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19 de Agosto de 2016 às 10:24

A esquina do Rio

A história dos cidadãos portugueses nos últimos anos resume-se em poucas palavras: pagar sempre mais ao Estado, seja em impostos directos, seja em taxas diversas.

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No jornalismo, houve sempre uma disputa entre noticiar primeiro e noticiar com rigor.
Ellen Goodman

Impostices
A história dos cidadãos portugueses nos últimos anos resume-se em poucas palavras: pagar sempre mais ao Estado, seja em impostos directos, seja em taxas diversas. A máquina fiscal dispõe de poderes especiais, é muito pouco escrutinada, o sistema de (in)justiça fiscal e tributária favorece os abusos do Estado sobre cidadãos e empresas. Ainda esta semana se soube que a Autoridade Tributária quer reduzir diversos prazos de reclamação dos contribuintes. Soube-se também, felizmente, que a Comissão Nacional de Protecção de Dados não concorda com a quebra de sigilo bancário proposto pelo Governo.
Este Ministério das Finanças, e este secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em especial, tem dado provas de grande desrespeito pelos contribuintes, de que as numerosas notícias de atraso de reembolso e os expedientes utilizados para o fazer são apenas a ponta do icebergue. Nesta matéria dos mecanismos dilatórios do reembolso, este Governo foi, aliás, bastante criativo.
Não vou alongar-me sobre a posição ética de Rocha Andrade no caso do convite para ir à bola no estrangeiro, com tudo pago, que aceitou de uma empresa em contencioso fiscal com o Estado, nem da forma trapalhona como quis abafar a questão, como se um reembolso restabelecesse a honra - o que não acontece. Basta olhar para o que tem sido a sua acção, desde o que pensa sobre o imposto sucessório que ameaçou reintroduzir, até aos critérios de agravamentos do IMI.
Todos os governos recentes preferem aumentar impostos a reduzir as gorduras do Estado, e este não é excepção. E todas as oposições, quando se tornam governo, aproveitam os aumentos antes decretados e, se possível, ainda os carregam. Os combustíveis são um bom exemplo, talvez por se tratar de uma geringonça cujo motor há-de consumir algum carburante.
António Costa, por via do seu cobrador Rocha Andrade, é apenas mais um dos intérpretes do tirano xerife de Sherwood, que carregava nos impostos à medida dos seus custos. Mas Passos Coelho, que foi o anterior actor no papel desse vilão, escusa de se armar em Robin Hood, como fez no lamentável discurso da festa do Pontal. Ninguém o leva a sério. Nesse discurso, Passos Coelho fez o papel de Velho do Restelo, um arauto da desgraça, sem visão nem caminho. Feitos passados não garantem rendimentos futuros - é apenas o que me ocorre dizer nestas circunstâncias.

Semanada
• Até ao final da semana passada, já tinham ardido 2.500 hectares no Parque Nacional da Peneda-Gerês  Portugal, sozinho, é responsável por praticamente metade da área ardida em todos os países da União Europeia em 2016  desde o início do ano, já arderam no país quase 120 mil hectares de floresta  o número de candidatos ao ensino superior voltou a aumentar pelo segundo ano seguido e está perto dos 50 mil  em Portugal, há 96 mil jovens entre os 20 e 24 anos que não estudam nem trabalham  o Governo deve quase 50 milhões de euros às instituições de ensino superior  os plantéis das equipas de futebol da Liga estão avaliados em 900 milhões de euros  o BPN já custou 3,2 mil milhões de euros aos contribuintes  a economia portuguesa voltou a crescer apenas 0,2% no segundo trimestre face ao primeiro trimestre e o Governo já admite que o crescimento anual possa ficar abaixo de 1%, cerca de metade da previsão inicial  o Ministério das Finanças anunciou que, ao contrário de afirmações anteriores, não vai descer o imposto sobre os combustíveis  o Fisco continua a atrasar os reembolsos do IRS  o Tribunal de Contas identificou mais de 100 milhões de euros em dívida de câmaras e empresas públicas à Empresa Eléctrica da Madeira e algumas das dívidas têm 30 anos  €268.000.000 é o impacto gerado na economia lisboeta pelo Airbnb em 2015, segundo a própria empresa  um inquérito divulgado na semana passada afirma que quase 30% dos emigrantes querem voltar ao país.

Ver
Se está em Lisboa, este é um bom momento para ir ver a "Adoração dos Magos", de Domingos Sequeira (na imagem), que ocupa finalmente o lugar devido na Galeria de Pintura e Escultura Portuguesa, piso 3 do Museu Nacional de Arte Antiga, recentemente inaugurada. Graças aos donativos que possibilitaram a compra da obra e ao exemplar restauro dos conservadores do MNAA, "ganhou nova vida e a cena emerge triunfante sob uma luz divina nascida do genial traço de Domingos Sequeira" - como salienta o próprio museu. Se gosta de visitar o passado e de um bom trabalho baseado em arquivos, no Picoas Plaza fica o Centro de Informação Urbana de Lisboa e lá pode ver uma exposição fotográfica que documenta os 50 anos da Ponte 25 de Abril. Se está no Porto, em Serralves, até ao fim de Agosto, todas as quintas, sextas e sábados há visitas nocturnas ao parque, pela mão de Marco Ramos - "Há Luz no Parque" é o nome da iniciativa. Finalmente, se passar por Vila Nova da Barquinha, não deixe de visitar o Barquinha Parque, Prémio Nacional de Arquitectura Paisagista 2007 na categoria "Espaços Exteriores de Uso Público", da autoria da dupla de Arquitectos Paisagistas - Hipólito Bettencourt e Joana Sena Rego. Ali pode encontrar esculturas de Alberto Carneiro, Ângela Ferreira, Carlos Nogueira, Cristina Ataíde, Fernanda Fragateiro, Joana Vasconcelos, José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis, Rui Chafes, Xana e Zulmiro de Carvalho.

