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22 de Janeiro de 2021 às 10:55

As contradições na pandemia

Se quisermos resumir as coisas, a estratégia do Governo para o combate à pandemia tem sido um passeio na montanha-russa.

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"Tem sido dito que o homem é um animal racional e eu tenho passado a minha vida, sem sucesso, à procura de provas que confirmem isto"
Bertrand Russell

As contradições na pandemia
Se quisermos resumir as coisas, a estratégia do Governo para o combate à pandemia tem sido um passeio na montanha-russa. Depois do confinamento de Março, escancararam-se os portões no Verão, fecharam-se no Outono, mas com muitas frestas, e depois escancararam-se de novo as portas nas últimas semanas de Dezembro. O resultado desta montanha-russa de decisões está infelizmente à vista e é dramático. Falta de atenção às evidências científicas, falta de planeamento em matéria de organização e meios no sistema de saúde e uma comunicação péssima são os erros que nos trouxeram aqui. Citando sábias palavras amigas, as mensagens contraditórias de "abre e fecha" levaram-nos onde estamos. Na realidade, um dos princípios básicos da comunicação tem em conta a clareza da mensagem. Ambiguidades e contradições são para utilizar em contextos em que o resultado final pouco importe ou possa vir a ser anulado. Quando se estabelece um sentido de urgência para a adopção de determinados comportamentos, como numa situação de pandemia em que a saúde pública e as vidas das pessoas são postas em causa, a necessidade desse básico é ainda mais evidente. O contrário de uma mensagem clara e inequívoca pode ser uma mensagem paradoxal ou uma contraditória. As mensagens paradoxais deixam os receptores enredados numa teia de onde dificilmente saem, já que uma coisa e o seu contrário são ambos percebidos como válidos. Já as mensagens contraditórias deixam o caminho aberto à escolha do comportamento a adoptar.

Ora, parece que o estilo adoptado pelo Governo para anunciar o confinamento terá ido pelo caminho da contradição. Senão vejamos: uma semana antes, começou a preparar os cidadãos para um novo confinamento que seria mais rigoroso do que o primeiro, para no dia da comunicação ao país enunciar umas boas dezenas de excepções que permitem aos cidadãos - e se conhecemos a nossa habilidade para enganar regras - escolher a maneira de se comportarem. Muitos respiraram de alívio, outros ficaram preocupados e hoje temos uma grande parte da população em pânico. O que se espera de uma liderança é que ela - sobretudo em momentos difíceis - nos transmita mensagens claras ainda que duras, que nos guie, que vá à frente e não que vá atrás com o dedo apontado à nossa irresponsabilidade. Porque somos todos nós que estamos cansados. Uma mensagem clara é percebida por todos os receptores da mesma maneira, não deixa espaço para a dúvida e normalmente reduz o cansaço, pela simples razão de que não é necessário repeti-la. Esperemos que a montanha-russa não recomece no Carnaval e na Páscoa. Não chegámos aqui por acaso ou por infortúnio, foi por uma sucessão de erros que potenciaram o perigo da pandemia. A situação não era fácil, mas ficou pior quando a vontade de agradar se misturou com a falta de preparação e a falta de coragem de tomar medidas a tempo e horas.

Semanada

Os cinemas portugueses sofreram uma quebra de 75,55% em audiência e receitas no ano passado face a 2019, correspondendo a menos 11,7 milhões de espectadores em sala n o Instituto do Cinema Audiovisual (ICA) indica que em 2020 as salas de cinema tiveram 3,77 milhões de espectadores, quando em 2019 tinham sido emitidos 15,5 milhões de bilhetes n o domínio português na internet, .pt, viu o número de registos crescer 22,9%, fechando o ano de 2020 com mais 96 mil n os eventos cancelados desde que o Governo anunciou a intenção de implementar um novo confinamento geral provocaram perdas superiores a um milhão de euros na facturação das empresas do sector, segundo a Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos (APSTE) l os casinos físicos portugueses perderam 50% das receitas brutas em 2020, tendo fechado o ano com uma facturação de 157,9 milhões de euros, o valor mais baixo dos últimos 23 anos n em 2020, registaram-se em Portugal menos 345 mil voos que no ano anterior, uma quebra de 58% n na primeira semana do confinamento, o consumo de televisão não registou subida, ao contrário do que aconteceu em Março n os doentes internados em Lisboa e Vale do Tejo já são mais do dobro do máximo previsto há três meses n o cenário a que assistimos é equivalente a todos os dias cair um avião cheio de portugueses n esta semana, Portugal tornou-se o país do mundo com mais casos por milhão de habitantes e o 2.º em mortes n "não podemos tomar decisões conforme as pressões" - afirmou António Costa, em Bruxelas, sobre o reforço das medidas de confinamento.

