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Opinião
Manuel Falcão - Jornalista 20 de Outubro de 2017 às 11:09

A esquina do Rio

É uma terrível coincidência que, dias depois de o Governo tentar fazer esquecer e subalternizar o relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande, uma nova catástrofe tenha colocado ainda mais a nu o que então tinha corrido mal, e que agora se repetiu.

Back to basics
O Estado é o mais frio de todos os monstros. Ele mente friamente. Da sua boca sai esta mentira: "Eu, o Estado, sou o povo."
Nietzsche

Os incendiários da história
É uma terrível coincidência que, dias depois de o Governo tentar fazer esquecer e subalternizar o relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande, uma nova catástrofe tenha colocado ainda mais a nu o que então tinha corrido mal, e que agora se repetiu. Os "spin doctors", que na semana passada andaram a tentar colocar o relatório debaixo de resmas de assuntos, saíram-se agora com uma teoria de conspiração terrorista que atribui à direita a autoria dos incêndios, como estratégia para enfraquecer o Governo da esquerda. Da Roma antiga à ascensão nazi na Alemanha, a História está cheia de manobras destas e sabe-se o que elas provocaram. A conspiração que existiu foi a que mudou em Abril a maioria da estrutura de comando da Protecção Civil, trocando quadros experientes por "boys" inexperientes, da direcção nacional aos comandantes distritais, como o relatório que se queria esquecer diz claramente, a conspiração que existiu foi a de quem, contra as previsões meteorológicas e conselhos de especialistas, desmobilizou a 1 de Outubro o dispositivo de combate a incêndios, retirando operacionais e meios pesados, reduzindo praticamente a metade a capacidade antes existente. Nesta matéria, Centeno e Costa têm responsabilidades - o primeiro porque, com a sua austeridade camuflada, apertou os ministérios e forçou poupanças perigosas, e o segundo porque não resistiu ao apelo de umas nomeações de favor, que uma governante incapaz executou com mais desvelo do que a sua missão principal, que é a de proteger os cidadãos. Os erros do passado, de várias décadas, contam a nível estratégico (florestas, ordenamento, etc.), mas os erros tácticos e conjunturais contam muito - e este ano foram múltiplos, com o desgraçado resultado que se conhece. Há o nível do ordenamento florestal, há o nível do combate aos incêndios e há o nível da protecção das vidas humanas. O Estado falhou em todos os níveis. O único terrorismo que aqui vislumbro é o terrorismo de Estado. Não podemos mudar o passado, mas podemos melhorar o futuro.  

Semanada
Este ano já morreram mais pessoas em incêndios florestais do que no conjunto dos últimos 15 anos  no Orçamento do Estado de 2017, em vigor, o Governo fez um corte de 12% nas verbas para meios de prevenção e combate a fogos florestais, em relação ao que estava no Orçamento de 2016  a Rede Nacional dos 236 Postos de Vigia à floresta foi desactivada a 1 de Outubro pelo fim do contrato a prazo dos elementos que os integravam  na mesma data, o Governo reduziu para metade os meios de combate a incêndios, apesar das previsões meteorológicas desfavoráveis  os gastos de gabinetes governamentais estimados no Orçamento para 2018 estão acima dos verificados nos governos de Sócrates, que eram superiores aos verificados no governo de Passos Coelho  as novas despesas do Estado somam quase 500 milhões de euros em 2018  o corte no défice de 1% é todo feito pela via da receita, ou seja, mais impostos, taxas e taxinhas  o Orçamento prevê um aumento de 2,6% nas receitas com taxas e multas, que atingirão 3 mil milhões de euros  aumento do orçamento do Ministério do Ambiente: 75,8%  aumento do orçamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros: 10,9%  aumento do orçamento do Ministério das Finanças: 18,7%  aumento do orçamento do Ministério do Planeamento: 20,1%  aumento do orçamento do Ministério da Cultura: 11,3%  aumento do orçamento do Ministério da Administração Interna: 5,9%  aumento do orçamento do Ministério da Saúde: 2,4%  diminuição do orçamento do Ministério da Educação: 2,9%.

Ver
Na Culturgest, estão duas exposições notáveis, ambas com curadoria de Delfim Sardo, ambas exemplos da diversidade criativa norte-americana do final da década de 1960 e década de 1970 do século passado. Começo por "Splitting, cutting, writing, drawing, eating... Gordon Matta-Clark", que mostra o percurso de um dos mais marcantes artistas norte-americanos da sua geração - morreu em 1978 com 35 anos. Arquitecto de formação, Matta-Clark fez desenho, escultura, interveio em edifícios devolutos desconstruindo a sua estrutura e fez performance em espaços públicos - de que é bom exemplo o restaurante Food, um ponto de encontro de artistas, aqui recordado num filme de Matta-Clark e de Robert Frank (o fotógrafo da obra The Americans). A outra exposição, "Time Capsule", é dedicada à revista Aspen, um projecto fascinante criado em 1965 e que durou até 1971, publicando dez números, na época disponíveis apenas por assinatura. A publicação foi concebida como uma caixa dentro da qual vinham diversos materiais, uns impressos, outros gravados, como discos, e até filme em bobine. Cada número tinha um editor e designer diferente e a Aspen tornou-se um espelho de novas tendências. A exposição mostra todos os números da revista a partir da colecção de António Neto Alves, que demorou cerca de uma dezena de anos a conseguir obter todas as edições. Além dos exemplares da Aspen, a exposição contextualiza cada número com o auxílio de diverso material complementar. É sobretudo empolgante pensar como a Aspen foi criada a partir de um suporte tradicional em papel, que em diversas ocasiões juntou registos de som e de imagem, quase de forma premonitória em relação ao que hoje é possível fazer em publicações de suporte digital e distribuição na internet. Imperdível, até 7 de Janeiro. 

