Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Manuel Falcão - Jornalista 11 de Dezembro de 2020 às 11:14

A encobridora

Nove meses. Foi este o tempo que decorreu entre o assassinato de um ucraniano por agentes do SEF no aeroporto de Lisboa e o pedido de demissão finalmente apresentado pela diretora desses serviços

  • 1
  • ...
Back to basics
"Aquilo que está feito não pode ser desfeito."
William Shakespeare

A encobridora
Nove meses. Foi este o tempo que decorreu entre o assassinato de um ucraniano por agentes do SEF no aeroporto de Lisboa e o pedido de demissão finalmente apresentado pela diretora desses serviços. Durante meses, Cristina Gatões assobiou para o ar como se nada fosse. Na realidade, encobriu. De início, a investigação foi branda e, relendo as notícias do crime, a ideia é que a cúpula do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras quis evitar que se falasse ou investigasse a fundo o assunto. O ministro da Administração Interna, objectivamente, ouviu os assobios e ficou-se quedo e mudo. Esta semana aceitou piedosamente o tardio pedido de demissão da senhora. Fica-se na dúvida se o silêncio da senhora foi voluntário ou se foi ordenado. Não é muito normal ver um ministro conivente com a ocultação dos factos. Será interessante ver qual será o próximo posto desta diligente funcionária do Estado, uma jurista que fez toda a carreira no SEF. Cristina Gatões demorou nove meses a reconhecer o sucedido, que classificou modestamente como actos de tortura. Custa a acreditar que os outros membros da direcção nacional do SEF, que continuam em funções, não soubessem do sucedido. Não falaram, não se indignaram, mas o ministro Cabrita atribuiu-lhes agora a responsabilidade da reestruturação futura dos serviços. Seria bom saber porque é que também foram coniventes no silêncio - receberam ordens para se calarem?

Recentemente, o SEF anunciou que, face ao sucedido, seria instalado um botão de pânico nas instalações, para que eventuais agredidos pudessem reagir. Podia ser anedota se não fosse macabro. O botão de pânico dá ideia do género de reestruturação que povoa estas mentes. E Eduardo Cabrita tem, em toda esta novela, muito que explicar. Se não promoveu, ajudou ao silêncio, a esconder, a desvalorizar a morte de um homem às mãos do Estado. Não devia continuar em funções.

Semanada

Um estudo recente indica que a queda do emprego registada este ano em Portugal concentrou-se nas profissões com os salários mais baixos  Boaventura Sousa Santos escreveu um artigo a elogiar o ensaio "O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo", de Lenine, a propósito da votação do Orçamento do Estado apesar da diminuição de turistas devido à pandemia, a Madeira vai continuar a gastar este ano um milhão de euros no fogo de artifício da noite de fim de ano segundo o Inquérito à Fecundidade de 2019, 10% dos portugueses não têm intenção de ter filhos apenas 56% dos estudantes terminam o 12.º ano depois da idade esperada, ou seja, 17 anos na Assembleia da República, o plano de vacinação contra a gripe recebeu 310 inscrições, mas o Parlamento só recebeu até agora 105 vacinas as vendas de queijo da serra da Estrela com denominação de origem protegida caíram 60%, devido essencialmente à anulação de feiras e eventos onde se comercializa o produto o Exército travou a admissão de um jovem que se afirmou como transexual no Santuário de Fátima, de março até outubro deste ano, foram anuladas 987 peregrinações (703 estrangeiras e 284 portuguesas), num total de mais de 320 mil peregrinos a ausência de peregrinos traduz-se numa quebra acentuada de receitas, 50,6%, nomeadamente ao nível dos donativos até Outubro, no Serviço Nacional de Saúde, realizaram-se menos 112 mil cirurgias, menos 37 mil consultas presenciais por dia e menos 22 milhões de exames que em igual período do ano passado  a procura de viagens aéreas caiu 70,6% a nível global em Outubro deste ano, comparado com o mesmo mês de 2019.

Dixit
"Não se tratou de um acidente, mas sim de um atentado, embora não dirigido necessariamente a Francisco Sá Carneiro."
Marcelo Rebelo de Sousa

O tempo da China
Diplomata, académico, perito em relações internacionais e assuntos asiáticos, Kishore Mahbubani é professor na Universidade Nacional de Singapura. Foi embaixador de Singapura nas Nações Unidas e presidiu ao Conselho de Segurança em 2001 e 2002. Já este ano lançou "Has China Won? - The Chinese Challenge To American Primacy, agora editado em português pela Bertrand com o título "A China Já Ganhou?". Ao longo de nove capítulos, Kishore Mahbubani faz uma reflexão geoestratégica do que se passa actualmente, analisando o comportamento da China e dos Estados Unidos e as situações a que ambos os países chegaram, as características de cada um e a maneira como encaram os grandes desafios do tempo presente, da ameaça terrorista aos problemas ambientais. No final do livro, o autor deixa este recado: "O desafio que as alterações climáticas representam é simples: conseguiremos nós demonstrar que continuamos a ser a espécie mais inteligente do planeta Terra e preservá-lo para as gerações futuras? Os seres humanos olhariam cheios de pena para quaisquer das tribos de símios que continuassem a lutar pelo domínio do território, enquanto a floresta em volta ardia. Contudo, é assim que os Estados Unidos e a China surgirão às gerações futuras se continuarem a dirigir o foco para as suas diferenças, enquanto o planeta Terra enfrenta um longo período de grande perigo." E conclui o livro com esta frase: "A derradeira questão, portanto, não se centra em saber se os Estados Unidos ou a China venceram. Centra-se em perceber se a humanidade venceu."

