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04 de Abril de 2014 às 09:59

A esquina do Rio

Um homem que eu me habituei a considerar inteligente e que, de certa forma, parecia destoar da pobreza da classe política, é Paulo Rangel.

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Ler é mais importante que escrever.

Roberto Bolaño

 

 


Eleições

Um homem que eu me habituei a considerar inteligente e que, de certa forma, parecia destoar da pobreza da classe política, é Paulo Rangel. E, no entanto, empolgado pelo clima eleitoral e pela sua condição de cabeça-de-lista do PSD e PP às europeias, ei-lo que se deixou inebriar pelas próprias palavras e criou um caso onde o prazo de validade da notícia já tinha quase esgotado - o manifesto pela reestruturação da dívida. Confesso que me custa a perceber a relação entre a falta de jeito para a táctica política e a abundância de dotes oratórios. Ele há pessoas que gostam tanto de se ouvir a si próprias, que depois se embrulham no discurso e nas palavras, que degustam, deliciadas, sem lhes ocorrer que o sabor que as entusiasma é o da cicuta. Estes oradores kamikaze, que nos últimos tempos têm feito escola no PSD em diversos níveis, são quem alimenta a desconfiança nos políticos. Quem está a dar brasa ao manifesto é quem faz declarações como as de Paulo Rangel sobre a falta de adesão do tal manifesto - gerou instantaneamente pretexto para uma petição que cresceu velozmente e que chegou a recolher assinaturas de três dezenas de oficiais generais e oficiais superiores das forças armadas. Não havia necessidade, mas o tiro no pé está dado e Rangel vai andar coxo até ao fim da campanha.
Mas esta campanha das europeias é coisa pequena comparada com a outra que está em curso - no PSD, decorrem umas verdadeiras primárias para as presidenciais: este fim-de-semana, Durão Barroso saiu de Bruxelas e deu à costa mais ocidental da Europa para tactear terreno; no dia a seguir, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou o espaço que tem na TVI para comentar Durão e desfazer metodicamente o Governo, como quem arranca asas a moscas - de Poiares Maduro a Passos Coelho, ninguém escapou; e Santana Lopes, claro, comentou sibilinamente as intenções do regresso de Durão às primeiras páginas dos jornais portugueses. O diário das primárias para as presidenciais arrisca-se a ser mais animado que o diário das europeias.

 

 

 

Dixit

"Em vez de riqueza, só nos sobejam dívidas para redistribuir".
Medina Carreira

 

 

 

Semanada

• Foi divulgado um relatório de um organismo oficial a concluir que a fuga de cérebros pode causar sérios danos à economia nacional  O total de inscritos com mais de 30 anos em licenciaturas no ensino superior público caiu cerca de 30%  aqui ao lado, em Espanha, registou-se, no mesmo grupo, um aumento de cerca de 18%  os alunos do ensino obrigatório com mau aproveitamento escolar custam 250 milhões de euros por ano ao Estado  quase 8500 crianças e jovens foram retirados às famílias em 2013; há mais de cinco mil pessoas sem abrigo em Portugal  o abastecimento de água corrente foi cortado, por falta de pagamento, a mais de 42 mil casas  desde a chegada da troika, os impostos aumentaram 35% para os particulares e 15% para as empresas; uma em cada dez casas na orla costeira está desocupada  a venda de carros novos cresceu 48% nos primeiros meses de 2014, com as marcas Mercedes e BMW em destaque  Bruxelas anunciou que não financiará a construção de mais estradas em Portugal  207 milhões de cupões concorrem ao primeiro sorteio dos Audis da sorte  a Assembleia Distrital de Vila Real foi ameaçada de penhora por salários em atraso  os sectores dependentes do salário mínimo mais que duplicaram desde Abril de 2011  o total de famílias com rendimentos anuais inferiores a 10 mil euros passou de 2,3 milhões em 2010 (48% do total) para 3 milhões (66%) em 2012  em 2013, o número de manifestações caiu 6% e estas manifestações foram vigiadas por 31.257 polícias, quase o dobro de agentes ocupados na mesma actividade que no ano anterior, durante o qual, no entanto, se registaram mais protestos  o PSD considerou que o secretário de Estado que anunciou cortes permanentes nas pensões, José Leite Martins, teve "um momento infeliz"  a agência de publicidade Mosca decidiu dar novo nome ao dia 1 de Abril, passando a chamar-lhe Dia do Político.

 

 

 

Arco da velha

Um procurador-adjunto de Braga deixou prescrever vários processos, entre os quais um de burla e falsificação, que lesou o Estado em mais de um milhão de euros, e outro que permitiu o arquivamento de uma investigação aos rendimentos do ex-presidente da Câmara de Braga, Mesquita Machado.

