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24 de Abril de 2014 às 10:19

A esquina do Rio

O 25 de Abril foi há 40 anos, menos oito que o total do tempo de poder do antigo regime. O que se passou antes de 1974 já não pode, em boa verdade, ser invocado como desculpa para o estado em que o país agora se encontra.

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Aqueles que prescindem das liberdades fundamentais, invocando a necessidade de assegurar temporariamente a segurança, não merecem ter nem liberdade nem segurança.

Benjamin Franklin

 


Ciclos
O 25 de Abril foi há 40 anos, menos oito que o total do tempo de poder do antigo regime. O que se passou antes de 1974 já não pode, em boa verdade, ser invocado como desculpa para o estado em que o país agora se encontra. O novo regime tem vivido em ziguezagues, mas há uma substancial diferença entre os primeiros 20 anos e as duas décadas seguintes, as mais recentes. Em pouco mais que as duas primeiras décadas pós-74, fizeram-se reformas e alterações estruturais na saúde, na educação, em infra-estruturas básicas; nas décadas seguintes, marcadas pela adesão à União Europeia, em 1986, engordou-se o Estado, os partidos engordaram os seus aparelhos e perderam militância, as obras públicas consumiram demasiados recursos, as empresas de construção cresceram enquanto as indústrias exportadoras encolheram; a pesca diminuiu e a agricultura foi subsidiada nuns anos para arrancar o que noutros anos era plantado com outros subsídios.
O Bloco Central, que fez alternar no poder PS e PSD, fomentou auto-estradas para além do necessário, construiu aeroportos que não têm utilização, permitiu bancos que enganaram depositantes, e o Estado não melhorou a Justiça. O Estado, aliás, destacou-se por gastar o que tinha e, sabe-se agora, o que não tinha. De tudo o que delapidou, sobretudo dos finais dos anos 90 para cá, sobra pouco. Não admira que as pessoas se afastem da política e não queiram ter participação cívica, como estudos recentes bem revelam. Mas nem eram precisos estudos: quando mais facilmente se juntam milhares de pessoas para celebrar na rua, à noite, uma vitória futebolística, do que aquelas que protestam e agem, dia-a-dia, contra a corrupção, a prescrição de processos de milhões, a falta de justiça ou a ingerência, está tudo dito sobre os 40 anos que passaram desde 25 de Abril de 1974. As pessoas não se importam e o Estado agradece.

 


Dixit

"Hoje, a legislação laboral não constrange a actividade económica".
António Saraiva, Presidente da CIP

 


Semanada
• A Associação de Inspectores de Jogos acusa o sorteio do fisco de falta de transparência e afirma que não está a ser cumprida a lei  uma parte do Governo quer taxar o consumo do açúcar e do sal, outra parte quer taxar o consumo de álcool e tabaco  ao longo desta legislatura, o Governo tem ignorado um terço das perguntas dos deputados  o deputado socialista Miguel Coelho publicou esta semana a sua tese de doutoramento, onde defende que o recrutamento partidário, no caso do PS e do PSD, está nas mãos de um núcleo restrito, que é quem comanda o acesso a cargos políticos remunerados  António Costa defendeu eleições primárias no PS abertas a não militantes e uma reforma do sistema eleitoral  numa sondagem da Universidade Católica, publicada esta semana, 86% dos portugueses dizem não ter qualquer actividade política actualmente e apenas 2% afirmam ter actividade política regular - os outros 12% têm-na apenas de forma esporádica  a mesma sondagem indica que 83% dos portugueses estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia  no mesmo estudo de opinião, os tribunais foram considerados a instituição com pior funcionamento e 73% dos inquiridos manifestaram confiança na imprensa  a Autoridade para as Condições do Trabalho inspeccionou 37 mil locais de trabalho em 2013 e apurou 37 milhões de euros de salários em atraso, um aumento de 66% em relação ao ano anterior  nos últimos dez anos, a CP comprou 25 locomotivas de mercadorias por 105 milhões de euros e deixou de utilizar 26 locomotivas, também de mercadorias, usadas, mas que tinham tido um forte investimento de reparação e modernização e estavam em bom estado.

 


Arco da velha
Uma juíza do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa deixou acumular 8 mil processos atrasados em 2010, mais que a soma de todos os que estavam pendentes em todos os juízos daquele Tribunal.

 


Folhear

"A Liberdade Livre" é o título de um livro dedicado a Cruzeiro Seixas, um dos mais importantes artistas surrealistas portugueses, e que é baseado numa conversa com José Jorge Letria. O livro começa com uma citação de Cruzeiro Seixas que não resisto a reproduzir: "Sonho com uma bola perfeita toda feita de ar. Por agora, só nos faltam os argumentos suficientemente convincentes para convencer o ar". E ainda esta: "por toda a parte há sonhos a empurrar outros sonhos para o abismo". O livro tem numerosas fotografias do autor, muitas na companhia de outros membros do grupo dos surrealistas, como Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria ou António Maria Lisboa, além de reproduções de algumas obras do artista. A conversa com José Jorge Letria recorda o percurso de Cruzeiro Seixas, mas também um relato dos tempos que viveu, a forma como o grupo dos surrealistas marcou uma época. E Seixas recorda episódios, encontros que teve, conversas que lhe ficaram na memória, como uma com Amália Rodrigues, em que ele, referindo-se à fadista, termina assim "Acho extraordinária a voz dela. É como a voz deste país, se este país tivesse voz".

 


Provar

A partir desta semana, o Sky Bar voltou a ser uma possibilidade para um aperitivo ao fim da tarde ou para uma refeição ligeira da carta concebida para o local. O Sky Bar é já uma tradição que vai das primeiras semanas da Primavera ao fim do Verão e que fica no último andar do Hotel Tivoli, da Avenida da Liberdade, ao fundo da sala do restaurante "Terraço". Este ano, o Sky Bar tem algumas mudanças - na localização do bar por exemplo, e é garantidamente um dos locais com melhor vista sobre Lisboa. Quando o tempo está bom, não há melhor local para passar o fim de tarde ou o início da noite. Nas noites de 5ª, 6ª e sábado, há DJ's convidados.
Num registo completamente diferente, e se estiver em Lisboa no sábado à tarde, não perca o "Levar a Vida a Degustar" que a Vida Portuguesa do Largo do Intendente promove - pelas 16h00, há provas de cerveja artesanal "Letra" e as novas conservas da marca José Gourmet - moelas de pato, rojões à minhota, lampreia à bordalesa ou caril de lulas.

 


Gosto
Da forma como Ricardo Araújo Pereira e Miguel Guilherme fazem "Melhor Do Que Falecer".

 

 

Não gosto
De quem autorizou fogo-de-artifício depois da meia-noite, no centro de Lisboa, em véspera de dia de trabalho.

 


Ver
Algumas sugestões para estes dias. Começo pela exposição que abriu na Gulbenkian, no dia 23 de Abril, integrada nas comemorações dos 450 anos do nascimento de William Shakespeare e que, entre outras edições, apresenta um exemplar da tragédia Hamlet, traduzida para francês e apresentada por André Gide, com ilustrações gravadas a buril por Albert Decaris. Este exemplar da obra foi adquirido por Calouste Gulbenkian, em 1947. Ainda na Gulbenkian, destaque para a exposição "Os Czares e o Oriente", que reúne um conjunto de peças da colecção do Kremlin de Moscovo composto pelas ofertas aos czares provenientes do Irão safávida e da Turquia otomana dos séculos XVI e XVII. Em exibição, estão 66 peças, entre jóias, tecidos, armas e arreios de cavalo, utilizadas nos actos cerimoniais dos czares russos, na vida da corte, nas campanhas militares e nos ofícios divinos celebrados nas igrejas do Kremlin. Anteriormente apresentada na Arthur M. Sackler Gallery, da Smithsonian Institution, em Washington, é a primeira vez que esta colecção é vista na Europa. Finalmente, estes são os últimos dias para ver a colecção de máscaras portuguesas, do actor André Gago, que até Domingo está no Museu da Marioneta, que fica no Convento das Bernardas, Rua da Esperança 46.

 


Ouvir
"Crónicas da Grande Cidade", de Miguel Araújo, é o contraponto rural aos discos contemporâneos, mais urbanos. Aqui contam-se histórias da terra e o espanto pela vida na cidade. Miguel Araújo é um bom contador de histórias, as canções são construídas como episódios de uma série que conta a viagem de alguém que veio do interior para a grande cidade. Há momentos em que, na música, nas palavras e até na forma de cantar, este disco faz lembrar o primeiro trabalho dos "Rio Grande". Não se pode dizer que isto seja música folk, nem que esteja particularmente baseado na música tradicional portuguesa - mas há lá sinais de tudo isto, desde os instrumentos à forma de cantar, passando pelos arranjos. É curioso notar o enorme contraste entre este disco e outro grande trabalho de histórias cantadas, já aqui referido, que é o disco de Capicua. Um, o dela, completamente urbano, musicalmente contemporâneo; outro, de forte influência rural, musicalmente conservador. Estas características não fazem com que um seja melhor que o outro - mas mostram a diversidade da música que hoje se está a fazer em Portugal. O facto de os dois cantarem em português, e de ambos serem bem escritos, contradiz aqueles que, por preguiça, evitam o português e se escondem no inglês. Tenho sempre a sensação de que quem o faz não é capaz de assumir dizer coisas simples na nossa língua - como "gosto de ti", preferindo sempre dizer o mesmo em inglês. As minhas canções preferidas são "Cidade Grande (Canção de Acordar)", "Romaria das Festas de Santa Eufémia", "Cartório", "Contamina-me" e "Valsa Redonda". É bem curioso que este disco saia precisamente nesta altura do calendário comemorativo. Não há-de ter sido por acaso. Tem um lado de saudade.

 

 

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