Imagens confinadas
No Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, está patente até 23 de Janeiro a exposição "Face À Vida Nua", que recolhe o trabalho de três artistas durante a pandemia e o confinamento: Luciana Fina apresenta-nos um filme realizado no primeiro surto pandémico deste ano, em que se confronta com a devastação da paisagem natural devida à especulação imobiliária; Vasco Barata dedicou-se nos meses da pandemia à prática do desenho, contido às dimensões físicas do seu espaço de trabalho. E João Pina documentou, com um ensaio fotográfico (na imagem), o célebre edifício Copan, em São Paulo, projetado por Oscar Niemeyer, que tem 1160 apartamentos e mais de 5000 residentes.

Outros destaques: a não perder nos dias 11,12 e 13, na Galeria Monumental, "Virose Artística", uma mostra de pequenos formatos com obras de mais de 50 artistas, ao preço único de 50 euros. Exclusivamente no Facebook e Instagram da Galeria. O Museu Municipal de Faro inaugurou a exposição "Território Solar", com obras da Coleção de Fotografia Contemporânea do Novo Banco. Com curadoria de Maria Eduarda Duarte, a exposição está patente até 28 de Março de 2021. E, finalmente, na SNBA está uma exposição sobre a obra de Cruzeiro Seixas. A mostra, designada "Fazedor Nada Perfeito", inclui mais de 60 peças, entre escultura, desenho, joalharia e serigrafia. Até 30 de Dezembro.

Arco da velha
Um sargento da GNR, arguido no caso do assalto das armas em Tancos, justificou assim as suas longas conversas com o líder do furto para que dissesse onde escondera o material: "Os informadores são como as vacas: enquanto tiverem leite há que insistir."

Uma raridade de Amália
Como é que nasce um disco? "Ensaios", a edição agora lançada com registos de Amália Rodrigues, ajuda a perceber o processo criativo da fadista. Trata-se de um CD duplo, em que o primeiro disco recolhe gravações feitas nos estúdios de Paço de Arcos da Valentim de Carvalho e o segundo inclui gravações realizadas em casa da própria Amália, em 1970 e 1971. Mais uma vez, este trabalho, ligado às comemorações do centenário da fadista, tem a mão de Frederico Santiago, que tem desempenhado um papel fundamental na recuperação do arquivo Amália. O primeiro disco recolhe cinco temas, ensaios e "takes" experimentais gravados em estúdio, incluindo conversas com Hugo Ribeiro, o técnico de som que mais trabalhou com a fadista, e os músicos que a acompanhavam. Ali estão "Meu Amor É Marinheiro", "Sete Estradas", "Rosa Vermelha", "Alfama", "Perdigão". No segundo disco, gravado em casa de Amália em Lisboa, está o registo do seu trabalho com Alain Oulman, em fados como "Sete Estradas", "Nunca Ninguém Viu Ninguém", "Gondarém", "Perdigão", "Abril", "Rosa Vermelha" e "Com Vossa Licença". E depois há uma surpresa: gravações de Alain Oulman a cantar para Amália, em meia dúzia de fados. São momentos de intimidade que mostram a enorme cumplicidade musical entre ambos, o processo de busca e repetição, até se chegar ao ponto que Amália pretendia - nas suas palavras, perto da perfeição: "A mim, as coisas só me parecem completas quando as tenho todas, quero sempre fazer mais, fazer melhor." A edição é complementada por um livro que traça a cronologia de 1970, ano em que Amália cantou em vários territórios, do Japão aos Estados Unidos. O livro tem fotografias inéditas, reproduções de páginas dos cadernos manuscritos de Alain Oulman, com partituras e poemas, além de notas explicativas de Frederico Santiago sobre cada um dos fados. Edição Valentim de Carvalho.

Salicórnia confinada com arroz
Gosto de arroz de todas as maneiras - simples ou numa das muitas variedades temperadas da cozinha tradicional portuguesa. A minha preferência mais recente vai para arroz de salicórnia, essa planta que cresce espontaneamente em ambientes salinos, como nas rias da costa portuguesa. Tem caules carnudos, há quem lhe chame espargos do mar. A salicórnia é uma planta suculenta com sabor salgado, mas só há relativamente pouco tempo começou a ser mais fácil de encontrar nos supermercados - nas lojas de produtos biológicos já existia há algum tempo. Vamos então à receita, com arroz carolino naturalmente. De há uns tempos a esta parte, abandonei os refogados tradicionais e coloquei a cebola e o alho de lado. Uso muitas vezes funcho e gengibre picados salteados em azeite para dar um toque inicial, antes de adicionar o arroz e depois a água da sua cozedura - gosto dele malandro, mas sem demasiada calda. Neste caso de arroz de salicórnia, não adiciono sal. Só coloco a salicórnia, numa quantidade generosa, a meio da cozedura e envolvo-a bem no arroz. É também pouco depois, a uns três minutos do final da cozedura, que junto lingueirão - uso o congelado sem problemas, tendo o cuidado de o deixar ir à temperatura ambiente antes de entrar na panela. O lingueirão coze depressa e conserva melhor o seu sabor se não estiver muito tempo ao lume. Como qualquer arroz, devemos deixá-lo a repousar, tapado, já de lume desligado, pelo menos uns cinco minutos antes de servir. O tempo de preparação ronda a meia hora. Um Alvarinho a acompanhar fica sempre bem. Bom apetite. E divirtam-se. Cozinhar petiscos ajuda a combater o stress.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio