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28 de Dezembro de 2012 às 12:26

A esquina do Rio

O ano acabou com duas novelas: o estranho caso da venda da TAP, que não aconteceu depois de estar prometida a Germán Efromovich, por este não ter prestado a garantia bancária exigida para o negócio

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Burlesco
O ano acabou com duas novelas: o estranho caso da venda da TAP, que não aconteceu depois de estar prometida a Germán Efromovich, por este não ter prestado a garantia bancária exigida para o negócio, após ter andado semanas a encher a boca e os nossos ouvidos de milhões e milhões que nos iria dar; e o estranho caso do orador Artur Baptista da Silva, que vigarizou meio mundo e teve uma meteórica carreira em eventos, de conferências no insigne Grémio Literário ao Congresso da Felicidade, no Porto, onde foi convidado a botar faladura. Vivemos num país crédulo - alguma razão há-de existir para os actos eleitorais das últimas décadas terem dado os resultados que estão à vista.
Não sei porquê, encontro parecenças entre os dois. Ambos sugerem milagreiros de ocasião, actores de uma comédia falhada. Mas o que é certo é que ambos conseguiram protagonizar momentos decisivos, ambos encheram páginas de jornais, ambos tiveram honras de televisão. Alguma coisa vai terrivelmente mal quando tudo isto acontece.
Num dia destes, Adelino Maltez afirmava que vivíamos no reino do burlesco. Com a devida vénia, cito uma entrada no seu Facebook, colocada em jeito de comentário a "posts" político-natalícios contemporâneos: "No primeiro dia do ano de 1974, tudo se passou como em iguais dias dos anos imediatamente anteriores (expressão do Almirante Américo Tomás nas suas memórias e que inspira todos os teatros de Estado das mensagens de Natal e Ano Novo dos anos subsequentes...)."


Regime
Quando vejo o que se passa e quando penso no que tem acontecido, fico com a certeza que o regime está caduco e que os partidos que o sustentam caducos estão. Por estes dias dei comigo a pensar que, entre 1969 e 1974, Marcelo Caetano teve mais consciência das limitações do regime que herdou, do que os políticos actuais - que, como os velhos do regime, querem perpetuar o estado das coisas porque esse é o garante do compadrio de influências que é a sua razão de ser. 2012 fica para a História como o ano em que se agudizou o desrespeito do Estado pelos contratos implícitos que estabelece com a sociedade e os contribuintes. A narrativa política oscilou mais que um barco à vela no meio de uma tempestade. Em numerosos casos, de sectores e de importância diversas, o Estado desdisse o que tinha anunciado.
Temos um ministro das Finanças que é pior a fazer previsões que um quiromante de vão de escada a fazer horóscopos. Gaspar já não consegue acertar nem numa folha de excel, quanto mais no mundo real. Em cada mês que passa, por cada nova previsão falhada, confirma-se que nem bom técnico deve ser. Um político é suposto ter visão e não ser conformista. Não é isso que se passa com os políticos no activo, em todos os quadrantes. Vivemos um "reality show" político tão mau que consegue perder audiências em vez de suscitar interesse. Há uma dupla perca de credibilidade - pela falta de cumprimento das promessas e pelas sucessivas falhas nas previsões que se usam para justificar as políticas. Há muito que deixámos de ter uma estratégia, limitamo-nos a um zigue-zague.

 

"Ouver"
(Não é gralha, é para ver e ouvir...) - acho muito engraçado ver a evolução das listas de discos mais vendidos nos últimos anos. Quem seguir as tabelas da FNAC em Portugal, verá que em muitas semanas, à frente da tabela, estão discos de fado, de jazz vocal e, como aconteceu há pouco tempo, até de música clássica. Isto tem uma razão: são as pessoas acima dos 35 anos que hoje em dia mais compram discos em suporte físico, em vez de fazerem o seu "download" porque ainda não se sentem confortáveis a fazê-lo. Por isso mesmo, Cecilia Bartoli liderou há pouco tempo a tabela de vendas com o seu "Mission", uma produção dedicada à música de Agostino Steffani, um compositor barroco, além de diplomata, espião e missionário. Depois do sucesso alcançado pelo CD, eis que agora aparece o DVD, numa estratégia de edição pensada ao pormenor desde o início. Na realidade, o DVD é um filme, rodado em Versailles, partindo de uma visita ficcionada do compositor à corte do Rei Sol no final do século XVII. Bartoli tem-se dedicado a fazer descobrir compositores quase desconhecidos e este seu trabalho, completo e apaixonado, sobre Agostino Steffani é exemplar do ponto de vista da capacidade de um intérprete em explorar diversos meios para fazer chegar a sua obra a diversos públicos. O filme, co-produzido pela ARTE, foi escrito e realizado por Olivier Simonnet (e dá que pensar sobre a utilidade de incentivar a produção audiovisual - mas isso, são outras músicas, por cá bastante desafinadas). O DVD "Mission" já está disponível por cá e é a minha sugestão para a noite de fim de ano.

