Opinião
A esquina do Rio
"Com C e sem acordo ortográfico - assim é menos politicamente correcto.
Facturas
"Com C e sem acordo ortográfico - assim é menos politicamente correcto. Vamos a factos: um comunicado do Ministério das Finanças, emitido quarta-feira para a Rádio Renascença, dizia que "a autoridade tributária está a actuar à saída de estabelecimentos comerciais e já instaurou diversos processos de contra-ordenação a consumidores que não pediram factura". Os consumidores estão assim a ser transformados em polícias. A lógica do Estado é simples: ter polícias em todo o lado, fazer de cada cidadão um vigilante. A coisa é ainda mais apurada que no antigamente: há umas décadas atrás, os funcionários públicos - mas só estes - podiam receber umas gratificações se denunciassem quem não tinha licença de uso de isqueiro. Agora todos são chamados a ter o seu quinhão na colecta de impostos. A melhor de todas as observações sobre este triste episódio, e que revela a natureza do Estado que este Governo quer, veio do Cão Azul, um fabricante de "t-shirts", com mensagens irónicas estampadas, que colocou no Facebook, esta observação: "As repartições de Finanças não têm mãos a medir com a quantidade de contribuintes que hoje foram pedir a factura do BPN com medo de serem multados por falta de factura do dinheiro que gastaram na privatização do banco".
Criar
Gostava de recordar que no Reino Unido as indústrias criativas dão trabalho a milhão e meio de pessoas, em mais de cem mil empresas, que atingem 41 mil milhões de euros de facturação e asseguram exportações no valor de nove mil milhões de euros. Em Londres, a seguir ao sector financeiro, o sector das indústrias criativas é o mais importante do ponto de vista de volume de negócios. Ali estão incluídos o design, a moda, a música, os filmes, as produções de televisão, a publicidade, assim como diversas artes. Na Universidade de Londres, seis colégios são dedicados ao ensino de várias destas artes e ofícios e 40% dos seus alunos são estrangeiros, oriundos de 91 países. Empresas do sector das tecnologias de informação, das telecomunicações e do turismo vão lá frequentemente recrutar talento.
Em Março, no muito prestigiado e imperial Victoria & Albert Museum, inaugurará uma exposição dedicada a David Bowie, mostrando o seu papel e influência na alteração dos padrões de criação e consumo da cultura popular em várias áreas. E por cá, com tanta conversa sobre indústrias criativas, que se fez? Lisboa, que tem para mostrar nesta área?
Ouvir
Rodrigo Amado é um dos mais interessantes músicos de jazz portugueses, com o atractivo suplementar de ter carreiras paralelas enquanto editor e produtor discográfico, crítico e, também, fotógrafo. Mas é o seu mais recente disco, "Live At Jazz Ao Centro", que aqui merece destaque. O Motion Trio (Rodrigo Amado no saxofone, Miguel Mira no violoncelo, Gabriel Ferrandini na bateria) teve a participação do trombonista Jeb Bishop na actuação realizada no Festival "Jazz Ao Centro" de Maio de 2011, em Coimbra, e o resultado deste cruzamento é uma explosão de improvisação - no primeiro tema, Rodrigo Amado e Bishop exploram os respectivos territórios e é o diálogo entre os dois músicos que acaba por ser o ponto alto nos outros dois temas, "Imaging Caverns" e "Red Halo".
É justo sublinhar o trabalho do baterista, permanentemente a servir de ponto de união entre as improvisações e a sonoridade invulgar conseguida por Miguel Mira no violoncelo, nomeadamente na abertura de "Red Halo".
Provar
Uma coisa que me enerva é a utilização abusiva da palavra gourmet aplicada à designação dos restaurantes. Iludido pela palavra e por maus conselhos, caí um dia destes na Hamburgueria Gourmet, um estabelecimento localizado no 114 da Rua da Alfândega, já a chegar ao Terreiro do Paço.