Arco da velha
Segundo o Tribunal de Contas, a Administração Central do Sistema de Saúde falseou tempos de espera para consultas e cirurgias nos hospitais e, entre 2014 e 2016, mais de 27 mil doentes ficaram em lista de espera por uma cirurgia, dos quais 2.600 morreram antes de serem operados.  

Folhear
Em Portugal, como em muitos países com História e tradições, há variações idiomáticas regionais, que vão da pronúncia até à existência de palavras e expressões que só se usam localmente - é o que acontece, por exemplo, em Trás-os-Montes onde uma capilota é uma sova, um farsolento é um vaidoso, uma novilheira é uma pessoa que tem sempre novidades ou unguento pode querer dizer dinheiro. Por isso mesmo, Cidália Martins, José Pires e Mário Sacramento compilaram o "Dicionário de Palavras Soltas do Povo Transmontano". Com mais de 10.200 palavras e expressões típicas de Trás-os-Montes, desde o vocabulário em vias de extinção, passando pelo calão, pela gíria, até às palavras e expressões castiças reinventadas pela nova gente transmontana, este dicionário surge como um valioso instrumento para dar a conhecer o vasto património da língua portuguesa, cuja grande riqueza reside na sua diversidade. No prefácio, o Professor Adriano Moreira classifica este dicionário como "uma obra prática, leve e lúdica" e recorda que "a língua é uma essencial expressão da identidade dos povos", sublinhando que "o nosso idioma global também vive e renasce no singular, no que é específico de determinadas localidades, regiões, aldeias". Edição Guerra & Paz.  

Gosto
Da frontalidade da comunicação ao país de Marcelo Rebelo de Sousa na noite de terça-feira.  

Não gosto
Do cinismo da comunicação ao país de António Costa na noite de segunda-feira. 

Ouvir
Miles Davis começou a gravar para a etiqueta Prestige em 1951 e, em 1955, depois do êxito obtido no Festival de Newport, foi para estúdio com o seu quinteto e gravou, em três extensas sessões, realizadas no final de 1955 e em 1956, uma série de discos hoje considerados o ponto de viragem decisivo da sua música. "The Legendary Prestige Quintet Sessions" é uma caixa de quatro CD, originalmente editada em 2006, agora reeditada e disponível no mercado nacional. O disco 1 recolhe gravações editadas no LP "The New Miles Davis Quintet", que incluía John Coltrane no saxofone, Red Garland no piano, Paul Chambers no baixo e Philly Joe Jones na bateria, além de Miles no trompete. O disco 2 recolhe temas gravados nos LP "Relaxin' With The Miles Davis Quintet" e "Steamin' With The Miles Davis Quartet". O disco 3 recolhe gravações dos LP "Miles Davis and the Modern Jazz Giants", "Workin' with the Miles Davis Quintet" e "Cookin' With The Miles Davis Quintet". O disco 4 recolhe gravações feitas em programas de rádio e televisão, que aqui tiveram a sua primeira edição em disco e também alguns solos de Davis registados durante as sessões de estúdio. As gravações foram remasterizadas a partir das fitas originais e a caixa inclui um livro de 52 páginas com um texto de Bob Blumenthal, que permite enquadrar a forma como tudo se passou. Disponível na FNAC e El Corte Inglés. 

Dixit
Como se estão a criar muitos compromissos futuros assentes numa economia de redistribuição, e não numa economia de investimento, temo que no futuro fiquemos na maré vazia e sem calções, como já sucedeu. 
João Duque
Professor do ISEG, sobre o Orçamento do Estado.

Provar
A chef Luísa Fernandes ganhou fama em Nova Iorque, para onde foi aos 49 anos, depois de ter sido pára-quedista e enfermeira. Começou como pasteleira num restaurante português, o Alfama, e depois de ter estado no Galitos, Park Blue e Nomad, terminou como chef num dos mais prestigiados restaurantes nova-iorquinos, o Robert. Há menos de um ano regressou a Portugal e, há poucos meses, abriu junto à Avenida da Liberdade o seu próprio restaurante, Peixe na Avenida. Focado no tema do mar, tem uma decoração sóbria e confortável. Ao almoço, há uma proposta de menu executivo por 14 euros (entrada, prato à escolha entre três propostas, sobremesa, bebida e café). À noite, há uma carta com boa diversidade de propostas, que contempla incursões em, ceviche, sushi e sashimi, todos com um toque português. Numa recente visita, a mesa provou atum braseado com escabeche de uvas e cebola roxa, ceviche de atum rabilho dos açores, sushi de atum com tempura de batata doce, pargo selvagem com batata vitelote e peixinhos da horta, bacalhau asiático com couve bok choy e arroz de bambu selvagem e ainda um bacalhau mais português, escalfado em azeite com esmagada de batata e nabiças. O destaque vai para o ceviche, o atum braseado e para o bacalhau asiático. A sobremesa foi uma tarte tatin de maçã servida com um surpreendente gelado de violeta. O vinho da casa é Quinta da Pacheca e revelou-se boa companhia. O Peixe na Avenida fica ao fundo da Rua Conceição da Glória, no número  2, na esquina com a Av. Liberdade. Encerra à segunda, sábado e domingo. Aberto ao jantar. Telefone 309 765 939. 



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