Dixit
"Ouvindo falar o primeiro-ministro, parece que não foi este Governo que esteve a gerir este processo da pandemia e nos trouxe a um ponto entre a espada e a parede"
Tiago Mayan Gonçalves

Espírito oriental
"A glória, como vós sabeis, é uma coisa amarga", lê-se no último parágrafo de "O Marinheiro Que Perdeu As Graças do Mar". O livro, um dos mais breves e poderosos romances da obra de Yukio Mishima, foi publicado originalmente em 1963, revelando um olhar radical e cru sobre a honra perdida de uma sociedade japonesa transformada pela guerra. Relata os sentimentos de jovens testemunhas de um amor que ultrapassa ventos e marés e que, ao olhar de um adolescente e seus amigos, é sintoma de uma fragilidade humana perigosa e inaceitável. Noburo e seus amigos estão no centro do livro. Quando a mãe de Noburo conhece o marinheiro Ryuji e se envolve com ele, o rapaz fascina-se com as histórias de aventuras no alto-mar, com a coragem e a calma daquele homem, com a solidez do seu corpo. Assim que o marinheiro desilude os ideais fundamentalistas, o grupo de amigos de Noburo monta e põe em marcha um plano de vingança. Yukio Mishima, pseudónimo de Kimitake Hiraoka, nasceu em Tóquio em 1925 e suicidou-se praticando o ritual "seppuku", a 25 de Novembro de 1970, manifestando assim a sua discordância perante o abandono das tradições japonesas. A sua obra e a sua vida estão enraizadas no tradicionalismo militar e espiritual dos samurais. Bem sei que as livrarias estão fechadas e os livros são considerados por este desgoverno produtos não essenciais. Mas pode sempre utilizar uma das plataformas online para encomendar este magnífico Mishima.

Passear num museu
Galerias fechadas, museus encerrados. O que podemos fazer? Voltar a explorar as possibilidades de navegar pela internet! A Gulbenkian tem desenvolvido bons recursos no seu site que nos permitem, nestes dias mais difíceis, ter a ilusão de podermos ver e ouvir sem sair de casa. Se forem ao site gulbenkian.pt e seleccionarem a área de museu, e depois museu online, poderão descobrir as várias colecções em visitas virtuais que funcionam bem, quer na Colecção do Fundador, quer na Colecção Moderna. Se escolherem as exposições actuais, por exemplo, poderão ver uma visita virtual da exposição de Lalique (na imagem) e também uma visita guiada a esta mostra feita pela curadora que a organizou, Luísa Sampaio. E, já agora, vão até ao YouTube e pesquisem por Gulbenkian. Irão dar com o canal da fundação, onde têm numerosos vídeos sobre o museu e as exposições, mas também os registos das gravações das emissões de "streaming" de diversos espectáculos, como os recentes Concerto do Ano Novo ou Uma Noite na Ópera. Por ali têm muito com que se entreter. Enquanto não podemos voltar às nossas galerias preferidas, pelo menos podemos explorar o que a internet hoje nos possibilita. E a oferta online da Gulbenkian é boa.

Curiosidades contemporâneas
A China foi a única potência mundial a crescer em 2020.

Música para dias frios
Há alguns anos que vou seguindo o que a editora musical ECM vai fazendo. Fundada em 1969, em Munique, por Manfred Eicher, a ECM abriu a porta primeiro ao jazz europeu, depois a músicos de outras nacionalidades e a outros géneros musicais. De Keith Jarrett a Pat Metheny, passando por Dave Holland, muitos dos melhores músicos gravaram para a editora. Desde 2017, a ECM passou a ter todo o catálogo disponível nas plataformas de "streaming". É um catálogo cheio de diversidades, de experiências, mas também de discos que hoje são clássicos da música contemporânea. Agora, no início deste ano, a ECM actualizou nas plataformas, sob a forma de "playlist", uma colectânea apropriadamente intitulada "Deep Winter". São três dezenas de temas, mais de duas horas de música criteriosamente escolhida de nomes como John Cage, Jan Garbarek, Meredith Monk, Terje Rypdal, Keith Jarrett, mas também Bach, Bela Bartok. Esta é uma boa oportunidade para descobrir o som da ECM. Se visitarem o site da editora, poderão também descobrir a sua actividade mais recente. Eu tenho este "Deep Winter" em modo "repeat" há vários dias.

Salada de inverno
Confinados, resta voltar à cozinha. Já no primeiro confinamento criei uma rotina de imaginar menus, pesquisar na internet, ver o que podia fazer com ingredientes fáceis de encontrar em supermercado. Cozinhar aliviou-me da tensão do teletrabalho e agora, de novo, é uma pausa que ajuda a descontrair desta ansiedade inevitável causada pela pandemia e pelo agravamento da situação. A proposta que vos deixo esta semana, apesar das temperaturas baixas, é de uma salada caprese, mas esta é especial e quentinha. Comecem por preparar a quantidade de que necessitarem de quinoa branca da forma habitual, e entretanto aqueçam o forno a duzentos graus. Quando a quinoa estiver quase cozinhada, misturem um tomate picado, espinafres baby frescos, parmesão ralado e sal e pimenta a gosto. Espalhem a quinoa com estes aditivos numa travessa de ir ao forno, e por cima coloquem tomate às rodelas, com duas bolas de queijo mozzarella cortado às fatias, e reguem com um fio de azeite. Levem tudo ao forno durante cerca de meia hora, até o queijo começar a derreter e a ficar levemente tostado. Antes de levar para a mesa, coloquem por cima folhas de manjericão fresco. Bom apetite para esta caprese de Inverno. 


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