No princípio da refeição, nada fazia prever o que aconteceu; a lista incluía promessas de hambúrgueres que incorporavam queijo da serra, presunto de Chaves e até copita de Barrancos. No entanto, e por estarmos em Lisboa, decidi experimentar o hambúrguer Marrare, que imaginei homenagear o bife do mesmo nome criado por um cozinheiro italiano que andou por estas paragens no final do século XVIII. A receita original é simples, mas complicada demais para esta hamburgueria. Vou passar por cima do facto de a cerveja pedida ao mesmo tempo que o bife ter demorado mais de dez minutos a chegar e vou esquecer que estive 35 minutos à espera do tal hambúrguer. Passemos à substância: o hambúrguer tinha sido grelhado na chapa, não tinha tempero que se saboreasse, nem paladar que se percebesse. Derramava-se em cima de uma alface que, entretanto, recozeu e tinha uns pedaços inusitados de tomate e cebola intercalados entre as duas fatias da carne ressequida. A apropriação indevida do nome Marrare vinha de uma tímida colherada de uma pasta, que teoricamente imitava o molho que deu nome ao bife, e que originalmente tinha a particularidade de ser o produto no qual a carne era cozinhada - e não minguamente baptizada, como neste caso. Em resumo, uma experiência a não repetir e que me faz desconfiar de algumas revistas que fazem listas dos melhores sítios para comer hambúrgueres e colocam este local em lugar de destaque.
Arco da velha
A Câmara de Torres Vedras quer candidatar o Carnaval da localidade a património da humanidade.
Semanada
António Costa e António José Seguro foram a Coimbra abraçar-se; Mário Soares e Manuel Alegre fizeram as pazes; António José Seguro escolheu para "slogan" a expressão "Portugal Primeiro", a mesma que foi utilizada por Passos Coelho em 2012; cada português gastou 259 euros em medicamentos em 2012, menos 11,7% que em 2011; Portugal aplicou apenas uma das 13 recomendações do Conselho da Europa para melhorar a incriminação de suspeitos e a transparência do financiamento partidário; a área ocupada pelo pinheiro bravo reduziu-se um terço nos últimos 15 anos; uma reportagem de um jornal diário relata que a crise está o provocar enchentes nos consultórios de bruxos e videntes; Portugal é o segundo país europeu com o preço mais baixo de um hambúrguer Big Mac, logo a seguir à Estónia; as exportações para a China quase que duplicaram em 2012 em relação ao ano anterior; os países fora da União Europeia são responsáveis por 88% do crescimento de exportações em 2012; no último ano, os bancos portugueses cortaram 2.350 postos de trabalho e fecharam mais de 150 balcões; os bancos portugueses têm cerca de 23 mil milhões de crédito malparado.
Ver
Três sugestões de fotografia para esta semana. No Espaço BES Arte, no Marquês do Pombal, José Medeiros, um dos grande nomes da fotografia brasileira, propõe "O Rio É Uma Festa", que pode ser visto até 4 de Abril. Na Kameraphoto (Rua da Vinha 43A, Bairro Alto) os brasileiros Fábio Messias, Gio Soifer, Maíra Ramos, Marco A.F. e Otávio Almeida apresentam "Tanto Mar". E na Cordoaria Nacional, até 23 de Março, Valter Vinagre apresenta o trabalho que desenvolveu com a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) com o objectivo de retratar o universo das vítimas de crime em Portugal.
Folhear
A "Aperture" é uma revista norte-americana, que se edita quatro vezes por ano, exclusivamente dedicada à fotografia. Existe graças à Aperture Foundation, que além de uma galeria, mantém uma actividade de edição de livros muito interessante
e é ainda responsável por um curioso blog. Se acederem a www.aperture.org, poderão ter uma ideia da extensão do projecto. A revista fez agora 60 anos e, ao longo das décadas que existe, tornou-se uma referência em termos de história e crítica da fotografia. Na edição de Outono (a mais recente disponível na Amazon UK) destaco um ensaio sobre a fotografia de guerra, um portfolio sobre comunidades rurais na Rússia e fotografias de publicidade na "Vogue" americana entre 1930 e 1950. Em apenas 80 páginas percorre-se um mundo de imagens.
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