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Os mais sábios dos pessimistas recomendam mesmo que se prepare desde já uma nova descida ao purgatório. Será que teremos de voltar aos antidepressivos?

No intervalo de uma semana, duas boas notícias para a economia portuguesa - o crescimento de 2,8% do PIB no primeiro trimestre e a saída da situação de défice excessivo. Se a segunda não é surpresa face aos resultados orçamentais obtidos, já a primeira pulverizou as previsões mais optimistas. À falta de informação fina sobre a distribuição sectorial do crescimento verificado, tem-se por certo que a evolução das exportações e do turismo estiveram na base do feito. E logo avançaram as teses da sorte, da conjuntura internacional favorável e dos benefícios retardados da cura de emagrecimento. E avisos: os estímulos externos podem vir a abrandar e os franceses, esgotado o encanto, trocarem Portugal por Marrocos. Em suma, tudo pode não passar de uma ilusão, fazendo esfumar as projecções alegres do Presidente Marcelo. Os mais sábios dos pessimistas recomendam mesmo que se prepare desde já uma nova descida ao purgatório. Será que teremos de voltar aos antidepressivos?

 

Olhemos para o turismo. É, de facto, assinalável a progressão da balança turística (exportações menos importações) nos últimos seis anos, após uma década em que o seu comportamento se manteve estável. Se, em 1996, o saldo da balança representava 2,0% do PIB e, em 2006, 2,4%, os números de 2016 apontam para 4,8%, sendo expectável que os do ano corrente ultrapassem confortavelmente os 5%. Em valor, as receitas líquidas viram-se multiplicadas por um factor de 2,2 nos últimos dez anos.

 

A que se deve o fenómeno? Simplesmente à instabilidade nos países muçulmanos, como alguns pretendem? Há certamente um desvio de rotas do Norte de África e da Turquia para a Europa do Sul, em geral, mas isso não explica o comportamento especialmente positivo do turismo português quando comparado com destinos mediterrânicos concorrentes, nem o notável aumento das entradas fora do segmento sol-e-praia, em particular do turismo cultural e de cidade. Lisboa e Porto que o digam.

 

É unânime a opinião dos operadores internacionais sobre o enorme salto dado por Portugal ao nível das suas infra-estruturas, em quantidade e qualidade, bem como de toda a gama de serviços no designado cluster turístico. O trabalho desenvolvido por entidades públicas e privadas na recuperação do património, na concepção e promoção de rotas e circuitos apelativos e na formação profissional contribuíram sobremaneira para a reconhecida valorização de uma das raras actividades económicas onde Portugal detém vantagens comparativas - algumas delas naturais, impossíveis de replicar - no quadro global.

 

É, por isso, surpreendente que alguns espíritos neoclássicos continuem a desdenhar da valia e da sustentabilidade das indústrias do lazer e dos sectores terciário e quaternário em geral, como se o progresso económico estivesse dependente da instalação de fábricas com chaminés mais ou menos fumegantes. Já se esqueceram da Qimonda? Não há sectores mais ou menos virtuosos, há sim indústrias onde a natureza distintiva dos recursos, a capacidade de integração em redes internacionais e o engenho fazem a diferença. O turismo, por exemplo. 

 

A figura do mês: Hassan Rohani

 

A reeleição de Hassan Rohani, à primeira volta, para Presidente do Irão é prova de que a maioria dos iranianos é sensata e se revê numa política de abertura e normalização de relações com o Ocidente. Mas não será ele quem conseguirá reverter o anátema que impende sobre os pretensos desígnios de domínio regional por parte do Irão. Nem eliminar as sangrentas contradições entre os dois grandes ramos do Islão - o sunismo e o xiismo.

 

A intrincada malha socio-religiosa do Próximo Oriente é de difícil compreensão pela Europa, mais ainda pelos Estados Unidos e nunca, em tempo algum, será minimamente entendida pela patética presidência norte-americana.

 

Enquanto muçulmanos de diferentes facções religiosas, tribos e cores políticas se matam diariamente na Síria, no Iémen e na Líbia, enquanto a Arábia Saudita e outros estados do Golfo albergam e formam fundamentalistas islâmicos, Donald Trump lança gasolina para a fogueira e anuncia a celebração de um contrato de 110 mil milhões de dólares de armamento para o regime ditatorial de Riade. Aliados de quem?

 

O número do mês: 30 milhões de euros

 

É quanto parece que alguém vai gastar na organização do próximo festival da Eurovisão, em terras lusas. Anestesiados pela inesperada façanha do nosso rapaz em Kiev e da sua cantiguinha doce, os portugueses desligaram dos números. Quantos (euros) são? Não importa, o festival já cá canta e alguém o pagará.

 

Embalada pela vitória e rápida no verbo, a RTP fez de imediato saber que o dinheiro não sairia do seu bolso. Nem um cêntimo. O cofre só se abrirá para as receitas publicitárias do certame. Então como fazer? Lança-se um concurso, ora aí está - Quem quer ser o autarca da Eurovisão? O vencedor paga 30 milhões.

 

É claro que haveria soluções alternativas. Uma seria afectar parte do reforço das verbas da Cultura, feito alcançado pelo Salvador na sua deslocação à Assembleia da República, na produção do evento. Outra, ainda mais prática, seria aplicar uma sobretaxinha audiovisual aos consumidores de electricidade para custear a festa. A RTP faria o acerto de contas.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa

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