Gosto
Que o Tribunal de Contas continue a denunciar a má gestão do Estado e dos dinheiros públicos. 

Não gosto
Que o Estado não cumpra, ele próprio, as regras que obriga os cidadãos a cumprir, como sublinhou o Tribunal de Contas. 

Folhear
Sigo, há uns meses, o trabalho de uma pequena editora exclusivamente dedicada à fotografia, chamada Unknown Books (www.theunknownbooks.net). É uma operação verdadeiramente de paixão, que só faz pequenas tiragens, na maior parte dos casos entre a meia centena e a centena de exemplares e que só vende através da internet. O seu criador, Fábio Roque, é um fotógrafo, ele próprio autor de algumas das obras que edita. A Unknown Books existe desde 2014 e publicou duas dezenas de livros, sempre com edições numeradas, feitos em impressão digital - que nas edições mais recentes tem melhorado muito. É o caso de uma das mais recentes edições, o livro "Saudade", do norte-americano Nick Tauro Jr., e que é o resultado de uma residência artística que fez em Portugal. É muito curioso observar o resultado de mais um olhar estrangeiro sobre o nosso quotidiano, a nossa luz e os nosso hábitos. Aqui não há a procura do típico nem do fácil, existe um olhar atento para além das aparências. O autor descreve "saudade" como - e perdoem-me não traduzir - "a vague and constant desire for something that does not and probably cannot exist, for something other than the present, a turning towards the past or towards the future; not an active discontent or poignant sadness but an indolent dreaming wistfulness."

Arco da velha
A vítima de um acidente de moto andou a passear de ambulância entre Faro e Portimão e, não tendo conseguido o tratamento urgente de que necessitava, acabou por vir em carro particular para Lisboa, onde finalmente foi operado num hospital público. 

Ouvir
Parece existir um regresso aos discos essencialmente instrumentais de guitarra portuguesa nos últimos tempos e um conjunto de edições recentes dão nota disso mesmo. Para mim, o mais aliciante é o trabalho de Marta Pereira da Costa - por ser o mais aventureiro, a sair do estrito território do fado, que no entanto lhe é muito familiar, para se aventurar a experimentar a guitarra portuguesa na música popular em temas que ela própria compôs, dos quais destaco "Ícaro" (com Pedro Jóia), "Terra", "Encontro" (com Richard Bona), "Fado Laranjeira" (com Camané) e "Moon" (com a iraniana Tara Tiba). O disco regista ainda participações de Rui Veloso e Dulce Pontes, ambas comedidas e a deixarem a primazia à guitarra de Marta Pereira da Costa. Este é um daqueles trabalhos surpreendentes e que fica na memória.
Outro trabalho a reter é "Guitarra Portuguesa", de António, Paulo e Ricardo Parreira, herdeiros de uma grande tradição musical familiar. "Tons de Lisboa", de José Manuel Neto, conta com colaborações de peso: Carlos Manuel Proença na viola, Daniel Pinto no baixo acústico, mestre Joel Pina e Frederico Gato. Estes dois trabalhos, dos irmãos Parreira e de José Manuel Neto, são de uma enorme fidelidade à guitarra portuguesa e ambos são, do ponto de vista técnico, irrepreensíveis. O que lhes sobra em virtuosismo falta-lhes, no entanto, na chama criativa e na ousadia que o de Marta Pereira da Costa ostenta.
Da actual fornada, o menos interessante parece-me ser "Maturus", de Custódio Castelo, em guitarra portuguesa de dois braços, também chamada de guitarra siamesa. Como estão todos disponíveis no Spotify, se gosta de guitarra portuguesa, nada como ouvi-los e comparar.

Dixit
As humanidades ou as artes são bonitas ou feias, e as coisas em ciência estão certas ou erradas. Portanto, o certo é bonito e o errado é feio.
Professor Jorge Calado

Provar
Um espumante alentejano bom? Estão a gozar comigo ou quê? Pois fiquem sabendo que a coisa acontece e é realidade. João Portugal Ramos criou, a partir de uvas das castas Pinot Noir, Touriga Nacional e Aragonez, o Marquês de Borba DOC Espumante Rosé. Trata-se de um espumante bruto natural, com 11,5 graus, de cor rosada, com bolha fina, com notas de citrinos que lhe dão frescura e um final seco. É um vinho verdadeiramente surpreendente, que nesta época do ano tanto se revela um aperitivo excelente, como um excelente companheiro de saladas, de peixe ou mariscos. Mas é ao fim da tarde, num destes dias de Verão, que verdadeiramente ele fica na memória. Não deixa de ser interessante que João Portugal Ramos lhe tenha dado a sua marca Marquês de Borba, que assim fica renovada e com uma gama alargada para onde menos se esperava. 


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