Descolonização" e sobretudo tem programado séries absolutamente exemplares, como a alemã "O Desertor", a australiana "Operação Búfalo" ou o "thriller" belga "O Dia". Melhor ainda, uma larga parte das emissões dos canais RTP mantêm-se disponíveis após exibição na plataforma de "streaming" gratuita RTP Play, onde os programas aqui referidos permanecem para serem vistos. Serviço público é também isto: apostar na produção nacional, fazer encomendas regulares, mostrar a produção audiovisual de outros países. Se não houvesse serviço público audiovisual em Portugal, não teríamos esta gama de opções - nem aí, nem nos canais de rádio, todos eles (incluindo os regionais) também disponíveis no RTP Play, onde aliás alguns existem em exclusivo, como a rádio Jazz por exemplo. O consumo que fazemos de "media" está a mudar. E este último ano é bem prova disso.

Semanada

n Em 2020, Portugal perdeu uma média de 45 mil turistas por dia, uma quebra global de 61% de visitantes estrangeiros face ao ano anterior n o número de passageiros nos aeroportos nacionais afundou 69% em 2020 face ao período homólogo, e o movimento de carga e correio nos aeroportos em Portugal registou uma queda de 30% n o calçado perdeu 462 milhões em exportações nos últimos três anos n o novo presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers, escreveu há 11 anos um texto com críticas ao "lobby gay" a propósito da alteração ao código civil, então aprovada, que permitia o casamento entre pessoas do mesmo sexo  n as livrarias que só vendem livros continuam de porta fechada n o sector livreiro estima perdas superiores a quatro milhões de euros sofridas no decorrer deste confinamento n no conjunto das administrações públicas, que inclui as autarquias, em 2020, entraram mais de 19.792 funcionários no Estado n o SNS perdeu cerca de 800 médicos desde o início da pandemia n em 2020, as vendas de computadores atingiram mais de 470 milhões de euros n o Sistema de Segurança Interna (SIS) elaborou um plano de combate ao extremismo em 2017 que nunca foi apresentado ao Parlamento n cerca de 90% dos documentos de inquérito da venda do Novo Banco à Lone Star estão classificados como confidenciais n um inquérito agora divulgado indica que, na Universidade de Coimbra, 74% dos estudantes em confinamento pensaram em deixar de estudar e 66% revelam sentimentos de ansiedade n mais de 13 mil contraordenações foram levantadas pelas polícias em janeiro e fevereiro no âmbito do estado de emergência, um número superior ao total de 2020.

Dixit
A questão da vacinação é uma falha em toda a linha, não é nacional, é europeia. A política e a realidade industrial estão abissalmente separadas (…). A covid reflete as disfuncionalidades da União Europeia.
Isabel Capeloa Gil
Reitora da Universidade Católica

Observação humana
Quando pego num livro novo, vou logo ver a primeira página de texto. Se me desperta curiosidade, sigo. Se é um enfado, arrumo. "Morrem Mais de Mágoa", de Saul Bellow, começa pelo relato de uma conversa que, no fundo, é uma análise de uma banda desenhada, um "cartoon" de imprensa. O livro relata os dilemas de um especialista em literatura russa, Kenneth Trachtenberg, o narrador desta história. Ele é um especialista em literatura russa, que deixa Paris rumo à América, ao encontro do tio, Benn Crader, um botânico famoso com quem debate os temas mais diversos e reflete sobre a vida moderna. A relação entre o tio e o sobrinho, as longas discussões que mantêm sobre os desígnios do amor e do desejo, dão corpo a uma narrativa cheia de humor, inteligência e sabedoria, analisando a natureza humana com uma ironia fina, através da densidade de personagens que constrói. Editado originalmente há 11 anos pela Quetzal, que agora o volta a publicar em edição revista e com nova capa, "Morrem Mais de Mágoa", escrito em 1987, é considerado um dos grandes romances de um dos mestres da narrativa do século passado, Samuel Bellow, que foi Prémio Nobel da Literatura em 1976. Disponível onde ainda se puderem comprar livros.

Filme & Fotografia
Serralves tem a seu cargo a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, um espaço integrado no parque da Fundação. E, na Casa do Cinema, está desde finais do ano passado a exposição "Manoel de Oliveira Fotógrafo", que junta 100 fotografias, na maioria inéditas, tiradas entre os anos 1930 e 1950. A exposição baseia-se em tiragens originais da época, algumas com impressões feitas pelo próprio Manoel de Oliveira e outras que resultam de ampliações de negativos que existiam no acervo. Com base na exposição, que tem curadoria de António Preto, foi publicado um catálogo onde, em edição bilingue, se incluem cinco ensaios originais sobre o trabalho fotográfico do realizador, a par da reprodução de todas as imagens presentes na exposição e de uma série de outras fotografias que se dão, deste modo, a ver pela primeira vez. Além de António Preto, escreveram Bernardo Pinto de Almeida, Emília Tavares, Maria do Carmo Serén e David Campany.