 

 

 

Ver

O ponto forte da Galeria Ratton está nos azulejos e na relação que consegue estabelecer com pintores, convencendo-os a experimentar aquele suporte cerâmico. Foi o que aconteceu quando, em 1989, a galeria convidou Luísa Correia Pereira a experimentar o azulejo. Desde esta semana, e até 20 de Junho, a Ratton mostra obras dessa época, feitas pela artista nos anos 80 e 90, muitas inéditas, umas em azulejo, outras aguarelas, outras em técnica mista sobre papel e outras em acrílico sobre tela. Olhos amigos dirigiram-me para as pequenas aguarelas, que aproveito para juntar aos azulejos avulsos que são seus familiares próximos. A Ratton, bem perto do sempre polémico Tribunal Constitucional, é uma espécie de oásis onde se mostra o que não se espera ver e onde se descobre o que apetecia conhecer - é isso que se passa com a obra de Luísa Correia Pereira. Rua da Academia das Ciências 2C, das 15h00 às 19h00. Mais informações em galeriaratton.blogspot.com.

 

 


Provar

Esta é a época da lampreia e ainda não provara uma até há uma semana atrás. Nos últimos anos, tinha continuado a poder degustar a lampreia minhota que se fazia no antigo "Manel" do Parque Mayer, e que o herdeiro da casa tinha levado para o restaurante do Clube de Ténis de Monsanto - que, entretanto, deixou. Fiquei contente por saber que Júlio Calçada vai abrir nova casa na Rua do Salitre, mas a verdade é que fiquei sem lampreia. Foi o pretexto para regressar à Adega da Tia Matilde, ao Rego, na Rua da Beneficência, onde já não ia há uns anos. A qualidade continua a ser superior e não é por acaso que a lampreia servida na Tia Matilde está no top do que, na matéria, se faz em Lisboa. Desta vez preferi à bordalesa: no fundo, é uma lampreia estufada, muito bem estufada, num molho cremoso que incorpora o sangue do bicho, servida sobre fatias de pão frito e acompanhada de arroz carolino no forno. A lampreia estava na boa fase, com ovas saborosas, a dose era abundante, o molho e o tempero estavam a preceito e o arroz era exemplar. Convém sempre marcar, apesar de a casa ser grande. Rua da Beneficência 77, telefone 21 797 2172. Tem parque de estacionamento nas traseiras, com acesso directo por elevador ao restaurante.

 

 

 

Gosto

A iniciativa Art On Chairs, da Câmara Municipal de Paredes, foi distinguida em Bruxelas como o melhor projecto europeu na área do desenvolvimento regional.

 


Não gosto

Da fuga às reponsabilidades ensaiada por Vítor Constâncio, e apadrinhada por vários notáveis, no caso da falta de supervisão do Banco de Portugal ao BPN.

 

 

 

Folhear

A edição de Março do "British Journal of Photography" é dedicada a David Bailey, apresentado como "o mais conhecido fotógrafo britânico, cronista visual dos agitados anos 60 londrinos e ainda cheio de energia a trabalhar". A revista, que é uma das melhores fontes de informação sobre o que se faz de novo em fotografia, aborda desde edições de livros até novas exposições e publica sempre "portfolios" que resultam de projectos pessoais. Nesta edição, destaco o trabalho de David Bailey, um catalão que mostra o seu olhar sobre Moscovo, e o da californiana Elizabeth Moran, um trabalho sobre espaço habitados. Este número de Março reproduz os principais trabalhos escolhido na edição deste ano do World Press Photo, mas o prato forte é uma entrevista com Martin Parr, o fotógrafo da Magnum que meteu mãos à obra a mostrar ao mundo a importância dos "photobooks" - já vai no terceiro grande volume da série. E, claro, há Bailey, David Bailey - 12 páginas com imagens e história desta figura de referência da fotografia e da sua carreira de mais de 50 anos - aqui se mostram retratos de Joseph Beuys, Patti Smith, Marianne Faithfull e Man Ray, entre outros.

 

 

 


Ouvir

Em 1998, os Silence 4 ganharam súbita fama e notoriedade com o seu álbum de estreia, "Silence Becomes It", que ao longo do tempo vendeu 230 mil exemplares, um número muito respeitável no panorama das edições discográficas portuguesas. As vozes de David Fonseca e Sofia Lisboa, as melodias das canções e as histórias contadas nas letras, escritas em inglês mas rapidamente assimiláveis, como o hit "Sorrow" bem mostrou, foram a chave do sucesso da banda. O segundo disco, "Only Pain Is Real", continua o encanto, mas perde o efeito surpresa. É destes dois discos que se faz a lenda e eles são a matéria-prima de uma belíssima edição, em caixa - "Silence 4- Songbook 2014", agora editada. Além dos dois discos de originais, inclui-se um disco de gravações avulsas feitas entre 1996 e 2000, e que inclui demos, registos ao vivo e remixes, apropriadamente intitulados "Rarities". A edição fica completa com um DVD que agrupa os concertos do Pavilhão Atlântico, em 1998, e do Coliseu dos Recreios, em 2000. A caixa inclui ainda os vídeos de "Borrow", "My Friends", "To Give" e "Only Pain Is Real". Como David Fonseca dizia no início da carreira da banda, é mais fácil cantar sobre sentimentos pessoais em inglês, porque assim há menos gente que percebe… Cá por mim, continuo a ter saudades da maneira como Sofia Lisboa cantava nesses tempos.

 

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