 

Folhear
Pelo caminho que as coisas levam, vou começar a coleccionar derradeiras edições de revistas. O começo da colecção não podia ser melhor: "#LAST PRINT ISSUE" - este é o título da derradeira edição em papel da revista semanal "Newsweek", letras a branco e vermelho colocadas por cima de uma fotografia a preto e branco com o arranha-céus de Manhattan, que alojou a redacção da revista, em primeiro plano. A partir de Janeiro, a "Newsweek" passará exclusivamente a ter vida em edição digital - na realidade,
é a primeira revista de informação global a migrar do papel para o digital. Acredito que esta não é uma derrota, mas um acto de visão. A célebre página "Perspectives", que ao longo dos anos recolheu citações e observações, recorda nesta edição especial uma ideia defendida em 1995 por Nicholas Negroponte, o director do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology. Dizia ele, há quase duas décadas, perante o cepticismo de quem o ouvia, que dentro de pouco tempo, as pessoas passariam a comprar e a ler livros, jornais e revistas na Internet. Pois esse tempo foi chegando e agora não há muita volta a dar e, em vez de erguer um muro
de lamentações, mais vale aproveitar as potencialidades do mundo novo que está à nossa volta. Tina Brown, a carismática directora da revista, que lhe pegou numa época difícil há cerca de um ano, assina um editorial onde afirma o que devia já ser óbvio para todos: "às vezes, a mudança não é somente positiva, é necessária".

 

Arco da velha
"Vertigo", de Alfred Hitchcok, considerado o melhor filme de todos os tempos pelo British Film Institute, não foi considerado filme de qualidade pela Inspecção Geral das Actividades Culturais.

 

Semanada
Depois de um ano bem atribulado e pouco secreto, o director do SIS propôs a fusão das Secretas; mais de um milhão de portugueses emigraram desde 1998 e a vaga de emigração está nos níveis dos anos 60; o regresso aos mercados pode ser adiado para 2014; o Governo prepara cortes nos salários se o Orçamento derrapar no próximo ano; Vítor Gaspar continua a falhar previsões de receita e de défice; Passos Coelho disse, no Parlamento, que 2013 vai ser um ano de grandes dificuldades e comparou os portugueses a soldados num cenário de guerra; dias mais tarde, Passos Coelho escreveu no Facebook que "este não foi o Natal que merecíamos"; em 2012, estão a vender-se menos 30 mil jornais por dia que no ano passado; Joe Berardo deu uma entrevista para dizer que "este Governo está a perseguir as pessoas do dinheiro" e para garantir que a sua "verdadeira situação financeira é muito boa"; 75% das codornizes consumidas em Portugal são criadas na freguesia do Landal, nas Caldas da Rainha, e são vendidas pelos criadores a cerca de 70 cêntimos cada animal - ao todo, são cerca de três milhões de aves por ano; os calotes a condomínios já atingem mil milhões de euros; no ano passado, em Lisboa, 1.203 idosos morreram sozinhos, sem qualquer tipo de assistência médica.

 

Provar
A bem do equilíbrio da nossa balança de pagamentos, sugiro que em vez de comprarem sucedâneos de caviar (já nem falo do verdadeiro...) experimentem as ovas de bacalhau e de sardinha, ambas da fábrica conserveira "La Gondola", em Perafita, Matosinhos. Garanto que não se arrependem se no fim de ano experimentarem este petisco, acompanhado, por exemplo, por um Alvarinho, como o Deu La Deu. Eu, pessoalmente, prefiro as de sardinha, mas reconheço que ambas são muito boas - nomeadamente com um bocadinho da indispensável e saudável broa de milho. A todos um 2013 melhor do que aquilo que esperamos e nos prometem!

 

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mfalcao@gmail.com
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