A este trabalho de reflexão e investigação acresce um texto escrito por Manoel de Oliveira no final dos anos 1990, intitulado "Angélica, um filme que não me deixaram fazer", em que o realizador dá a conhecer o episódio verídico que inspirou o projeto do filme (escrito em 1952, mas só realizado em 2010, como "O Estranho Caso de Angélica"), que, de certo modo, marca o fim da sua relação com a fotografia como forma de expressão artística. No canal YouTube da Fundação de Serralves estão disponíveis conferências de Bernardo Pinto de Almeida sobre esta exposição, assim como uma visita guiada. E, enquanto não se pode ver a exposição, podem encomendar o catálogo na loja online de Serralves.

Arco da velha
O Governo já apresentou um Plano de Recuperação e Resiliência baseado na distribuição de milhares de milhões de euros da "bazuca" dos apoios europeus, mas um portal da transparência para acompanhar a execução desses fundos, aprovado no Parlamento com os votos contra do PS, continua no esquecimento.

A iguaria dos rios
O meu "post" de Facebook que obteve maior número de "likes" e de comentários dos últimos tempos foi um que fiz manifestando a minha tristeza pela dificuldade que é, na conjuntura do confinamento, provar um bom arroz de lampreia. Sou um devoto da polémica iguaria, que tanto tem de adeptos como de inimigos. Mas os adeptos são ferozes defensores do ciclóstomo e um deles, velho amigo, até me desafiou a organizar um "partido da ciclostomologia" na clandestinidade. Recordo-me com saudade das lampreias no Manel do Parque Mayer e do Apuradinho, da Rua de Campolide. E tive igualmente boas experiências no Solar dos Presuntos, na Adega Tia Matilde e na Tasca do João, ao Lumiar. Muitos dos meus dedicados amigos, sentindo as minhas saudades, disseram-me que estas três últimas casas fazem lampreia em "take away" e que a coisa funciona bem. E acrescentaram à lista a Imperial de Campo de Ourique, o Pinóquio, o Marquês de Palma e o Escadinhas da Cruz da Pedra, perto do Hospital da Cruz Vermelha. Dos vários géneros, prefiro o arroz, vou pela bordalesa só na segunda prova da época, mas aqui há uns anos experimentei, no Solar dos Presuntos, uma lampreia assada, confeccionada inteira, que é de se lhe tirar o chapéu. Fiquemo-nos então a explorar a possibilidade do "take away" de lampreia enquanto não chegam melhores dias. Outro grande e velho amigo recordou-me que é em Entre-Os-Rios que se come a melhor de todas. E já apalavrámos que, se o bicho permitir, para o ano lá nos encontraremos.

Guitarrada suave
Jakob Bro é um guitarrista dinamarquês que tem gravado para a etiqueta ECM, e "Uma Helmo" é o seu quinto álbum, desta vez com um novo trio que integra também o trompetista norueguês Arve Henriksen e o baterista espanhol Jorge Rossy, que trabalhou muitos anos ao lado de Brad Mehldau. Como curiosidade, diga-se que a primeira vez que os três músicos tocaram juntos foi precisamente nas sessões de gravação deste álbum, que decorreram num estúdio da Rádio Suíça em Lugano. O álbum tem nove temas (oito originais, um deles com duas versões), cerca de uma hora de duração, momentos quase hipnóticos que passam por homenagens a outros músicos como ao trompetista polaco Tomasz Stanko e ao saxofonista Lee Konitz, ambos músicos com quem Bro tocou. O tema de homenagem a Konitz, "Music For Black Pigeons", é aliás um dos mais interessantes de todo o álbum. Vale a pena sublinhar que a guitarra de Bro, como a revista Downbeat faz notar, é ao mesmo tempo luminosa e dramática. Na maior parte dos temas a iniciativa vem do trompete de Henriksen, que depois a guitarra de Bro segue de forma suave, bem pontuada pela bateria de Rossy. O álbum tem uma sonoridade homogénea, subtil e algo etérea, que se mantém ao longo de todos os temas. CD ECM, disponível em "streaming".

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